— Pare de me analisar! Cansei de ter minha privacidade invadida por sua magia pervertida! – Afundo as unhas na direção e piso um pouco mais no acelerador, voltando a atenção para a curva sinuosa a frente.
— Ótimo! Além de psicopatas de asas, leem as mentes também! – Noah suspira recostando no banco. — O que mais fazem? Não, não quero saber.
O olho novamente pelo retrovisor e a quietude persiste até o estacionamento do cemitério. Passamos pelo enorme portão de vigas de ferro prateado e antigo, com marcas de ferrugem aqui e ali nos arabescos e no enorme corvo que ficava ao centro dele, acima de tudo, observando com seus olhos de metal quem entra para sair e quem nunca mais sai.
O cheiro dos canais é mais forte nos arredores, se mesclando com o aroma amadeirado dos pinheiros e da terra úmida. Uma fina garoa começa, enquanto passamos pelas centenas de corredores com lápides fincadas no solo – esculpidas com os nomes dos falecidos, suas datas de nascimento e morte
Freya me guia pelas ruas enfeitadas de Nova Orleans até sua casa. O dia das bruxas se aproxima na mesma velocidade em que as folhas das árvores caem alaranjadas e marrons para o concreto do asfalto e os humanos se recusam a perder tal comemoração, o que, é no mínimo contraditório quando analisamos a diferença de suas crenças religiosas com a verdadeira origem pagã do halloween. Hipócritas! Penso ao guiar o carro pela rua estreita cheias de cortiços coloridos franceses, decoradas com correntes de flores sazonais entrelaçada nas vigas de metais das varandas. Samambaias pendem dos tetos e luzes penduradas iluminam a manhã nublada, chuvosa e melancólica. Estaciono de frente à casa da bruxa e descemos para a rua, o Jazz ecoando ao fundo, vindo de algum dos apartamentos acima. Seguimos Freya pelos curtos degraus de entrada e ela destranca a porta de madeira com um quadrado de vidro craquelado em várias cores na altura de nossas cabeças. Entramos para um interior
— Isso é ridículo, pois, se ela quer tanto, que procure outra bruxa! – Freya responde um tanto indiferente e se move, preparando-se para se levantar. Mas, o garoto sai da poltrona e vai até ela, antes que o faça. — Por favor, Freya. – Pede acomodando-se ao lado dela, as mãos segurando as da outra. — Tenho até a lua de sangue, ou vou perder alguém importante para mim. — Desculpe, é mais complicado do que pensa, Noah. Somente a bruxa que fez o feitiço pode quebra-lo. Não posso ajudar. – A morena completa livrando-se dos dedos do mortal e colocando-se de pé. Me distraio da cena quando Terence para ao meu lado sem avisar. Olho para cima e ele se inclina para sussurrar algo em meu ouvido. — É perda de tempo. – A respiração faz cócegas na bochecha e envia um arrepio tronco abaixo. — E o que sugere? – Retruco irritadiça com a voz mais baixa que consigo. O flagro sorrindo pelo canto do olho e sinto seu toque em minhas costas, quando passa por
— Ótimo! – Freya bate uma palma e as chamas das velas e o fogo crescem, esquentando ainda mais o ambiente. — Aparentemente meu ritual de lua de sangue sofrerá certas mudanças inesperadas. Então, um de vocês seja gentil e nos traga algo para o almoço.— Freya. – Entrelaço os dedos uns nos outros, contendo a ansiedade. — Tem mais uma coisa que precisa saber. – Busco pelo dourado das irizes do feérico e as encontro um tanto apreensivas. Meneio em um sim com o queixo e ele anda até a mesa de jantar, onde todos nos reunimos em pé para analisar o mapa das chaves se abrindo magicamente. — Esse mapa mostra outros objetos com o mesmo poder do que o que está na caixa. Duvessa tem um deles, nós estamos com dois em mãos, teoricamente.— Porém? – Ela ergue uma das sobrancelhas negras, cheias e bem delineadas.<
Noah A porta se fecha e me arrepio com o simples pensamento de ficar sozinho com a bruxa, enquanto Amara se afasta com o feérico detestável. Posso sim, estar confuso em relação a como me sinto com toda essa situação, mas meus sentimos por ele são verdadeiros. O detesto mais que tudo e algo me diz, que é mutuo. Não confio nada em Terence. Afinal, por que confiaria? — Ela ficará bem, não se preocupe. – Freya para às minhas costas. Meu corpo reage ao susto e percebo o tanto silenciosa que ela é. Como um gato com passos leves e quietos e respiração lenta e baixa. Mal a ouvi chegar perto de mim e se quisesse me matar, já estaria morto a essa altura. Ao menos, esse pensamento me tranquiliza. O resto deles, grita em meio a uma guerra dentro da cabeça, lutando para serem ouvidos e refletidos. — Como você sabe? – Pergunto olhando em seus olhos amendoados e serenos, totalmente contraditório com a tensão dos ombros estreitos. —
— Eu não posso morrer, tolinho. – A bruxa arregaça as mangas da blusa preta e revela pequenos símbolos dourados como cicatrizes quase invisíveis em sua pele morena. As formas rodeiam seus punhos como uma algema. Ela espera que eu os veja com clareza e os cobre novamente. Seus olhos brilham como carvão agora, escurecidos pelas chamas das velas e da cortina de fios castanhos caindo ao redor das bochechas ressaltadas até os largos quadris.— O que significam? Os símbolos? – Quero saber mesmo temendo que a resposta seja ruim como a expressão em seu rosto.— Eles significam muitas coisas. – A voz de Freya é embargada em dor, mágoa e raiva e seus olhos estão distantes, vagando no passado. Com um piscar dos cílios longos que sombreiam as maçãs do rosto ela retorna e começa a equilibrar as coisas que juntara em seus braços. —
Amara — Entrar na floresta em meio a uma tempestade se formando e de calça branca não é o que eu imaginei para hoje. Resmungo para ninguém em especial desviando de uma raiz alta sobre a terra úmida e fofa. As botas ajudam um pouco, mas o salto afunda no solo, dificultando meu caminhar entre os pinheiros largos que tocam as nuvens carregadas e negras acima de nossas cabeças. — Certamente. – Terence concorda poucos passos à frente com uma facilidade extrema em desviar dos empecilhos no trajeto. — Você fica muito bem nela a propósito. Principalmente, quando chove. – O noto olhando por cima do ombro de soslaio com um sorriso no canto dos lábios. Encaro suas costas musculosas e praguejo, sentindo falta da minha destreza com a natureza de quando vivia com as fadas. Minhas bochechas coram com o elogio malicioso, mas tento ignorar e teria conseguido se não é a vergonha queimando em meu rosto. Dou uma olhadela rápida para minha
Terence é arremessado contra uma arvore, tão alto que galhos se partem com a violência do impacto e colide com a terra, rolando até a margem da cachoeira. Um grito desesperado escapa da minha garganta. Ele se apoia nos joelhos, os braços arranhados e tosse pela falta do ar que lhe fora arrancado. Quando tento avançar em sua direção, uma garota com roupas típicas do reino das fadas bloqueia a passagem.Ela sorri, perversa e com um brilho malicioso nos olhos acinzentados contrastando com a pele bronzeada. Os cachos marrons e volumosos modelam o maxilar delicado e as bochechas rosadas. A ponta da orelha feérica, visível por entre as mechas compridas e encharcadas.— Olá, Amara! Lembra-se de mim? – A voz suave me penetra com medo e estremeço ao reconhece-la.— Jordanna.A feérica permanece com o sorriso e indica Terence com a cabeça, liber
Voltar para casa sempre é uma das melhores sensações. O cheiro familiar diversificado de inúmeros aromas mesclados de velas, incensos e madeira invade meu nariz assim, que passamos pela porta. O estalar do piso sobre os pés, o chiado do vento gélido bloqueado pelas janelas fechadas e a tempestade caindo lá fora soa como se a natureza cantasse. Eu gosto disso, da paz que transmite, mesmo que estando enxarcada e pigando por todo o chão.Terence voou conosco o resto do caminho, apesar da intensidade da chuva e depois de seis anos sem asas, me lembro de como são extremamente resistentes. E delicadas. Fadas não são como passarinhos e podem voar em meio ao céu caindo em água, ou, em nevascas torrenciais. Contudo, suscetíveis a uma lâmina pronta para rasga-las e lanças para perfura-las. E mãos cruéis para arrancá-las. Minha consci&ecir