Freya me guia pelas ruas enfeitadas de Nova Orleans até sua casa. O dia das bruxas se aproxima na mesma velocidade em que as folhas das árvores caem alaranjadas e marrons para o concreto do asfalto e os humanos se recusam a perder tal comemoração, o que, é no mínimo contraditório quando analisamos a diferença de suas crenças religiosas com a verdadeira origem pagã do halloween. Hipócritas! Penso ao guiar o carro pela rua estreita cheias de cortiços coloridos franceses, decoradas com correntes de flores sazonais entrelaçada nas vigas de metais das varandas. Samambaias pendem dos tetos e luzes penduradas iluminam a manhã nublada, chuvosa e melancólica.
Estaciono de frente à casa da bruxa e descemos para a rua, o Jazz ecoando ao fundo, vindo de algum dos apartamentos acima. Seguimos Freya pelos curtos degraus de entrada e ela destranca a porta de madeira com um quadrado de vidro craquelado em várias cores na altura de nossas cabeças. Entramos para um interior
— Isso é ridículo, pois, se ela quer tanto, que procure outra bruxa! – Freya responde um tanto indiferente e se move, preparando-se para se levantar. Mas, o garoto sai da poltrona e vai até ela, antes que o faça. — Por favor, Freya. – Pede acomodando-se ao lado dela, as mãos segurando as da outra. — Tenho até a lua de sangue, ou vou perder alguém importante para mim. — Desculpe, é mais complicado do que pensa, Noah. Somente a bruxa que fez o feitiço pode quebra-lo. Não posso ajudar. – A morena completa livrando-se dos dedos do mortal e colocando-se de pé. Me distraio da cena quando Terence para ao meu lado sem avisar. Olho para cima e ele se inclina para sussurrar algo em meu ouvido. — É perda de tempo. – A respiração faz cócegas na bochecha e envia um arrepio tronco abaixo. — E o que sugere? – Retruco irritadiça com a voz mais baixa que consigo. O flagro sorrindo pelo canto do olho e sinto seu toque em minhas costas, quando passa por
— Ótimo! – Freya bate uma palma e as chamas das velas e o fogo crescem, esquentando ainda mais o ambiente. — Aparentemente meu ritual de lua de sangue sofrerá certas mudanças inesperadas. Então, um de vocês seja gentil e nos traga algo para o almoço.— Freya. – Entrelaço os dedos uns nos outros, contendo a ansiedade. — Tem mais uma coisa que precisa saber. – Busco pelo dourado das irizes do feérico e as encontro um tanto apreensivas. Meneio em um sim com o queixo e ele anda até a mesa de jantar, onde todos nos reunimos em pé para analisar o mapa das chaves se abrindo magicamente. — Esse mapa mostra outros objetos com o mesmo poder do que o que está na caixa. Duvessa tem um deles, nós estamos com dois em mãos, teoricamente.— Porém? – Ela ergue uma das sobrancelhas negras, cheias e bem delineadas.<
Noah A porta se fecha e me arrepio com o simples pensamento de ficar sozinho com a bruxa, enquanto Amara se afasta com o feérico detestável. Posso sim, estar confuso em relação a como me sinto com toda essa situação, mas meus sentimos por ele são verdadeiros. O detesto mais que tudo e algo me diz, que é mutuo. Não confio nada em Terence. Afinal, por que confiaria? — Ela ficará bem, não se preocupe. – Freya para às minhas costas. Meu corpo reage ao susto e percebo o tanto silenciosa que ela é. Como um gato com passos leves e quietos e respiração lenta e baixa. Mal a ouvi chegar perto de mim e se quisesse me matar, já estaria morto a essa altura. Ao menos, esse pensamento me tranquiliza. O resto deles, grita em meio a uma guerra dentro da cabeça, lutando para serem ouvidos e refletidos. — Como você sabe? – Pergunto olhando em seus olhos amendoados e serenos, totalmente contraditório com a tensão dos ombros estreitos. —
— Eu não posso morrer, tolinho. – A bruxa arregaça as mangas da blusa preta e revela pequenos símbolos dourados como cicatrizes quase invisíveis em sua pele morena. As formas rodeiam seus punhos como uma algema. Ela espera que eu os veja com clareza e os cobre novamente. Seus olhos brilham como carvão agora, escurecidos pelas chamas das velas e da cortina de fios castanhos caindo ao redor das bochechas ressaltadas até os largos quadris.— O que significam? Os símbolos? – Quero saber mesmo temendo que a resposta seja ruim como a expressão em seu rosto.— Eles significam muitas coisas. – A voz de Freya é embargada em dor, mágoa e raiva e seus olhos estão distantes, vagando no passado. Com um piscar dos cílios longos que sombreiam as maçãs do rosto ela retorna e começa a equilibrar as coisas que juntara em seus braços. —
Amara — Entrar na floresta em meio a uma tempestade se formando e de calça branca não é o que eu imaginei para hoje. Resmungo para ninguém em especial desviando de uma raiz alta sobre a terra úmida e fofa. As botas ajudam um pouco, mas o salto afunda no solo, dificultando meu caminhar entre os pinheiros largos que tocam as nuvens carregadas e negras acima de nossas cabeças. — Certamente. – Terence concorda poucos passos à frente com uma facilidade extrema em desviar dos empecilhos no trajeto. — Você fica muito bem nela a propósito. Principalmente, quando chove. – O noto olhando por cima do ombro de soslaio com um sorriso no canto dos lábios. Encaro suas costas musculosas e praguejo, sentindo falta da minha destreza com a natureza de quando vivia com as fadas. Minhas bochechas coram com o elogio malicioso, mas tento ignorar e teria conseguido se não é a vergonha queimando em meu rosto. Dou uma olhadela rápida para minha
Terence é arremessado contra uma arvore, tão alto que galhos se partem com a violência do impacto e colide com a terra, rolando até a margem da cachoeira. Um grito desesperado escapa da minha garganta. Ele se apoia nos joelhos, os braços arranhados e tosse pela falta do ar que lhe fora arrancado. Quando tento avançar em sua direção, uma garota com roupas típicas do reino das fadas bloqueia a passagem.Ela sorri, perversa e com um brilho malicioso nos olhos acinzentados contrastando com a pele bronzeada. Os cachos marrons e volumosos modelam o maxilar delicado e as bochechas rosadas. A ponta da orelha feérica, visível por entre as mechas compridas e encharcadas.— Olá, Amara! Lembra-se de mim? – A voz suave me penetra com medo e estremeço ao reconhece-la.— Jordanna.A feérica permanece com o sorriso e indica Terence com a cabeça, liber
Voltar para casa sempre é uma das melhores sensações. O cheiro familiar diversificado de inúmeros aromas mesclados de velas, incensos e madeira invade meu nariz assim, que passamos pela porta. O estalar do piso sobre os pés, o chiado do vento gélido bloqueado pelas janelas fechadas e a tempestade caindo lá fora soa como se a natureza cantasse. Eu gosto disso, da paz que transmite, mesmo que estando enxarcada e pigando por todo o chão.Terence voou conosco o resto do caminho, apesar da intensidade da chuva e depois de seis anos sem asas, me lembro de como são extremamente resistentes. E delicadas. Fadas não são como passarinhos e podem voar em meio ao céu caindo em água, ou, em nevascas torrenciais. Contudo, suscetíveis a uma lâmina pronta para rasga-las e lanças para perfura-las. E mãos cruéis para arrancá-las. Minha consci&ecir
Não. Noah e eu nunca daremos certos, nunca ficaremos cem por cento confortáveis, mesmo que as coisas se resolvam de um modo consideravelmente bem. Ele é humano, mortal. E eu... Já cometi esse erro antes e insistir no erro acarretaria em consequências que eu me recuso a imaginar. Será tarde demais? Será que eu errara e sequer notei? Talvez, ou não me sentiria como me sinto nos momentos em que estou com ele. Não me sentiria tão culpada e com medo de estar com ele. Não! Ainda posso evitar isso!Passo tempo demais negando que possuo sentimentos pelo humano, que tampouco considero meus sentimentos pelo feérico. De formas distintas entre ambos, mas existentes. Com Noah é aconchegante, nostálgico e instigante; com Terence, desconhecido, provocante e ardente. A paz e a perturbação, uma de cada lado da balança. O errado