Capítulo dois.
Astryd Anghel.
O caminho de volta para a mansão da minha família fora silencioso. Me perdi em pensamentos, relembrando da conversa com o estranho misterioso. Bem, não tão estranho e misterioso assim. O Duque era conhecido entre a elite Romena, mesmo que eu nunca o tivesse encontrado pessoalmente. Pouco se sabia sobre sua vida pessoal, mas sua fortuna e influência eram tão comentados quanto sua beleza de tirar o fôlego. Os cabelos claríssimos, ondulados e levemente bagunçados, mais os olhos cinzas com pigmentos em vermelho, tinham seu charme, mas, o que roubava a atenção de fato, era sua forma excêntrica e elegante de se vestir, junto à sua pose arrogante e o ar de superioridade, como se soubesse todos os segredos da humanidade e que, de alguma forma, era superior a todos nós.
Seth estacionou o carro na frente da mansão e desligou o motor, virando-se na minha direção.
— O que conversava com o duque? — sondou, tentando ocultar sua insegurança, mas não teve sucesso com isso, estava em seu olhar. Foi divertido, de certa forma. Seth nunca demonstrou ciúme de mim, ele me tinha como garantido demais, e infelizmente, era.
— Nada importante. — Dei de ombros com a falta de detalhes, irritando Seth.
Contive a risada que quis soltar, apertando os lábios e virando o rosto.
— Astryd, o que ele te disse exatamente? — Seu tom parecia desconfiado, o que me levou a desconfiar também.
Por que ele estava tão preocupado?
— O duque não me disse nada, Seth. Por quê? Há algo que tenha medo de que eu saiba? — Dessa vez, eu quem sondei, reparando na risada nervosa que meu querido noivo abriu, numa tentativa falha de disfarçar.
— Não, claro que não, querida. Compartilho tudo com você, sabe disso. Eu só fiquei receoso. Scorpius é muito influente. Ele presta favores a muitas pessoas. — explicou. Eu apertei os olhos, atenta na sua desculpa esfarrapada. — Mas não é confiável perto de mulheres. Nenhuma mulher de boa índole seria vista com ele sem ter a reputação arruinada. — alertou.
— Se estivesse tão preocupado comigo ou com a minha reputação, não teria me abandonado por quase uma hora. — Respondi com irritação. — Onde você esteve?
— Que droga, Astryd. Você sabe que eu sou um homem muito ocupado. — Ele se irritou, como sempre. Seth achava que eu era idiota por não perceber seus comportamentos e as mudanças de humor toda vez que era acusado de algo que realmente fez. — Encontrei um cliente importante, não posso desperdiçar oportunidades como essa. — Endireitou os ombros, continuando — Preciso sustentar seu estilo de vida. Só quero o melhor para você, para nós. Quero deixá-la feliz e segura quando nos casarmos, minha querida. — Mentiu descarado, me deixando triplamente mais irritada por sua falsidade.
Ele sabia que "meu estilo de vida" atual não era dos melhores.
Não era segredo para ninguém que eu não confiava em Seth, mas também não o amava o suficiente para me importar por onde ele se enfiava, contanto que me deixasse em paz. Ele tampouco me amava, mas possuía determinado apego e possessividade sobre mim, por estarmos noivos desde crianças.
Nosso casamento fora somente uma aliança valiosa arranjada por meu insano - e agora falido - pai, atolado em dívidas por seu vício em apostas, bebidas e mulheres. Minha família dependia desse casamento para que continuássemos com a nossa amada vida de aparências.
Seth inclinou-se sobre o banco para me beijar, mas recusei, me esquivando de seu toque.
— Até quando você vai me fazer esperar? — Ele resmungou no mesmo instante.
— Ora, até nosso casamento, querido. Como você disse, sou uma mulher de família e tenho uma reputação a zelar. — Respondi com deboche e peguei minha bolsinha, beijando sua bochecha antes de descer do carro.
Bati a porta com força e entrei na mansão, arrancando os saltos pelo caminho para não cair pelo jardim devido a embriaguez que parecia mais potente com as luzes fortes da entrada. Encontrei minha irmã mais nova, Asteryn, em frente ao piano na sala de visitas, tentando algumas notas com a professora de música. E errando todas. Ela resmungou chorosa, se queixando sobre não ser boa como eu.
— Nunca ficará boa se chorar mais do que treinar, Asteryn. — Disse, fingindo brigar, mas ela não me levou a sério, mostrando-me a língua.
— Venha tocar comigo! — chamou. — Prefiro quando você me ensina. — Disse tensa, olhando de soslaio para a professora carrancuda. Não condenava Asteryn, eu também não gostava de ter aulas com ela quando mais nova. Severina era extremante dura e não tinha muita paciência para lidar com crianças.
— Não posso, estou muito cansada. — Menti, tentando esconder a embriaguez da minha irmãzinha. — Termine sua aula e amanhã nós tocamos, eu prometo. — Asteryn fez um biquinho e concordou, suspirando cansada. — Onde estão a mamãe e o papai?
— Não sei. — Deu de ombros, voltando sua atenção para o piano.
Subi as escadas, procurando por mamãe na biblioteca, seu ambiente favorito da casa. Estranhei por vê-lo silencioso. Era rotineiro encontrá-la esparramada sobre o sofá, deleitando-se com um bom livro, enquanto apreciava uma taça de vinho posta sobre a mesinha ao lado, e a vitrola tocando um disco do Mario Reis; mamãe era apaixonada por samba, passou a ter aulas de português para entender o que seu cantor favorito dizia em suas belas canções de amor.
Dei alguns passos para dentro do vasto cômodo, finalmente encontrando-a debruçada sobre a varanda. Mamãe parecia diferente, entretanto. Seus cabelos louros, estavam embaraçados e, sua camisola fina de seda, sempre impecável, tinha barro, como se tivesse acabado de afundar os pés na lama.
— Mãe? — chamei, unindo as sobrancelhas.
O cheiro da biblioteca ficou diferente, tanto quanto a temperatura; muito fria. Todos os pelos do meu corpo arrepiaram-se. Um calafrio contornou a espinha. Era como se meu corpo tivesse ficado em alerta, até mesmo as batidas do meu coração aceleraram.
Mamãe estava diferente. Ela virou-se lentamente na minha direção, apavorando-me.
Seus olhos estavam totalmente pretos, sem nenhum brilho ou pupila, e quando sorriu, de maneira assustadora, uma quantidade absurda de sangue escorreu da sua boca. Ao redor do corpo, saía fumaça, como se pegasse fogo. O odor de enxofre e cadáver doce ficou mais forte, como uma junção estranha e excêntrica entre um perfume caro e o inferno.
Assustadoramente, mamãe começou a engasgar e gargalhar ao mesmo tempo. Eu prendi o fôlego. Não podia ter uma crise tola de pânico agora, tinha que ajudá-la. Corri na direção da mamãe e toquei em seus ombros, tentando trazê-la para o sofá. Não fora fácil, ela tropeçava em seus próprios pés.— Mamãe, o que houve? — A coloquei sentada na poltrona mais próxima, me abaixando em sua frente. — Alguém machucou você? — ela gargalhou mais alto e assentiu, balançando a cabeça sem parar. — Q-uem? Quem fez isso com você? — limpei a garganta e perguntei assustada.— A mesma que fará com você. — respondeu sombria. Eu me arrepiei inteira e meus músculos tensionaram. Aquilo soou como uma ameaça. Para o meu desespero, ela começou a chorar copiosamente logo após, sem parar de jorrar sangue pela boca, mas não havia nenhuma ferida. Aquilo não fazia sentido. O que estava acontecendo com ela?— Fique aqui, está bem? Vou chamar o médico. — Avisei, me levantando depressa e correndo para fora do cômodo.Escorr
Virei três copos em sequência. Foi tão rápido que a ardência sequer me incomodou. Caminhei então para a área da piscina, sentando-me sozinha numa das mesinhas cobertas na parte mais isolada do clube.— Outra vez sozinha, senhorita Anghel? — Ouvi a voz do duque à minha frente.Ele estava impecável, como na noite anterior. Agora seu terno não era negro, mas branco, e por baixo dele, usava uma camisa social da mesma cor, sem gravata e com alguns botões abertos, num visual um pouco mais despojado, mas ainda, extremamente elegante. Não usava luvas dessa vez.— É o que parece. — Dei de ombros, abrindo um sorriso fraco.— Se importa? — Puxou uma das cadeiras na minha frente e respondi com um sinal negativo, então ele se sentou. — Estou começando a achar que é uma mulher solitária. — Declarou.Você nem imagina. Ele arqueou as sobrancelhas como se escutasse o que eu pensei.— Posso fazer alguma ideia. — Então respondeu, me surpreendendo.— Ideia do que? — cerrei os olhos.— De quão solitária é
Como imaginei, Leonard não resistiu à tentação de me seguir. Contive a risadinha nervosa e continuei caminhando despretensiosa pelo clube em direção do hotel. Os corredores pareciam labirintos, era fácil se perder ali dentro, mas não para mim, que o conhecia com a palma da mão. Frequentava aquele clube desde criança, lembro-me de brincar e correr por todo ele enquanto meus pais bebiam e jogavam no cassino.Encostei na parede entre os banheiros para tentar me esconder de Leonard, mas por algum milagre, ele havia chegado lá primeiro. Uma de suas mãos cobriram minha boca e a outra me puxou pela cintura, colidindo minhas costas contra o seu peito. Ele se recostou na parede atrás, fazendo com que sumíssemos de vista.— Privado o suficiente pra você agora? — Sussurrou no meu ouvido, roçando seus lábios na minha orelha. Outra vez me arrepiei, mas agora o motivo era seu hálito quente perto demais.Virei-me bruscamente na sua direção e o empurrei contra a parede, o afastando de mim.— Acho que
— Acalme-se, quero um momento a sós com você. — Apontou para a cama.— Então abra a porta! — exigi, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantive o mais longe possível da cama.Ele riu pelo nariz e revirou os olhos, sentando-se na cama indiferente ao meu desespero.— Me disseram lá embaixo que já está de casamento marcado. Os boatos são verdadeiros?Semicerrei os olhos, atenta.— Receio que sim.— Uma pena. — Ele suspirou, encostando as costas no apoio da cama. — Pretende levar isso para frente?— A não ser que tenha uma ideia melhor para me salvar, temo não ter saída. — Disse com deboche, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante.Como se ele se importasse...— Por que a pergunta? Você já sabia que eu estava noiva. Vai me dizer que agora se importa com o meu status de relacionamento?— Não me importo. — Disse simplista. Pelo menos era sincero... Um pouco sincero demais. — Mas me importo com o seu bem-estar. — Completou pensativo. — Bem, mais ou me
— Acalme-se, quero um momento a sós com você. — Apontou para a cama.— Então abra a porta! — exigi, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantive o mais longe possível da cama.Ele riu pelo nariz e revirou os olhos, sentando-se na cama indiferente ao meu desespero.— Me disseram lá embaixo que já está de casamento marcado. Os boatos são verdadeiros?Semicerrei os olhos, atenta.— Receio que sim.— Uma pena. — Ele suspirou, encostando as costas no apoio da cama. — Pretende levar isso para frente?— A não ser que tenha uma ideia melhor para me salvar, temo não ter saída. — Disse com deboche, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante.Como se ele se importasse...— Por que a pergunta? Você já sabia que eu estava noiva. Vai me dizer que agora se importa com o meu status de relacionamento?— Não me importo. — Disse simplista. Pelo menos era sincero... Um pouco sincero demais. — Mas me importo com o seu bem-estar. — Completou pensativo. — Bem, mais ou men
Acordei em meu quarto, na mansão Anghel. Percorri o olhar por todo o ambiente, tentando reconhecê-lo o mais depressa possível e confirmar se aquilo havia sido apenas um sonho ruim.Com dificuldade, me levantei da cama, recebendo as memórias de todo o ocorrido da noite passada. Um frio na espinha percorreu meu corpo e corri na direção do banheiro.Arranquei todas as minhas roupas, conferindo onde estavam os hematomas. E não havia mais nenhum. Exceto uma pequena cicatriz no formato de uma estrela no pulso.No modo automático, vesti-me e sentei na cadeira da cômoda para pentear os cabelos. Meu olhar estava perdido, era como se eu fosse uma hóspede no meu próprio corpo.Eu me sentia completamente... Oca.Atentei-me ao colar desconhecido ao lado da escova de cabelo, só então, reparei na carta que o acompanhava.Quebrei o selo do envelope e retirei a carta de dentro dele... Ela estava completamente em branco.Uma interrogação formou-se na minha cabeça. Quem mandaria uma carta em branco?Ant
Capítulo três.Leonard Scorpius. Joguei o cigarro dentro da lareira, sentindo o olhar de Keimon sobre mim. Ele estava na sua forma de lobo, analisando-me silenciosamente sentado pouco à frente com uma postura impecável como se fosse um cão adestrado. Até parece. Vira-lata dos infernos, a sua obediência equivalia a de uma miniatura humana, birrenta e pavorosa, popularmente conhecidas nessa dimensão como crianças. Não havia muitas delas no inferno. Eram entediantes demais para pararem lá.— O que você quer? Está começando a me incomodar! — resmunguei, ajeitando as luvas curtas de couro sobre as mãos.Ele latiu e saiu do ambiente, deixando-me, finalmente, em paz.Não precisava dos seus julgamentos. Eu sabia o que estava fazendo.Ajudar os humanos não fazia parte da minha tarefa. Eu sei. Nunca os ajudaria de bom grado. Keimon devia saber. Eu os condenava ao fogo eterno, não os poupava.Ninguém que cruzava meu caminho era poupado, nunca. Mas esses demônios estúpidos não me deram alternativ
— Como disse, preciso de mais do que somente a sua palavra. Digamos que eu não posso conceder favores de graça. — Informei. E eu poderia. Mas eu não quero. Não existe razão pela qual eu faria isso.Ela me olhou com mais atenção.Astryd apertou os lábios e assentiu, abraçando os cotovelos enquanto me olhava. Ela parecia mais indefesa do que nunca.— Eu... Tudo bem. — Suspirou, parando na minha frente. — Onde quer que eu assine?Me levantei, guiando Astryd para a próxima ala do castelo e subimos alguns lances de escada. Ela estava atenta em tudo, seu olhar entregava o encanto com a decoração estrategicamente escolhida para despertar desejo e cobiça.As dimensões eram divididas por pecado, sendo assim, o castelo aflorava os sentimentos mais destrutivos em cada alma que nela pisava, na vida e após a morte.Milhares de almas eram condenadas todos os dias. E quanto mais cheio o inferno ficava, mais o castelo crescia.Tranquei a porta da última sala do corredor.Estávamos na zona umbralina.