Isabela
— Caramba! Nem parece a mesma pessoa. — Ouço a voz de Tânia entrando no vestiário do BOPE. Ela está visivelmente impressionada com a transformação. É a minha primeira missão real em campo, e estou decidida a provar que sou mais do que apenas uma especialista em relatórios. Passei um ano inteiro observando e analisando comportamentos, treinando infiltrações simuladas e estudando os perfis de traficantes e líderes de facções criminosas. Agora, finalmente, chegou a hora de colocar tudo isso em prática.
Sorrio nervosamente e me avalio no espelho. Caracterizada como uma mulher fatal, meu objetivo é me infiltrar em uma festa promovida por Rafael Ferreira, num clube exclusivo. A festa é conhecida por atrair empresários, influenciadores e, especialmente, os nomes mais perigosos do tráfico local. Rafael é suspeito de usar sua fachada de empresário para lavar dinheiro e facilitar o transporte de cargas de drogas. Mas ele não é o verdadeiro alvo.
O alvo real é seu irmão, Dante Ferreira de Souza. Ele é o cérebro por trás de um dos maiores esquemas de tráfico e lavagem de dinheiro do estado. Dante não se expõe, prefere operar nos bastidores, mas cada detalhe do esquema criminoso que o cerca tem suas digitais. A festa será a oportunidade perfeita para colhermos informações sobre os negócios ilícitos dos dois irmãos e seus contatos no alto escalão.
— Não quero parecer vulgar. Acha que exageraram? Rafael tem um perfil criterioso. Ele despreza qualquer coisa que lembre o passado humilde deles, especialmente algo que o remeta à mãe, que, segundo o que apuramos, foi garota de programa. — Questiono Tânia, enquanto ajusto o vestido justo e vermelho no corpo.
Ela sorri com confiança, me observando de cima a baixo.
— Nada disso. Está perfeita. Você não parece vulgar, só exala confiança e poder. É exatamente isso que vai chamar a atenção dele.
Assinto e dou mais uma olhada no espelho. A maquiagem destaca meus olhos verdes, e meus cabelos loiros caem em ondas perfeitamente alinhadas. Por fora, eu pareço segura, mas por dentro, as mãos trêmulas denunciam minha tensão.
Tânia percebe.
— Tem certeza de que está pronta? O Leandro não parece confiar muito nesse plano. Ele está preocupado desde que soube que você seria a isca.
Respiro fundo, tentando manter a compostura.
— É a melhor chance que temos. Rafael é a porta de entrada para Dante. Ele não se mistura com qualquer um, mas com Rafael será mais fácil fazer a ponte.
Tânia ergue uma sobrancelha.
— E você está preparada para lidar com o Dante? Sabe que ele não é só um traficante qualquer. A coisa com ele vai além do tráfico, Isabela. Tem uma rede poderosa de lavagem de dinheiro, relações políticas e esquemas de colarinho branco. Ele é esperto, perigoso, e não vai se deixar enganar facilmente.
Seus comentários me deixam inquieta, mas mantenho a postura firme.
— Vou lidar com isso quando chegar o momento.
Saio do vestiário, e no corredor Leandro já me espera. Sua expressão fechada é um reflexo do que ele sente sobre o plano. Ele está claramente desconfortável, e a tensão no ar é palpável.
— Isso não vai dar certo. Você está nervosa demais. Vai entregar tudo, Isabela.
— Leandro, chega. Desde que fomos designados para trabalhar juntos, você tem sido hostil. Somos uma equipe, não inimigos.
Ele se aproxima e me puxa para dentro de uma sala vazia. A intensidade do olhar dele me deixa desconcertada.
— Sabe por que você foi colocada nesse caso? Porque é uma aposta desesperada. Dante Ferreira é um fantasma. O cara lava dinheiro com tanto cuidado que quase parece legítimo. Você acha que vai entrar nessa festa e sair ilesa?
Suas palavras me atingem, mas mantenho o tom firme.
— Eu sei dos riscos, mas também sei que essa é a minha chance de mostrar do que sou capaz. Não vou desperdiçá-la.
Leandro suspira, passa a mão pelos cabelos e, sem aviso, começa a desabotoar a camisa.
— O que está fazendo?
Ele vira de costas, revelando cicatrizes profundas e irregulares que atravessam sua pele. Fico sem palavras.
— Isso aqui — diz, apontando para as marcas — é o que acontece quando você subestima caras como Dante e os chefões do tráfico. Eu fui descoberto numa infiltração no Jacarezinho. Fui torturado por três dias antes de ser resgatado.
Sinto um nó na garganta ao ouvir isso.
—Como... você saiu dessa? Como... conseguiu fugir?
Ele solta o ar e fica a me olhar por um tempo.
— Eu sumi durante três dias. Os mais longos de minha vida. Uma equipe do BOPE, que estava monitorando minha infiltração na favela do Jacarezinho, conseguiu rastrear meu sinal e localizou onde eu estava. A operação foi arriscada, mas eles não tinham escolha. Eu estava nas mãos de traficantes de alta periculosidade. Fui torturado, Isabela. Mas se não fosse a operação de resgate, eu não teria saído de lá vivo.
Eu pouso os olhos desamparados nas linhas de seu rosto duro, na boca bem talhada, imaginando o quanto ele sofreu. Eu me sinto abalada com as palavras dele.
Justo agora ele vem me por medo?
Mas que droga!
—Eu não sabia... — Digo e tento não pensar nisso, e o encaro com renovado interesse, tentando entender o homem com quem trabalhei por meses.
—Ninguém sabe. Eu fui transferido para cá depois de passar três meses fazendo terapia e trabalhando interno. Hoje estou bem, mas ainda sofro com pesadelos, e não quero isso para você. Não vale a pena.... Eu sobrevivi por um milagre. Isso pode acontecer com você. Eles não perdoam, Isabela.
— Eu tomarei cuidado. Rafael não é como os outros. Ele me parece ser uma pessoa de bem. Ele é a chave para chegarmos ao seu irmão.
Leandro suspira e balança a cabeça, mas parece não acreditar em uma palavra do que eu digo.
—Não sabemos o tipo de gente que estamos nos metendo. E se você estiver errada? E se ele estiver mais envolvido do que imaginamos?
Eu encaro seus olhos negros duros.
—Eu passarei por uma mulher comum e vou sair com um homem. Apenas isso. Vou me aproximar de Rafael, e depois veremos como agir.
Leandro bate com uma das mãos em um armário e o faz vibrar. Os olhos dele chispam quando ele se volta para mim. Encaro-o, mantendo a calma, tentando manter meu foco no objetivo. Leandro bufa, mas recua, visivelmente frustrado. Ele respira fundo e então diz, com um tom de voz mais calmo. — Tudo bem. Mas lembre-se: o foco é me infiltrar. Você é apenas o primeiro passo. Então você sairá de cena. Nem que você me apresente como seu meio-irmão. Eu sorrio achando graça nas palavras dele. Seus olhos têm um puxadinho dos orientais. —Leandro, você não se parece com meu meio-irmão. Ele fecha os olhos, parecendo exercitar a paciência comigo. —Tudo bem. Mas foque no nosso objetivo. Você o abordará e de alguma maneira me apresentará a ele. —Ok! —Digo. Ergo os olhos para ele. Leandro sorri, e seu sorriso, apesar de rude, se torna incrivelmente atraente. Eu fico sem jeito e desvio o olhar, sentindo um arrepio percorrer a espinha. Por um momento, fico acovardada, como se ele estivesse me d
O tom na voz de Leandro carrega uma mistura de preocupação e uma tensão que eu não consigo identificar completamente. Ele mantém os olhos fixos na estrada, mas há algo de inquietante na maneira como suas mãos apertam o volante, como se tentasse se agarrar a algum tipo de controle que escapa por entre seus dedos.— Não vou desistir, Leandro. — Respondo com firmeza, minha voz cortando o silêncio abafado do carro. — Rafael é a nossa melhor chance, e você sabe disso.Ele bufa, um som baixo e contido que mais parece uma explosão controlada. Não responde imediatamente, mas a linha de sua mandíbula fica mais tensa, e seus olhos escuros brilham com algo entre frustração e resignação.— Você não entende o que está arriscando. — Ele finalmente fala, a voz grave como um trovão à distância. — Esse mundo… essas pessoas… Não é brincadeira, Isabela. Você acha que está no controle, mas eles… eles jogam sujo. Sempre.Por um momento, o peso das suas palavras me atinge. Sei que ele está certo, mas já to
— Entraremos juntos, e lá nos separamos. Caso consiga seu objetivo com o nosso alvo, me chame, e me apresente ao Rafael, como quem não quer nada. Eu tentarei me infiltrar. E lembre-se, você é Rebeca Silva, uma secretária desempregada, e eu sou Ricardo Félix, seu amigo de infância. Estou procurando emprego. Se ele perguntar como conseguimos o convite, já sabe o que dizer: uma amiga desistiu de ir à boate com o namorado e nos deu a vaga.Eu suspiro, engolindo a ansiedade.— Esta certo. E você tem tanta certeza assim que eu vou conseguir alcançar nosso objetivo?Ele me observa com um olhar sério e profundo.— Deus! Você ainda pergunta? Não percebe o quanto é bonita? E, mais, você é inteligente o suficiente para despertar a atenção de qualquer um. — Ele respira fundo, com um semblante que, apesar de preocupado, tem uma ponta de confiança. — Você vai conseguir.— Se sou inteligente como diz, por que teme?— Por isso mesmo... — Ele parece soltar um suspiro tenso, como se fosse uma luta inte
"Será que ele está envolvido na lavagem de dinheiro do irmão? Ou a imobiliária é só fachada para negócios mais sujos? É isso que estou aqui para descobrir."A música troca para uma batida ainda mais intensa, dificultando qualquer conversa. O loiro aproveita o momento e me convida:— Vamos dançar?Avalio rapidamente. Preciso passar despercebida, ser apenas mais uma convidada comum. Atrair a atenção de Rafael agora seria arriscado, mas parecer entrosada na festa é essencial.— Tudo bem.Fecho os olhos por um instante, tentando relaxar, e deixo meu corpo acompanhar a batida da música. A pista está cheia, os passos rápidos e os risos misturam-se à vibração elétrica do ambiente. De tempos em tempos, lanço um olhar discreto em direção à mesa de Rafael. Ele parece absorto na conversa, gesticulando de forma moderada, como quem expõe um argumento importante.Suspiro, voltando minha atenção à dança, enquanto o loiro ao meu lado me observa com um sorriso cada vez mais convencido. Retribuo com um
Ele me afasta, e seus olhos verdes, intensos e penetrantes, deslizam pelo meu rosto como lâminas afiadas, dissecando cada detalhe com uma precisão quase cruel. A sensação é avassaladora, como se ele estivesse tentando me decifrar por completo, arrancando segredos que nem eu mesma sabia que guardava. O peso do seu olhar queima minha pele, deixando-me exposta de um jeito que me faz querer fugir e, ao mesmo tempo, me atrai como um ímã.— Estou rindo de mim — murmuro, os lábios curvando-se em um sorriso travesso, mas há um nó na minha garganta, uma inquietação latente que não me deixa relaxar por completo. — Dançando com um desconhecido desse jeito.A risada dele, grave, profunda e envolvente, vibra em um tom baixo, quase um sussurro carregado de algo que não consigo nomear. Mas logo desaparece, sugado por uma tensão invisível, como se ele também sentisse o peso da atmosfera que se instala entre nós.— Você é diferente, mesmo. — Ele diz, e sua voz desliza por mim como uma carícia perigosa
Fico tentando manter a calma, forçando um sorriso tranquilo, mas a ansiedade ainda está clara demais.— Seu irmão? Desculpe-me, mas eu não sei quem você é, e não conheço seu irmão. Eu apenas dancei com ele, e ele não faz o meu tipo. — Tento soar casual, mas sei que falhei.Rafael apoia um braço no balcão, inclinando-se ligeiramente para mais perto de mim. O perfume amadeirado dele é diferente do de Dante, mais suave, mas ainda assim carregado de uma masculinidade inquietante.— Rafael Souza. — Ele se apresenta com um sorriso que me faz sentir como se estivesse sendo observada sob uma lente de aumento.— Rebeca Silva.— Interessante. — Ele diz, com o sorriso nos lábios, aquele sorriso intrigante, quase desafiador. — As mulheres costumam cair de joelhos pelo Dante, mas você parece... diferente.Dou de ombros, tentando afastar a tensão crescente.— Não preciso de bebida ou de homens como ele para me sentir bem.— Homens como ele? — Rafael pergunta, seus olhos azuis estreitando com uma cu
— Não, vim com um amigo.— Aquele que você estava dançando?Meu coração dá um salto no peito. Ele estava me observando antes. O calor da adrenalina percorre meu corpo.— Não. Eu o conheci aqui. Nem sei o nome dele. — Desvio os olhos, forçando desinteresse.Rafael me analisa, como se tentasse decifrar cada palavra minha.— Qual é a sua história? — Ele pergunta, inclinando a cabeça para o lado, intrigado.Eu hesito, mas logo sorrio, aproveitando a deixa para começar a construir a narrativa que preciso que ele acredite.— Por que quer saber?Ele dá um sorriso, um misto de diversão e mistério.— Como eu já disse, você não combina com esse ambiente. É como colocar um quadro da natureza em uma parede cheia de abstratos.Sinto o rubor subir ao meu rosto. Com um suspiro, decido usar a verdade para criar empatia. É mais fácil sustentar um disfarce quando ele se apoia em algo real.— Não gosto muito desse tipo de lugar — admito. — Só vim porque um amigo de infância insistiu. Ele acabou me deixa
Os olhos de Rafael Ferreira se estreitam, a curiosidade brilhando neles. Ele inclina o corpo um pouco para frente, interessado.— Então está procurando emprego?Seguro o olhar dele, lutando contra o nervosismo que cresce dentro de mim.— Sim. — Minto, a palavra saindo hesitante, mas firme o suficiente para não levantar suspeitas. Minhas mãos estão frias, e a tensão dentro de mim cresce a cada instante.Ele observa por um momento, como se ponderasse sobre a resposta. Depois, com um leve movimento de cabeça, continua.— O que sabe fazer?— Eu me formei em secretariado. — Outra mentira que desliza com facilidade, embora minha garganta pareça mais seca a cada palavra.Ele me encara, o silêncio entre nós estendendo-se. O ambiente parece diminuir, o som da música ao longe quase desaparecendo. É impossível decifrar o que se passa em sua mente, mas a sensação de estar sendo observada me deixa desconfortável. Rafael balança a cabeça devagar, como se estivesse refletindo sobre algo importante,