Capítulo 4

Anne,

Minha vida toda foi estudar. Ouvia muito do meu pai que os estudos eram o que nos levaria a ter uma boa vida, e só depois que eu tivesse no conforto, pensaria em namorar, casar e ter filhos. Segui os conselhos dele, pois via o sofrimento que ele passava para me criar. Minha mãe morreu no meu parto, e ele teve que se desdobrar para cuidar de mim.

Então, não queria decepcionar meu pai e segui estudando, tirando as melhores notas na escola. Nunca levei nenhuma dor de cabeça para ele, apenas orgulho. Quando terminei os estudos, participei de um concurso e ganhei uma bolsa integral na faculdade de medicina. Estudei muito e me tornei pediatra, profissão que mais admiro, pois sou apaixonada por crianças.

Fui nomeada uma das melhores pediatras do país várias vezes. Os casos na minha clínica eram resolvidos facilmente, e nos diagnósticos e cirurgias, eu era a rainha da medicina. Nunca falhei e nunca perdi nenhum paciente.

Mas minha vida desmoronou de um dia para o outro quando recebi a notícia de que meu pai tinha sofrido um acidente de trabalho. A laje que ele e os ajudantes de pedreiro estavam construindo cedeu, e meu pai, junto com mais dois, foi coberto pela laje, o que ocasionou a morte dos três.

Não tinha muito o que fazer. Eu já tinha mandado ele parar de trabalhar, pois eu, como médica, conseguiria manter a casa. Mas meu pai não aceitava; ele dizia que, até a hora de sua morte, iria trabalhar. Com a sua morte, eu fiquei desequilibrada, perdi o foco no meu trabalho e na minha vida.

Tentei conversar com o médico geral no hospital para pedir alguns dias de folga para colocar a minha cabeça no lugar, mas ele simplesmente virou as costas e disse que eu tinha que trabalhar. Que, trabalhando, minha mente não ficaria vazia e eu não pensaria em besteira.

E isso custou uma vida, uma pequena vida. Um anjinho que caiu em casa e quebrou o baço. Fui chamada para fazer a cirurgia, já que eu era a médica plantonista no dia. Acabou que cortei uma artéria e não consegui conter o sangramento. E nisso, o pequeno Liam se foi.

Foi doloroso para mim, pois eu sabia que não estava bem para trabalhar. Apesar de gostar do meu trabalho e dos meus pacientes, eu não estava conseguindo lidar com a minha vida pessoal e o trabalho ao mesmo tempo.

Tentei mais uma vez pedir férias ao doutor Rodrigues, e mais uma vez ele me negou, alegando que eu tinha que parar de colocar dificuldade sempre que alguém morre, que eu, como médica, tinha que aprender a lidar com isso trabalhando.

Cansada e exausta, decidi me demitir. Falei que não seria mais médica pediatra. Ele negou meu pedido de demissão; afinal, eu era a melhor e ele estaria perdendo um bom dinheiro com a minha saída. Mas eu não me importava com o que ele queria; simplesmente tirei meu crachá e joguei em sua mesa, deixando claro que não sou mais médica pediatra.

Fui embora do hospital sem olhar para trás. Cheguei em casa e comecei a chorar, chorei como não pude chorar antes, por não ter tempo. Estava chorando pelo meu pai e pela pequena Lilian, que morreu por um erro meu. Nem era para eu ter entrado naquela sala, mas fui, achando que daria tudo certo. Mas quando a cabeça de um médico não está boa, nada sai bom. Nada!

Fiquei alguns meses parada, sem fazer nada da vida. Como tinha minhas economias, fui usando-as para me sustentar. Mas eu precisava fazer algo, pois o dinheiro não seria eterno. Então, fiz uma faculdade de enfermagem, como já tinha todos os estudos da medicina, fui uma aluna exemplar, e logo me formei.

Fiz também algumas aulas de socorrista, assim poderia trabalhar nos dois empregos para manter a minha mente e o meu tempo ocupados. Não quis voltar a ser pediatra; estava bem na área em que eu estava, e nem mesmo numa sala de cirurgia eu queria entrar, nem para auxiliar médico nenhum.

O problema é que, nesse novo hospital em que estou trabalhando, os médicos são todos um bando de safados. Eles são doidos pelas enfermeiras, e agora sinto na pele o que elas sentem. Todos os dias, uma nova cantada, um novo convite para sair, e eles não desistem até ter o que querem.

Mas sempre dou a resposta de sempre; no entanto, tem um que é chato demais. Quanto mais eu digo não, mais ele recusa a aceitar a minha resposta. Esse vai morrer tentando, pois não vou dar o que eu nunca dei a ninguém, e não vai ser um doutorzinho que vai levar a minha virgindade assim não.

Todo dia ele me chama para sair, tomar café, já que nosso horário é noturno, e até mesmo quando ele estava na briga de bar, ele veio junto só para ficar ao meu lado. É chato essa insistência dele. Praticamente me escondo no hospital e só saio dele quando o motorista que trabalha comigo na ambulância me avisa que ele foi embora.

O doutor até que é bonito, mas os caras bonitos são os mais disputados, e eu tô fora de entrar nesse rolo. Ainda mais porque sei o que ele quer: me levar para a cama e depois tchau.

Posso não ter experiência em relacionamentos, mas percebo quando um homem quer só transar e não quer mais nada; eles se comportam igual ao doutorzinho. E desses homens eu quero distância.

No outro dia à noite, tenho outro plantão no mesmo hospital que ele. Tínhamos que cair no mesmo dia; o destino é bem sacana de vez em quando. Poderia ter colocado ele nos dias em que eu estivesse trabalhando como socorrista, assim não ficaríamos a noite toda juntos.

Assim que chego, vou até o quarto da enfermagem me trocar, e assim que saio, já dou de cara com ele. O sorriso dele se abre ao me ver, e eu fico indiferente, como se não fosse para mim, pois já imagino que ele vai me chamar para sair.

Me aproximo dele e vejo que ele está olhando para trás. Quando olho, ele estava sorrindo para outra enfermeira, e ela sorria para ele. Viu? Ele percebeu que não vai ter nada comigo e já mudou de alvo. Como eu disse, os médicos são bem sem vergonha.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo