Hereditário.

Assustadoramente, mamãe começou a engasgar e gargalhar ao mesmo tempo. Eu prendi o fôlego. Não podia ter uma crise tola de pânico agora, tinha que ajudá-la. Corri na direção da mamãe e toquei em seus ombros, tentando trazê-la para o sofá. Não fora fácil, ela tropeçava em seus próprios pés.

— Mamãe, o que houve? — A coloquei sentada na poltrona mais próxima, me abaixando em sua frente. — Alguém machucou você? — ela gargalhou mais alto e assentiu, balançando a cabeça sem parar. — Q-uem? Quem fez isso com você? — limpei a garganta e perguntei assustada.

— A mesma que fará com você. — respondeu sombria. Eu me arrepiei inteira e meus músculos tensionaram. Aquilo soou como uma ameaça. Para o meu desespero, ela começou a chorar copiosamente logo após, sem parar de jorrar sangue pela boca, mas não havia nenhuma ferida. Aquilo não fazia sentido. O que estava acontecendo com ela?

— Fique aqui, está bem? Vou chamar o médico. — Avisei, me levantando depressa e correndo para fora do cômodo.

Escorreguei pelos corredores, gritando em busca de papai, mas ele não respondeu de imediato. Ninguém me respondeu, nem papai, nem os empregados. Os corredores estavam escuros e sombrios. Não se parecia com a minha casa, fora o silêncio absoluto. Definitivamente, não se parecia com a minha casa. Tentei não alarmar Asteryn e bati no escritório de papai. Ele abriu irritadiço, me encarando com fúria.

— O que é, Astryd? Que bagunça dos infernos é essa? — resmungou.

— Mamãe está machucada! — Avisei afoitada e corri de volta para a biblioteca. Papai me seguiu depressa.

Quando refiz os passos para dentro da biblioteca, encontrei o sofá vazio e limpo. Tudo estava exatamente igual. Não havia um mísero rastro de sangue pelo chão, sequer o cheiro estranho estava lá.

— O que houve? — Mamãe disse confusa, levantando-se da poltrona de frente da lareira. Ela estava... normal. Os cabelos impecáveis, os olhos brilhantes como sempre e a camisola limpa. Não havia sangue.

Ela fumava um cigarro relaxada e lia seu livro.

— Você... você estava sangrando. Eu te coloquei no sofá. Você disse que tinham te machucado. — falei confusa, engolindo em seco. Mamãe negou prontamente.

— Em nenhum momento você entrou neste cômodo, querida.

— Isso é alguma brincadeira? — Papai disse irritado, intercalando seu olhar entre mamãe e eu.

— Não, eu juro. Eu entrei aqui e você... Mãe, você não estava bem. — Garanti. Mamãe riu.

— Acho que é você que não está bem. O quanto bebeu esta noite? — Sondou, aproximando-se de mim.

Isso não fazia o menor sentido. Nunca tive alucinações com álcool antes.

— Vou ter uma conversa muito séria com Seth sobre isso. — Papai bufou e deixou o cômodo, pisando firme sobre o piso de madeira.

Mamãe me olhou com preocupação, mas decidi ir para o quarto antes que ela me fizesse muitas perguntas. Eu nem sabia o que dizer. Não podia revelar que detestava a companhia do meu futuro marido e buscava conforto em diferentes drinks durante nossas saídas. Seth ficava mais divertido quando eu estava bêbada e feliz. E ultimamente nada me deixava verdadeiramente feliz.

Tirei minhas roupas e prendi os cabelos no alto, em seguida entrei na banheira, sentindo a água quente relaxar meu corpo quase que instantaneamente. Tentei limpar minha mente, mas não consegui. A visão de mamãe foi muito clara. Existia alguma possibilidade de terem colocado algo naquele martini para me causar alucinações? Bem, mas ninguém se aproximou de mim além do duque. Ele não poderia... Poderia?!

Divaguei por horas, estava prestes a pegar no sono quando senti alguém me observar no canto escuro do banheiro. Um arrepio percorreu minha espinha. A sensação esquisita estava lá outra vez. Não quis procurar pela coisa que me espiava, pois algo dentro de mim, me dizia que a encontraria quando subisse o olhar, então a evitei, o máximo que pude. Achei que conseguiria por mais tempo, até que senti um par de mãos me empurrarem para dentro da banheira, sufocando minha cabeça.

De dentro d’água, apenas consegui ver os cabelos vinhos da mulher que tentava me afogar. A porta fora aberta abruptamente e então ela soltou, desaparecendo. Voltei para a superfície, tossindo forte.

Vomitei toda a água que havia engolido. Meu coração estava disparado como nunca, parecia ser capaz de abrir um buraco no meu peito e saltar.

— O que você está fazendo? — Asteryn me encarou confusa, segurando a maçaneta da porta. — Estava se afogando na banheira? — completou indignada.

— E-eu não sei o que aconteceu. — Sibilei com a voz fraca, sentindo dor ao respirar.

— Vou chamar a mamãe. — Avisou, estava prestes a correr, mas a impedi, implorando para que não o fizesse. Asteryn não entendeu por que pedi para que deixasse isso para lá, mas, nem eu saberia como explicar o que havia acontecido. Não podia deixar que pensassem que eu estava louca. Porque eu não estava! Certo?!

*

No dia seguinte, Seth me buscou em casa para que passássemos a tarde no clube. Ele gostava de jogar golfe com seus amigos e eu teria a companhia das esposas deles. Oh, nada poderia me deixar mais feliz. Lê-se com ironia. Juntei-me às senhoras no restaurante do clube, bebericando uma limonada. Por que? Bem, dado aos acontecimentos da noite passada, era melhor dar um tempo no álcool, talvez tivesse exagerado demais. Não que realmente acreditasse que tenha sido somente isso...

As mulheres conversavam ao meu redor, entretidas com os assuntos chatos de suas vidas monótonas que muito em breve eu também compartilharia da experiência. Senti um aperto no estômago somente com a ideia, mas não era algo que eu pudesse evitar, infelizmente.

— E você, Astryd? — Disse Dácia, esposa de Andrei Constantin, um dos amigos mais próximos de Seth.

Olhei em sua direção, arqueando as sobrancelhas.

— Eu o que? — Perguntei confusa, arrancando risadinhas das mulheres ao redor.

— Estávamos falando sobre casamento. Queremos saber como estão os preparativos para o seu. Soube que marcaram a data para o próximo mês.

— O que? — franzi o cenho.

Como assim, próximo mês? Não fui avisada disso!

— Ora, você não sabia? — Ela fingiu estar envergonhada por ser a pessoa a me dar a notícia. — Acho que estraguei a surpresa. —Deu outra risadinha, bebericando sua taça de martini.

Forcei uma risada, sem conseguir esconder o desgosto em meu olhar. Sempre soube que esse momento um dia chegaria, mas tinha esperança de que pudesse demorar um pouco mais. Em breve deixaria de ser a boa filha, para me tornar a boa esposa; sempre calada, nenhuma opinião, discreta e infeliz. Para sempre.

— Com licença. Preciso ir ao banheiro. — Disse, levantando-me.

Larguei a limonada e peguei uma taça de champanhe, ficar sóbria não era mais uma opção.

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