Virei três copos em sequência. Foi tão rápido que a ardência sequer me incomodou. Caminhei então para a área da piscina, sentando-me sozinha numa das mesinhas cobertas na parte mais isolada do clube.
— Outra vez sozinha, senhorita Anghel? — Ouvi a voz do duque à minha frente.
Ele estava impecável, como na noite anterior. Agora seu terno não era negro, mas branco, e por baixo dele, usava uma camisa social da mesma cor, sem gravata e com alguns botões abertos, num visual um pouco mais despojado, mas ainda, extremamente elegante. Não usava luvas dessa vez.
— É o que parece. — Dei de ombros, abrindo um sorriso fraco.
— Se importa? — Puxou uma das cadeiras na minha frente e respondi com um sinal negativo, então ele se sentou. — Estou começando a achar que é uma mulher solitária. — Declarou.
Você nem imagina. Ele arqueou as sobrancelhas como se escutasse o que eu pensei.
— Posso fazer alguma ideia. — Então respondeu, me surpreendendo.
— Ideia do que? — cerrei os olhos.
— De quão solitária é a sua vida. — Proferiu, ocupando toda a cadeira com seu corpo grande.
Os músculos do duque não marcavam suas roupas exageradamente, ele era elegante e sabia se vestir. Era definido, indiscutivelmente, mas não parecia um armário, exceto por sua altura.
— Deve ser muito frustrante estar comprometida com um homem que não ama. — disse ardiloso, mesmo que camuflasse a hostilidade da fala com mera casualidade, como se comentasse sobre o clima. — E socializar com mulheres que não suporta, sem nenhum propósito próprio. — Tamborilou os dedos sobre a mesa, repousando a taça de Bourbon que segurava com a canhota.
Ri sem humor.
— Quem disse que não o amo? — ele revirou os olhos, zombando.
Okay, talvez eu fosse transparente, mas não entregaria o jogo tão fácil. Máscaras eram necessárias na sociedade em que eu estava inserida desde criança. Mamãe nunca arrancava a sua, mesmo em casa, enquanto fingia ser uma esposa feliz e realizada, ainda que vivesse imersa em seus romances ficcionais para escapar da realidade de ter um marido infiel, rude e nada amoroso.
— E que não tem um propósito? — Completei.
— Hm, então tem? — assenti ao seu interesse e ele abriu um sorriso sujo. — E qual seria?
— Por que eu lhe diria meus segredos, duque? — Imitei seu sorriso, soando provocante.
Ele pareceu gostar daquilo e umedeceu os lábios com a língua, inclinando-se sutilmente para frente.
— Bem, talvez eu te diga um em troca. — Sussurrou.
Enruguei a testa, depois mordi o lábio, analisando a proposta.
— Tudo bem, então. — Apoiei um dos cotovelos sobre a mesa e repousei o queixo sobre a mão, olhando para ele. — É um casamento benéfico para o meu pai.
— Por dinheiro? — dei de ombros, ele assentiu com indiferença. — Então não se importa com o que ele faz, suponho? — neguei. — Mesmo que seja com outras mulheres?
— Está insinuando que... — Apertei os olhos.
— Talvez. — Me interrompeu, cínico.
— Esse é o tipo de negócios que vocês têm? Arruma prostitutas para o meu noivo? — fui direta, arrancando uma risada de escárnio do loiro.
— Desse jeito você me ofende, Anghel. — Ele levou a taça até a boca, bebericando o whisky sem desviar o olhar do meu. — Não faça tão pouco caso assim de mim. Além do mais, seu noivo não precisa da minha ajuda para dormir com diferentes — hesitou antes de concluir a fala — pessoas. — Mas havia humor ácido em seu tom. O que ele quis dizer com pessoas?
— Ao que tudo indica, o problema é apenas com você. — continuou, me olhando de cima baixo com um brilho de maldade tilintando no olhar. — Admito entender o desespero de Seht. Imagine ter tantas, menos a que ele mais quer. — Exibiu um sorrisinho vulgar, totalmente descarado.
Quase cuspi com sua sinceridade.
— Ele já tem. — Retruquei confusa. Já era sua noiva. O que mais ele queria?
— Tem? — Sorriu de lado, provocativo. Seu jeito era de um conquistador barato. Tinha de ser muito tola para cair em sua conversa, mas não condenava as mulheres que cediam. O que realmente me preocupava nesse momento, era o quanto ele sabia sobre a minha intimidade.
— Como sabe que...— limpei a garganta, hesitante. — Seth disso algo sobre...? — Indaguei constrangida, me enrolando em minhas próprias palavras, sendo incapaz de completar a frase. Ele riu com o meu desconforto e arqueou as sobrancelhas como se tivesse descoberto ouro. Droga!
— Não seria nada cavalheiro da parte do seu noivo compartilhar determinados assuntos comigo. — disse sarcástico.
— Honestamente, não sei mais o quão cavalheiro meu noivo é. — retruquei entredentes e fiz uma pequena pausa, o encarando com desconfiança. — Não se o que você diz for verdade.
Sua boca se encurvou num sorriso, me analisando cuidadosamente.
— Acredito que conheça bem o homem com quem irá se casar. Pelo menos, deveria. — Aconselhou tirânico, mas algo me dizia que ele estava se divertindo com essa situação.
— Não mudará em nada. Não tenho opção. — Bufei. Não tentei esconder a raiva dessa vez, jogando as mãos na mesa em derrota.
A ideia de que todos soubessem o quão corna eu era, me entristecia.
Senti os olhos do duque intercalando entre minhas mãos e meu rosto e, logo em seguida, ele repousou a destra sobre a minha, acariciando suavemente minha pele; escorregou o polegar para a minha palma, deslizando-o gentilmente sobre ela. O gesto era suave, mas parecia muito íntimo. Ele não devia me tocar assim. E eu, supostamente, não devia permitir. Ainda mais em público.
— Por que não faz algo a respeito, Anghel? — Incentivou.
Apertei os olhos, estranhando sua pergunta. O que eu poderia fazer?
— Você pode me chamar de Astryd, se quiser. — Falei sem pensar.
Droga. Eu não quis dizer isso. Não em voz alta.
Ele abriu um sorriso de tirar o fôlego, aparentemente gostando da minha brecha descarada.
— Quer dizer...
— Eu entendi. — Interrompeu perverso, dando uma piscadela para mim como se compartilhássemos um segredo. Senti o rosto esquentar. — Gosto do seu sobrenome, e de como ele soa. É sexy, combina perfeitamente com a dona. — Seu toque subiu para o meu pulso, ainda mais suave e íntimo, deslizando, lentamente, para o antebraço.
— Diria o mesmo ao meu pai? O sobrenome pertence a ele. — Tentei quebrar o clima e não chamar sua atenção para os pelos do meu braço que se arrepiavam com seu toque. Eu mal conseguia disfarçar os efeitos que ele causava em mim, era tão embaraçoso.
— Depende. Ele é tão atraente quanto você?
Sorri envergonhada, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha e abaixei o olhar. Me senti nua pelo modo como o duque me encarou, mas gostei de ter sua atenção. Ele conseguiu me deixar ruborizada numa facilidade absurda. Não era capaz de explicar o magnetismo que aquele homem possuía. Apesar de seu rosto de anjo, havia algo animalesco em sua personalidade. Desde o modo de falar, ao de agir, andar, gesticular e tocar. Era tentador. Eu não deveria pensar sobre isso, mas o que eu estava fazendo de errado, afinal? Aparentemente, meu adorado noivo não se importa muito com fidelidade e os votos de um casamento. Por que eu deveria me importar?
A conversa com o duque durou boa parte da tarde. Acabei almoçando e tomando algumas outras taças de champanhe em sua companhia. Ele era abusado e descarado, mas divertido. Conseguiu fazer com que eu me abrisse numa facilidade que ninguém nunca foi capaz antes. E não era somente pela bebida. Eu suponho.
Não me lembrava da última vez que realmente ri durante uma conversa agradável. Aliás, sequer me lembrava de quando tive uma conversa agradável, exceto com Asteryn, é claro. Ela era muito inteligente e tinha um humor um tanto quanto ácido para uma garotinha de apenas nove anos. Ela com certeza adoraria o duque, principalmente se soubesse que ele tem um enorme castelo.
A voz rouca de Leonard carregava um tom travesso natural. Sua tranquilidade era de causar inveja, e suspiros. Ele fazia com que fosse impossível acreditar que dinheiro não traz felicidade. Não o conhecia o suficiente para garantir que não houvesse dramas em sua história, mas certamente, nada que fosse o suficiente para arrancar sua paz de espírito e a confiança inabalável.
Me peguei mordendo o lábio inferior quando deixei que o meu olhar caísse para os botões abertos da camisa social dele, só então pude reparar nos seus músculos com mais atenção. Ele também tinha belas mãos, grandes... Como seria senti-las ao redor do meu pescoço?
Ele riu, despertando minha atenção. Céus, o que ele estava falando mesmo?
— Preciso ir ao banheiro. — Anunciei e me levantei depressa, desajeitada. Percebi que estava alterada quando me coloquei de pé. Senti as pernas bambearem, estava quase sem coordenação quando Leonard foi ágil em me segurar. Ágil e abusado. Sua mão adentrou meu vestido e me segurou pela coxa com os dedos firmes apertando minha pele. Um arrepio contornou minha espinha no mesmo instante. Aquilo não ajudou em nada no equilíbrio, então apoiei em seu ombro e ele apertou minha coxa com mais força. Deixei uma risada nervosa escapar e afastei sua mão dali. — Talvez tenha se esquecido que sou noiva do seu sócio. — Sussurrei na altura do seu ouvido e me afastei sutilmente, ajeitando o decote do vestido sem tirar meus olhos dos dele. — Há muitos conhecidos aqui.
Ele se levantou na minha frente, me deixando em alerta, mas disfarçou logo em seguida, fingindo arrumar o terno enquanto se aproximava discretamente do meu ouvido. — Conheço um lugar mais privado. Gostaria de conhecê-lo?
Sorri sacana para ele e me esquivei, deixando a mesa que estávamos.
Como imaginei, Leonard não resistiu à tentação de me seguir. Contive a risadinha nervosa e continuei caminhando despretensiosa pelo clube em direção do hotel. Os corredores pareciam labirintos, era fácil se perder ali dentro, mas não para mim, que o conhecia com a palma da mão. Frequentava aquele clube desde criança, lembro-me de brincar e correr por todo ele enquanto meus pais bebiam e jogavam no cassino.Encostei na parede entre os banheiros para tentar me esconder de Leonard, mas por algum milagre, ele havia chegado lá primeiro. Uma de suas mãos cobriram minha boca e a outra me puxou pela cintura, colidindo minhas costas contra o seu peito. Ele se recostou na parede atrás, fazendo com que sumíssemos de vista.— Privado o suficiente pra você agora? — Sussurrou no meu ouvido, roçando seus lábios na minha orelha. Outra vez me arrepiei, mas agora o motivo era seu hálito quente perto demais.Virei-me bruscamente na sua direção e o empurrei contra a parede, o afastando de mim.— Acho que
— Acalme-se, quero um momento a sós com você. — Apontou para a cama.— Então abra a porta! — exigi, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantive o mais longe possível da cama.Ele riu pelo nariz e revirou os olhos, sentando-se na cama indiferente ao meu desespero.— Me disseram lá embaixo que já está de casamento marcado. Os boatos são verdadeiros?Semicerrei os olhos, atenta.— Receio que sim.— Uma pena. — Ele suspirou, encostando as costas no apoio da cama. — Pretende levar isso para frente?— A não ser que tenha uma ideia melhor para me salvar, temo não ter saída. — Disse com deboche, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante.Como se ele se importasse...— Por que a pergunta? Você já sabia que eu estava noiva. Vai me dizer que agora se importa com o meu status de relacionamento?— Não me importo. — Disse simplista. Pelo menos era sincero... Um pouco sincero demais. — Mas me importo com o seu bem-estar. — Completou pensativo. — Bem, mais ou me
— Acalme-se, quero um momento a sós com você. — Apontou para a cama.— Então abra a porta! — exigi, me recusando a sentar. Pelo contrário, me mantive o mais longe possível da cama.Ele riu pelo nariz e revirou os olhos, sentando-se na cama indiferente ao meu desespero.— Me disseram lá embaixo que já está de casamento marcado. Os boatos são verdadeiros?Semicerrei os olhos, atenta.— Receio que sim.— Uma pena. — Ele suspirou, encostando as costas no apoio da cama. — Pretende levar isso para frente?— A não ser que tenha uma ideia melhor para me salvar, temo não ter saída. — Disse com deboche, mesmo que ansiasse para que ele tivesse algum plano de resgate mirabolante.Como se ele se importasse...— Por que a pergunta? Você já sabia que eu estava noiva. Vai me dizer que agora se importa com o meu status de relacionamento?— Não me importo. — Disse simplista. Pelo menos era sincero... Um pouco sincero demais. — Mas me importo com o seu bem-estar. — Completou pensativo. — Bem, mais ou men
Acordei em meu quarto, na mansão Anghel. Percorri o olhar por todo o ambiente, tentando reconhecê-lo o mais depressa possível e confirmar se aquilo havia sido apenas um sonho ruim.Com dificuldade, me levantei da cama, recebendo as memórias de todo o ocorrido da noite passada. Um frio na espinha percorreu meu corpo e corri na direção do banheiro.Arranquei todas as minhas roupas, conferindo onde estavam os hematomas. E não havia mais nenhum. Exceto uma pequena cicatriz no formato de uma estrela no pulso.No modo automático, vesti-me e sentei na cadeira da cômoda para pentear os cabelos. Meu olhar estava perdido, era como se eu fosse uma hóspede no meu próprio corpo.Eu me sentia completamente... Oca.Atentei-me ao colar desconhecido ao lado da escova de cabelo, só então, reparei na carta que o acompanhava.Quebrei o selo do envelope e retirei a carta de dentro dele... Ela estava completamente em branco.Uma interrogação formou-se na minha cabeça. Quem mandaria uma carta em branco?Ant
Capítulo três.Leonard Scorpius. Joguei o cigarro dentro da lareira, sentindo o olhar de Keimon sobre mim. Ele estava na sua forma de lobo, analisando-me silenciosamente sentado pouco à frente com uma postura impecável como se fosse um cão adestrado. Até parece. Vira-lata dos infernos, a sua obediência equivalia a de uma miniatura humana, birrenta e pavorosa, popularmente conhecidas nessa dimensão como crianças. Não havia muitas delas no inferno. Eram entediantes demais para pararem lá.— O que você quer? Está começando a me incomodar! — resmunguei, ajeitando as luvas curtas de couro sobre as mãos.Ele latiu e saiu do ambiente, deixando-me, finalmente, em paz.Não precisava dos seus julgamentos. Eu sabia o que estava fazendo.Ajudar os humanos não fazia parte da minha tarefa. Eu sei. Nunca os ajudaria de bom grado. Keimon devia saber. Eu os condenava ao fogo eterno, não os poupava.Ninguém que cruzava meu caminho era poupado, nunca. Mas esses demônios estúpidos não me deram alternativ
— Como disse, preciso de mais do que somente a sua palavra. Digamos que eu não posso conceder favores de graça. — Informei. E eu poderia. Mas eu não quero. Não existe razão pela qual eu faria isso.Ela me olhou com mais atenção.Astryd apertou os lábios e assentiu, abraçando os cotovelos enquanto me olhava. Ela parecia mais indefesa do que nunca.— Eu... Tudo bem. — Suspirou, parando na minha frente. — Onde quer que eu assine?Me levantei, guiando Astryd para a próxima ala do castelo e subimos alguns lances de escada. Ela estava atenta em tudo, seu olhar entregava o encanto com a decoração estrategicamente escolhida para despertar desejo e cobiça.As dimensões eram divididas por pecado, sendo assim, o castelo aflorava os sentimentos mais destrutivos em cada alma que nela pisava, na vida e após a morte.Milhares de almas eram condenadas todos os dias. E quanto mais cheio o inferno ficava, mais o castelo crescia.Tranquei a porta da última sala do corredor.Estávamos na zona umbralina.
Os olhos avelãs de Astryd foram transformando-se, ganhando os mesmos pigmentos avermelhados dos meus. Os cabelos antes negros, clarearam, da raiz às pontas, assumindo a coloração platinada da minha. Ao me dar conta do que estava acontecendo, gargalhei, numa mistura de indignação e escárnio.— Do que está rindo? — ela disse confusa e puxou uma mecha dos cabelos longos e ondulados para frente, assustando-se. — O que você fez? — gritou, levantando-se depressa.— Ora, não me dê os créditos por isso. — Disse debochado. — O mérito é todo seu.— O-o que? — Gaguejou. — O que isso quer dizer?— Não fui eu que fiz isso, Anghel. — Expliquei.Ela negou prontamente, dando voltas pela sala.— Eu não fiz isso. Não sei fazer isso! — Gritou. — Eu não... Não entendo. — Balbuciou confusa, o seu olhar se perdeu outra vez.Oh, Astryd. Alguém lá em cima a odeia muito para ter lhe dado de presente para mim com tanta facilidade.Aproximei-me dela em passos largos e segurei seu braço bruscamente, forçando a g
Astryd Anghel.Meu coração batia acelerado. Nunca senti tanto medo em toda a minha vida. O frio esquisito da floresta ainda gelava o meu corpo e mantinha todos os meus pelos arrepiados.O que era aquela coisa?Engoli seco, revivendo na cabeça os gritos e a imagem daquele homem sendo devorado vivo pela criatura mais assustadora que já vi. Tinha certeza de que aquele monstro habitaria meus pesadelos de agora em diante.Ou será que ainda estava sonhando?Tentei falar alguma coisa, mas não consegui. Minha voz não saiu. Entrei em desespero. O que tinha acontecido com a minha voz?— Oh, claro. — O duque revirou os olhos e uma fumaça preta saiu dos seus dedos.Minha garganta ardeu e eu tossi forte. Minha voz havia voltado!— O que foi isso? Por que ele não me viu? — Disse apavorada, levantando-me depressa.— Preferia que tivesse visto? Vou me lembrar disso na próxima vez. — Ele rebateu, debochando. Depois franziu o cenho, me olhando de cima a baixo. — Como me seguiu até a floresta negra? Ela