— Acalme-se, quero um momento a sós com você. — Apontou para a cama.
— Então abra a porta! — exigi, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantive o mais longe possível da cama.
Ele riu pelo nariz e revirou os olhos, sentando-se na cama indiferente ao meu desespero.
— Me disseram lá embaixo que já está de casamento marcado. Os boatos são verdadeiros?
Semicerrei os olhos, atenta.
— Receio que sim.
— Uma pena. — Ele suspirou, encostando as costas no apoio da cama. — Pretende levar isso para frente?
— A não ser que tenha uma ideia melhor para me salvar, temo não ter saída. — Disse com deboche, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante.
Como se ele se importasse...
— Por que a pergunta? Você já sabia que eu estava noiva. Vai me dizer que agora se importa com o meu status de relacionamento?
— Não me importo. — Disse simplista. Pelo menos era sincero... Um pouco sincero demais. — Mas me importo com o seu bem-estar. — Completou pensativo. — Bem, mais ou menos, eu acho.
Suspirei.
— Mais ou menos?
Leonard levantou-se calmamente e parou na minha frente, parecendo me analisar com aquele olhar sombrio e curioso.
— Me desculpe por isso. — Ele disse após um breve silêncio.
— Pelo quê?
Ele sabia o que tinha acontecido?
Soltei uma risada incrédula ao tirar as minhas próprias conclusões e dei alguns passos para trás, buscando discretamente por algum objeto que pudesse usar para me defender, talvez uma garrafa de vidro ou um abajur. Qualquer coisa que pudesse feri-lo.
— Não vai conseguir me machucar com nada que está nesse quarto, recomendo que mude de ideia. — Avisou.
— Por que está aqui? — Aumentei o tom de voz, revelando meu pavor.
Corri depressa pelo quarto e agarrei a boca da garrafa de champanhe, ameaçando acertar o duque se tentasse alguma coisa.
— Não me entenda errado, não é você quem eu quero. — Disse ele, deixando-me ainda mais confusa.
Não sou?
Leonard me alcançou tão depressa que mal parecia humano; Ele me segurou pelo pescoço e me lançou um olhar diferente, como se enxergasse através de mim.
Fiquei imersa nos seus olhos, senti-me sob um encanto. Ele então tirou a garrafa da minha mão sem o menor esforço.
— Sinto muito por Seth. De onde eu venho, chamam isso de dano colateral.
— Isso? — Repeti raivosa. — Você ao menos sabe o que ele fez comigo?
Ele assentiu.
— Como?
— Alguns odores impregnam no ambiente. O cheiro da violação é marcante, um aroma infernal. — Pronunciou, deixando-me completamente confusa.
Aquilo devia significar alguma coisa?
Leonard provavelmente foi capaz de ler a interrogação na minha face, então continuou.
— É como um perfume feminino muito doce e forte, jorrado sobre um cadáver em decomposição. — Ele explicou.
O pior de tudo, é que eu reconhecia aquele cheiro.
E já o senti antes.
Um novo arrepio percorreu o meu corpo, mas dessa vez, não era de excitação, mas medo. Entrei em estado de alerta outra vez, os meus instintos me diziam para correr.
— Você vai me machucar também?
O sorrisinho presunçoso de repente sumiu do seu rosto, dando lugar a uma expressão raivosa, parecia ofendido.
— Não me insulte. Nunca feri nenhuma criatura viva. Vocês são bons em fazer isso sozinhos uns aos outros. — Reclamou.
O encarei confusa.
De que merda ele estava falando?
— Você quer a minha ajuda ou não? — Ofereceu.
Apertei os olhos, pensando a respeito, enquanto as minhas mãos e pernas tremiam. Suspirei e olhei ao redor, temendo que Seth voltasse e nos encontrasse trancados no quarto juntos.
Ele nos mataria. Ele ME mataria!
— Não se preocupe com Dimitru, ele não voltará. Venha. — disse seguro, estendendo a sua mão para mim.
Senti uma pedra no estômago, mas não tive outra escolha. Atendi ao chamado, tentando caminhar sobre as minhas pernas por mais incerta que estivesse sobre a natureza dessa "ajuda".
O duque segurou a minha mão e me colocou para caminhar na sua frente enquanto me guiava para o banheiro.
Eu não entendi o que ele pretendia, temi que também abusasse de mim, e quase travei na porta, mas ele me conduzia com tanta autoridade que eu mal parecia ter controle do meu corpo, sentia como se tivesse transferido essa função para ele ao deixá-lo me tocar.
A minha garganta seca ardia. E travou, quando os lábios do duque tocaram a ponta da minha orelha. Ele recitou uma palavra desconhecida dentro do meu ouvido e aquilo soou como um feitiço, me acalmando instantaneamente.
As batidas do meu coração desaceleraram, as pernas já não tremiam mais, mas a dor ainda estava lá. Latente.
— O que está fazendo? — sussurrei com a voz fraca, deixando que ele me guiasse para dentro do banheiro. Não que eu tivesse alguma escolha sobre isso.
Ele não me respondeu. Caminhou até a banheira e observou a água ensanguentada dentro dela.
— Tire o roupão. — pediu.
— Eu já tomei banho. — Retruquei.
— As coisas ficarão mais fáceis se você apenas me obedecer.
— Não! — segurei o laço que prendia o roupão na minha cintura, apertando-o com mais força para que Leonard não conseguisse soltar tão facilmente.
Ele até poderia ter sucesso no que tentasse, assim como Seth, mas eu nunca me entregaria sem lutar.
O loiro suspirou impaciente e retirou o paletó, colocando a peça de grife sobre a bancada. Dobrou a manga da camisa até metade dos braços e em seguida, abaixou-se, afundando a mão na água.
— Considere-se uma garota muito sortuda, Anghel. Não costumo conceder favores que não me beneficiam. — Proferiu. As suas palavras poderiam me chocar, se eu já não estivesse em choque. — A minha sombra escurece a sua mente, o seu coração e o seu espírito. O veneno de mil serpentes, paralisam o seu corpo. Eu tiro essa dor de mim, multiplico e devolvo para você. — Ele sussurrou com a mão submersa, fazendo a água borbulhar como se fervesse.
Arregalei os olhos. Ele não devia ter se queimado?
— Tire o roupão. — Scorpius olhou para mim.
Estava pronta para mandá-lo se foder e correr, mas seus olhos ganharam uma coloração diferente, sumindo com o acinzentado anterior.
Quem eu queria enganar? Eu não tinha a menor chance.
Talvez isso tudo não passasse de um pesadelo horrível. Se eu o obedecesse, talvez acordasse mais rápido.
Abri o laço do roupão e desatei a chorar. Droga!
Não era isso que eu tinha em mente.
— Muito bem, venha. — Ordenou.
Joguei o roupão no chão, ganhando a atenção dos olhos vermelhos monstruosos do duque.
Ele observou todo o meu corpo, mas não pareceu dar atenção as minhas curvas, ou à minha intimidade. O seu olhar estava frio e inexpressivo.
Gostaria de saber o que estava pensando, se é que estivesse pensando.
Ele fez um gesto com os dedos para que eu me aproximasse, e assim fiz. Depois me guiou para dentro da banheira, deitando-me até ficar quase submersa.
— Me conte o que está sentindo. — Pediu.
— Dor. — Resmunguei, olhando de soslaio para o homem abaixado do lado de fora da banheira. — O que está fazendo? Não acho que outro banho irá...
— Você confia em mim? — Ele me interrompeu.
— Não. — Admiti.
Leonard sorriu.
— Justo.
Eu não sabia que existiam tantos sentimentos ruins. Nem que fosse possível senti-los todos de uma vez.
Leonard empurrou a minha cabeça dentro da banheira e não deixou que eu voltasse para a superfície. Eu tentei me debater e empurrá-lo, mas a minha força não era nada comparada a dele.
Então eu desisti. Sentindo o meu corpo desfalecer dentro da água vermelha.
— Acalme-se, quero um momento a sós com você. — Apontou para a cama.— Então abra a porta! — exigi, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantive o mais longe possível da cama.Ele riu pelo nariz e revirou os olhos, sentando-se na cama indiferente ao meu desespero.— Me disseram lá embaixo que já está de casamento marcado. Os boatos são verdadeiros?Semicerrei os olhos, atenta.— Receio que sim.— Uma pena. — Ele suspirou, encostando as costas no apoio da cama. — Pretende levar isso para frente?— A não ser que tenha uma ideia melhor para me salvar, temo não ter saída. — Disse com deboche, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante.Como se ele se importasse...— Por que a pergunta? Você já sabia que eu estava noiva. Vai me dizer que agora se importa com o meu status de relacionamento?— Não me importo. — Disse simplista. Pelo menos era sincero... Um pouco sincero demais. — Mas me importo com o seu bem-estar. — Completou pensativo. — Bem, mais ou men
Acordei em meu quarto, na mansão Anghel. Percorri o olhar por todo o ambiente, tentando reconhecê-lo o mais depressa possível e confirmar se aquilo havia sido apenas um sonho ruim.Com dificuldade, me levantei da cama, recebendo as memórias de todo o ocorrido da noite passada. Um frio na espinha percorreu meu corpo e corri na direção do banheiro.Arranquei todas as minhas roupas, conferindo onde estavam os hematomas. E não havia mais nenhum. Exceto uma pequena cicatriz no formato de uma estrela no pulso.No modo automático, vesti-me e sentei na cadeira da cômoda para pentear os cabelos. Meu olhar estava perdido, era como se eu fosse uma hóspede no meu próprio corpo.Eu me sentia completamente... Oca.Atentei-me ao colar desconhecido ao lado da escova de cabelo, só então, reparei na carta que o acompanhava.Quebrei o selo do envelope e retirei a carta de dentro dele... Ela estava completamente em branco.Uma interrogação formou-se na minha cabeça. Quem mandaria uma carta em branco?Ant
Capítulo três.Leonard Scorpius. Joguei o cigarro dentro da lareira, sentindo o olhar de Keimon sobre mim. Ele estava na sua forma de lobo, analisando-me silenciosamente sentado pouco à frente com uma postura impecável como se fosse um cão adestrado. Até parece. Vira-lata dos infernos, a sua obediência equivalia a de uma miniatura humana, birrenta e pavorosa, popularmente conhecidas nessa dimensão como crianças. Não havia muitas delas no inferno. Eram entediantes demais para pararem lá.— O que você quer? Está começando a me incomodar! — resmunguei, ajeitando as luvas curtas de couro sobre as mãos.Ele latiu e saiu do ambiente, deixando-me, finalmente, em paz.Não precisava dos seus julgamentos. Eu sabia o que estava fazendo.Ajudar os humanos não fazia parte da minha tarefa. Eu sei. Nunca os ajudaria de bom grado. Keimon devia saber. Eu os condenava ao fogo eterno, não os poupava.Ninguém que cruzava meu caminho era poupado, nunca. Mas esses demônios estúpidos não me deram alternativ
— Como disse, preciso de mais do que somente a sua palavra. Digamos que eu não posso conceder favores de graça. — Informei. E eu poderia. Mas eu não quero. Não existe razão pela qual eu faria isso.Ela me olhou com mais atenção.Astryd apertou os lábios e assentiu, abraçando os cotovelos enquanto me olhava. Ela parecia mais indefesa do que nunca.— Eu... Tudo bem. — Suspirou, parando na minha frente. — Onde quer que eu assine?Me levantei, guiando Astryd para a próxima ala do castelo e subimos alguns lances de escada. Ela estava atenta em tudo, seu olhar entregava o encanto com a decoração estrategicamente escolhida para despertar desejo e cobiça.As dimensões eram divididas por pecado, sendo assim, o castelo aflorava os sentimentos mais destrutivos em cada alma que nela pisava, na vida e após a morte.Milhares de almas eram condenadas todos os dias. E quanto mais cheio o inferno ficava, mais o castelo crescia.Tranquei a porta da última sala do corredor.Estávamos na zona umbralina.
Os olhos avelãs de Astryd foram transformando-se, ganhando os mesmos pigmentos avermelhados dos meus. Os cabelos antes negros, clarearam, da raiz às pontas, assumindo a coloração platinada da minha. Ao me dar conta do que estava acontecendo, gargalhei, numa mistura de indignação e escárnio.— Do que está rindo? — ela disse confusa e puxou uma mecha dos cabelos longos e ondulados para frente, assustando-se. — O que você fez? — gritou, levantando-se depressa.— Ora, não me dê os créditos por isso. — Disse debochado. — O mérito é todo seu.— O-o que? — Gaguejou. — O que isso quer dizer?— Não fui eu que fiz isso, Anghel. — Expliquei.Ela negou prontamente, dando voltas pela sala.— Eu não fiz isso. Não sei fazer isso! — Gritou. — Eu não... Não entendo. — Balbuciou confusa, o seu olhar se perdeu outra vez.Oh, Astryd. Alguém lá em cima a odeia muito para ter lhe dado de presente para mim com tanta facilidade.Aproximei-me dela em passos largos e segurei seu braço bruscamente, forçando a g
Astryd Anghel.Meu coração batia acelerado. Nunca senti tanto medo em toda a minha vida. O frio esquisito da floresta ainda gelava o meu corpo e mantinha todos os meus pelos arrepiados.O que era aquela coisa?Engoli seco, revivendo na cabeça os gritos e a imagem daquele homem sendo devorado vivo pela criatura mais assustadora que já vi. Tinha certeza de que aquele monstro habitaria meus pesadelos de agora em diante.Ou será que ainda estava sonhando?Tentei falar alguma coisa, mas não consegui. Minha voz não saiu. Entrei em desespero. O que tinha acontecido com a minha voz?— Oh, claro. — O duque revirou os olhos e uma fumaça preta saiu dos seus dedos.Minha garganta ardeu e eu tossi forte. Minha voz havia voltado!— O que foi isso? Por que ele não me viu? — Disse apavorada, levantando-me depressa.— Preferia que tivesse visto? Vou me lembrar disso na próxima vez. — Ele rebateu, debochando. Depois franziu o cenho, me olhando de cima a baixo. — Como me seguiu até a floresta negra? Ela
Dia seguinte. O sol adentrava pelas janelas do quarto, iluminando todo o ambiente. Mal preguei o olho durante toda a noite, e quando finalmente conseguia dormir, mesmo que por poucas horas, era despertada pelos pesadelos mais esquisitos possíveis logo após. Não que eles superassem qualquer coisa que eu estivesse passando agora.Apertei os olhos ao me levantar, estranhando a lama no chão e nos meus pés.— Bom dia. — Um homem de cabelos longos e olhos negros entrou pela porta carregando uma bandeja de café da manhã. Sua voz era muito grave, mal parecia humana. Ele usava roupas tão elegantes quanto Leonard, além de ser muito bonito e excêntrico. Os acessórios que usava pareciam de um pirata. Entretanto, ele não podia ser comparado à Leonard. Ninguém poderia. Não que isso significasse alguma coisa. Sua beleza já não parecia encantadora, mas me causava arrepios. — Mantenha as janelas fechadas. — Ordenou, erguendo as mãos para fechá-las com magia.— Que ótimo. Outro feiticeiro. — Resmunguei
Astryd Anghel.Não tive um segundo sozinha desde que Leonard fez aquele anúncio, mas foi bom rever mamãe e Asteryn. Me casar com o duque não era exatamente o que tinha em mente quando pedi a sua ajuda para me livrar de Seth, mas não é como se eu tivesse escolha.Quando o castelo esvaziou e o silêncio voltou a reinar, desci para caminhar pelo jardim. Não havia muito o que eu poderia fazer por lá.O jardim parecia um labirinto de rosas e espinhos, mas uma rosa preta em meio às vermelhas e brancas, chamou a minha atenção. Estendi a mão para pegá-la, me espetando com o espinho que fez um pequeno corte no dedo.— Ai. — Gemi, levando dedo para a boca. Antes que pudesse lambê-lo, senti dedos prenderem-se ao redor do meu pulso.Leonard levou minha mão para a boca e lambeu o sangue do corte. Tentei me livrar do seu toque, mas ele não aliviou a pressão e virou minha palma para baixo. Com a mão esquerda, tirou uma caixinha aveludada do bolso da calça e abriu, mostrando-me o anel de brilhantes co