Capítulo 6

Eduardo,

Estou fazendo a higienização das minhas mãos quando a Anne entra. Bom, pensei que era ela até olhar os olhos da enfermeira.

— Cadê a Anne? — pergunto com revolta, pois foi ela quem mandei vir para cá. Anne às vezes me provoca com suas refeições.

— Ela não pode vir, houve um chamado para ela e ela teve que ir, mas me mandou aqui para ajudar o senhor. — Fecho os meus olhos e tento controlar a raiva que está me consumindo por dentro. Por que ela tem tanto prazer em recusar tudo que eu peço?

Sei que ela é uma enfermeira, que a maioria nem entra numa sala de cirurgia, mas as duas são enfermeiras circulantes, ou seja, fazem tudo no hospital. Fora que eu tinha chamado ela primeiro. Quando eu sair daqui, vou atrás de quem a chamou, vou falar que a Anne tem que estar à minha disposição, e não do hospital todo.

Seguimos para a sala de cirurgia, onde o ambiente estava preparado com todo o cuidado e a equipe médica aguardava em posição. A tensão entre eles era grande, já que ninguém me conhece aqui. E já imagino que eles desconfiam da minha habilidade. Mantenho o meu foco e começo o procedimento com movimentos precisos.

Calculo tudo muito rápido na minha cabeça; não é à toa que eu era o melhor pediatra no Rio de Janeiro. Cada corte que eu faço, cada órgão que eu seguro em minhas mãos, é como um combustível para mim. As crianças são fortes, mesmo que pareçam frágeis. Seus órgãos em fase de crescimento me dão maior tranquilidade para mexer sem me preocupar com algum rompimento.

Só tenho que tomar cuidado onde cortar, mas eu sou tão experiente nisso que, mesmo de olhos fechados, eu sei onde cada órgão se encontra. Afinal, tenho 35 anos, e mesmo que eu tenha tido muita diversão na minha vida, eu estudei muito para nunca machucar nenhum serzinho na minha mesa. Até porque, aqui eu sou como Deus, a vida deles estão totalmente em minhas mãos.

O silêncio na sala era quebrado apenas pelo som dos monitores e do meu próprio respirar, que eu mantinha controlado para não deixar a ansiedade tomar conta. Meu olhar estava fixo no campo cirúrgico, cada movimento milimetricamente pensado. A cada segundo, meu foco aumentava. Eu sentia o peso da responsabilidade, mas, ao mesmo tempo, uma sensação de conforto me envolvia. O tempo parecia se esticar e cada minuto parecia uma eternidade.

Até que libero a passagem de ar do pequeno e começo a tirar todo o coágulo que se formou em sua cabecinha, e, com isso, a sua pressão começa a baixar lentamente. Fico de olho no monitor até ver que ele está estabilizado totalmente. Sorrio por debaixo da máscara ao olhar para a equipe médica, que desconfiava de mim no começo, mas agora o olhar de alívio em seus rostos me faz sorrir. Eles ainda não me conhecem, mas vão conhecer, e eu vou fazer o meu nome aqui nesse hospital também.

— Isso foi incrível, doutor Eduardo. O senhor foi rápido e preciso. Eu já participei de outras cirurgias, mas nunca vi uma ser tão rápida quanto essa.

— Não tínhamos tempo. Eu já fiz muitos desses procedimentos e sabia exatamente onde procurar o coágulo. Isso ajuda muito, pois quanto mais tempo demorar para fazer esse procedimento, menos chances o paciente tem de sobreviver. Agora vou fechar, e você leva ele para o pós-operatório. Vamos ver a evolução dele daqui para frente. Ele vai precisar ser monitorado.

Fecho a incisão, passo a faixa na cabeça dele, deixando bem apertado para que não fique nenhum espaço e não se formem mais coágulos, e saio da sala em busca da minha enfermeira fujona. Anne tem que aprender que, quando eu mandar ela fazer algo, ela tem que fazer e não mandar outra pessoa em seu lugar.

Vou até a sua mesa e, para minha surpresa, ou não, ela não está lá. Olho ao redor e tento imaginar onde ela poderia estar. Como não conheço nada aqui ainda e nem sei onde ela pode ficar, vou até a sala dos enfermeiros para saber onde ela se meteu.

— Boa noite! — falo ao abrir a porta. — Gostaria de saber por que chamaram a enfermeira Anne, se eu tinha chamado ela para entrar comigo na cirurgia?

— Não chamamos ninguém, doutor. A Anne ainda está na mesa dela. Ela está cuidando dos pacientes da ala infantil.

— Ela não entrou na sala de cirurgia. A amiga dela disse que ela foi chamada por vocês. Gostaria de deixar claro que, no meu plantão, ela ficará à minha disposição.

— Vamos deixar uma coisa clara aqui, doutor. Eu sou a enfermeira geral, e tanto a Anne quanto qualquer outra são enfermeiras do hospital, e não do senhor. Não a chamamos, mas, caso tenha feito, o senhor não pode entrar aqui e exigir isso, pois ela está de plantão e há muitos pacientes na ala em que ela está.

Solto um suspiro pesado e me aproximo dela, coloco a mão sobre a mesa e a encaro com raiva, pois, mesmo que ela esteja tentando proteger outra enfermeira, ela não tem o direito de falar assim comigo, pois nenhuma enfermeira tem permissão nem mesmo de prescrever uma receita, quem dirá falar comigo dessa forma. Então, começo a falar:

— Não me importam as suas palavras, eu tenho que ter uma enfermeira para me acompanhar nas cirurgias e posso escolher quem eu quero, e quero que seja a Anne. Sempre ela. Agora me diga, onde ela está.

— Vou verificar, doutor. — Ela chama a Anne pelo microfone, e o nome dela ecoa por todo o hospital. Espero até que ela apareça, e ela vem correndo. Mas assim que me vê ali parado, ela se assusta. — Onde você estava, enfermeira? O doutor estava te procurando.

Ela olha para a enfermeira, olha para mim novamente e fica pálida, parece até que vai entrar em colapso a qualquer momento. Sorrio, pois já imagino a mentira que ele vai contar só para se livrar da bronca.

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