Anne,
Passo direto, enquanto ele fica flertando com ela. Sento na minha cadeira e começo a colocar os prontuários dos pacientes em ordem. Pelo canto dos olhos, vejo-o saindo e indo atrás da enfermeira, e quando olho, vejo-o com um braço na parede e ela encostada. O clima entre os dois é de puro desejo. E eu volto minha atenção para os prontuários. Levanto-me e vou de quarto em quarto avaliar as crianças. Na volta, separo em cada gaveta os medicamentos que cada criança tem que tomar. Depois de tudo organizado, começo meu trabalho. Tinha que passar para ele, mas não vou interromper o momento romântico dele, ou ele vai achar que estou com ciúmes; aí pronto, não vai mais sair do meu pé. Depois de uma hora e meia, já mediquei todos os pacientes e volto para minha cadeira. Vejo os dois saindo do quarto dos médicos, ela com o cabelo todo bagunçado e ele fechando o zíper da calça. Balanço a cabeça, negando, e vou anotando o próximo horário das medicações que precisarão ser aplicadas. — Que médico, meu Deus, quase não saio do quarto. Tá calor aqui, né? — Ela fala, sentando-se ao meu lado, já que as cadeiras das enfermeiras ficam uma do lado da outra. — A temperatura está boa, e você é que está com fogo. — Respondo sem olhar para ela. — Pode ser, me chamo Helen, e você? — Anne, prazer. — Levanto-me e vou até a última criança; essa eu tenho que colocar no oxigênio, pois seu pulmãozinho está bastante comprometido com catarro. Assim que entro, o doutor entra também. Seu cabelo está molhado, indicando que tomou banho. Ele pega o prontuário e lê, enquanto eu ajusto o oxigênio da criança. — Você ainda está aqui, pequeno? Vou cuidar do seu caso em especial. Vamos liberar todo esse catarro do seu pulmão para você voltar para casa logo, está bem? Enfermeira, aplique o (remédio) na veia e espere até ver a reação. Depois de duas horas, aplique novamente. Mamãe, você vai fazer a lavagem nasal a cada uma hora para fazer a limpeza geral. Vamos deixar esse pequeno novinho em folha. Não posso negar, ele é um bom médico. O outro que estava aqui antes dele mandava eu apenas colocar no oxigênio. Tem médico que parece gostar de ver o paciente no hospital sofrendo, e o doutor Eduardo, quando chega, só sai quando o paciente está bom e faz de tudo para melhorar. Ele escreve no prontuário dele e sai falando que vai visitar os outros pacientes, enquanto eu administro o remédio no pequeno. Assim, eu faço: coloco no acesso e explico para a mamãe que pode dar sonolência, e, caso ele durma, é para deixá-lo descansar. Coloco o soro e volto para minha mesa. Assim que me sento, o doutor se escora nela. A Helen está do outro lado, e pelo canto dos olhos vejo-a olhando para ele, mas ele está fixo olhando para o meu computador. — Anne, o paciente do leito 59 tem que fazer uma tomografia. Ele caiu da bicicleta, bateu a cabeça e desmaiou. Ele deve ficar de dieta até sabermos se há algum edema. — Sim, senhor. A médica do outro plantão deixou a tomografia pronta, mas como ele ainda está no soro, ela deixou marcado que era para fazer quando terminasse. — Não, pode fechar o soro e fazer a tomografia; depois coloca de novo. Se houver algum problema, vamos ver na hora. Concordo com ele e me levanto, indo até o quarto do menino. Pensei que ele ia fechar com a Helen, mas ele me seguiu até o quarto. Converso com a mãe do menino e fecho o soro. Retiro o acesso dele e puxo a cama para irmos à sala de tomografia; ele até me ajuda a empurrar a cama. Me posiciono ao lado do pequeno, enquanto o médico especialista se concentra intensamente nas imagens que surgem na tela junto com o doutor. O pequeno, com seus olhos pesados de cansaço, luta contra o sono. Suas pálpebras oscilam, tentando se manter abertas, mas a sonolência é mais forte. Com uma voz suave e tranquilizante, eu o encorajo a se entregar ao sono, apenas lembrando-o da importância de permanecer imóvel durante o processo do exame. Seu corpo relaxa, e ele parece mais à vontade, enquanto o aparelho de tomografia continua a trabalhar. Finalmente, o procedimento é concluído. Com cuidado, ajudo o pequeno a voltar para a cama com a ajuda de outro enfermeiro, e levamos ele de volta para o quarto. A luz suave do corredor ilumina nosso caminho, enquanto o doutor se retira para sua sala, carregando consigo as imagens e informações que irão ajudá-lo em seu diagnóstico. Retorno para minha mesa. Meus olhos estão fixos na porta dele, aguardando o doutor sair para ver o que fazer com o pequeno. Alguns minutos depois, ele vem, ainda olhando as imagens, e se aproxima de mim. — Houve um rompimento de uma veia; o cérebro dele está inchando. Vou ter que levá-lo para a cirurgia. Prepare-se, Anne, você vai entrar comigo para me auxiliar. — Eu não posso entrar na sala de cirurgia — falo, levantando-me da mesa, com os olhos arregalados. — E por que não? Que eu saiba, vocês enfermeiras podem entrar, não podem? — Droga, como vou dizer a ele? — Po... porque não. Chame a Helen, ela é muito boa e vai te auxiliar melhor que eu. — Estou chamando você. Não coloque dificuldade, apenas me obedeça. Te espero na sala de cirurgia em 10 minutos. Ele fala indo em direção ao quarto do pequeno. Olho para a Helen com os olhos suplicantes. — Helen, me ajuda, te devo uma se você for no meu lugar. — E se ele brigar? — Ele é médico aqui, e não o dono do hospital. Ele pode até brigar, mas não pode nos mandar embora. Por favor, me ajuda. — Só se você me falar por que você não quer ir. — Te conto na volta, agora vai, antes que ele venha aqui me puxar pelo braço. — Ela se levanta e vai para a sala de cirurgia, e eu vou ao banheiro me esconder por um tempo, para que o doutor não venha me buscar.Eduardo, Estou fazendo a higienização das minhas mãos quando a Anne entra. Bom, pensei que era ela até olhar os olhos da enfermeira.— Cadê a Anne? — pergunto com revolta, pois foi ela quem mandei vir para cá. Anne às vezes me provoca com suas refeições.— Ela não pode vir, houve um chamado para ela e ela teve que ir, mas me mandou aqui para ajudar o senhor. — Fecho os meus olhos e tento controlar a raiva que está me consumindo por dentro. Por que ela tem tanto prazer em recusar tudo que eu peço?Sei que ela é uma enfermeira, que a maioria nem entra numa sala de cirurgia, mas as duas são enfermeiras circulantes, ou seja, fazem tudo no hospital. Fora que eu tinha chamado ela primeiro. Quando eu sair daqui, vou atrás de quem a chamou, vou falar que a Anne tem que estar à minha disposição, e não do hospital todo.Seguimos para a sala de cirurgia, onde o ambiente estava preparado com todo o cuidado e a equipe médica aguardava em posição. A tensão entre eles era grande, já que ninguém me
Eduardo, Ela fixa os olhos na enfermeira e se aproxima dela, como se eu não estivesse aqui. Anne respira e solta um suspiro, até que enfim começa a falar:— Eu... eu... estava ocupada, tenho muitos pacientes para cuidar. A Helen acompanhou o doutor e eu tive que cuidar dos pacientes sozinha. Sabe que no andar só ficam nós duas e o doutor; eles saíram e sobrou tudo para mim.— Então você ficou sozinha com os pacientes, que interessante — pergunto, e ela concorda com a cabeça. Como pode ser assim?Sorrio com a sua mentira; ela não quis entrar comigo na cirurgia e agora está se fazendo de vítima. Tanto os internos como os enfermeiros sonham com essa oportunidade de fazer parte de uma cirurgia, ainda mais na cabeça de uma criança. Mas ela parece que não liga muito para isso.— Viu, doutor, ela estava na ala infantil. Não a chamamos para cá. Talvez o senhor tenha ouvido errado, ou ela não pôde entrar por algum motivo. — Olho bem fixamente para ela, que me olha desviando o olhar.Balanço a
Eduardo,Ele sobe os olhos para mim, e eu aperto mais o seu punho, colocando toda a minha força. Já que quer medir forças com uma mulher, melhor que seja com um homem e que seja do seu tamanho.— Eu tenho certeza que o senhor não quer fazer isso, mas caso insista, eu sou obrigado a tomar providências que poderiam até mesmo me fazer perder o meu poder de exercer medicina, mas farei isso com o maior orgulho.— Eu só quero levar a minha filha embora, e essa enfermeira não está deixando. Eu sou o pai dela e sei o que é melhor para ela. Eu posso levá-la embora quando eu quiser. — ele responde frio, com raiva, tentando puxar suas mãos do meu aperto, mas eu aperto com mais força.— Não pode, como a enfermeira disse, ela está correndo risco de morte. Se você não entende isso, não está sendo um bom pai. Chame a mãe para ficar com ela como acompanhante, e saia do hospital, antes que eu chame a polícia para você, pois eu não vou assinar a alta dela e você está proibido de levá-la embora.Ele ser
Eduardo,Vou até a minha sala com o prontuário dela e começo a marcar tudo o que tem que fazer. Quero um raio-x do tórax e do rostinho, pois alguns casos o catarro fixa preso ali, e a sinusite também é um caso complicado para se tratar. Deixo marcado a administração do (remédio), para ser administrado no horário certinho que eu indicar, até quando eu voltar à noite para fazer a avaliação.Me levanto e saio da minha sala indo em busca da Anne. Entrego a ficha para ela, pois ela já deixa tudo arrumado para os próximos plantonistas. Deixo avisado que isso é de extrema importância, pois só depois de todos os resultados que vou poder avaliar melhor ela, já que parece que os plantonistas que receberam ela aqui não fizeram muita coisa.Volto no quarto do pai dela, com a Anne, para dar a primeira dose da medicação. Ela nem se quer olha para o pai, e ele fica todo sem jeito olhando para ela e para mim. Não vou obrigar ele a pedir desculpas agora, pois sei que ele quer ver a filha melhor, mas e
Eduardo,Dou risada, me escorando na cadeira, e balanço a cabeça, negando. Não tem como eu me apaixonar por ela, uma mulher cheia de segredos e que vive me desprezando.— Eu só acredito na atração e não em sentimentos sem sentido. Dizem que o amor vem do coração, mas ele é apenas um órgão igual a todos os outros. Eu te amo, mas o amor que sinto vem do órgão de baixo e não do de cima.— Não acredita no amor? — Balanço a cabeça, negando, levando a xícara até os meus lábios. — Agora entendo por que você é rodado, fica com uma, com outra... Isso é apenas um escudo para não se apaixonar de verdade, não é, doutor?— Quer saber do meu segredo? Me conte o seu primeiro, que eu conto o meu. Por que fugiu da cirurgia? E por que tem tanto medo dessa palavra quando ela é mencionada?Ela se encolhe na cadeira, desfazendo os sorrisos vitoriosos que estavam em seus lábios. Acho que encontrei o seu ponto fraco; acertei bem no alvo. Todos nós temos coisas a esconder, por isso não é bom ficar tirando sa
Eduardo Ando um pouco mais rápido e consigo alcançar ele, principalmente porque ele para bem na mesa da enfermagem.— Sabe o que eu acho mais engraçado, doutor, é que eu tenho pegado casos aqui que estavam fáceis de tratar, e você não deu a devida atenção para dar alta. Agora a menina que está mal, você quer dar alta. Por quê?— Faça o seu trabalho, doutor, e eu faço o meu. Eu não venho aqui no seu plantão para te criticar e nem opinar nas suas decisões, então se coloque em seu lugar e trate de vir somente quando for chamado.Incrível sua ignorância, prefiro nem discutir com esse tipo de gente para não perder a minha sanidade. Esse tipo de médico é aqueles que só estão aqui por amor ao dinheiro, e não amor pela profissão ou pelas crianças. Finjo que nem ouvi os seus desaforos e dou a volta, sem responder o que ele merece ouvir.Volto a entrar no quarto do pai e avalio a menina. O chiado no pulmão está mais baixo, mas ainda está comprometido. Peço para a enfermeira trazer o aparelho d
Anne,Corro pro banheiro e me tranco. Lavo meu rosto e me olho no espelho. Eu tenho que parar com isso, com esse medo todo, mas eu não consigo. Toda vez que vejo qualquer coisa que seja ligada a cirurgia e morte, eu travo por completo.Respiro fundo, esperando meu corpo se normalizar, e saio do banheiro. Pego a minha prancheta e vou até a recepção para fazer a ficha da bebê. Depois da ficha pronta, levo para a mãe o papel de acompanhante e entrego para ela assinar. Depois, volto para a recepção e entrego para eles.Depois disso, subo na ambulância e me sento no banco do passageiro. O Beto entra e fala que temos um homem para levar a outro hospital. Balanço a cabeça concordando, e saímos. Olho pelo retrovisor e vejo o doutor Eduardo olhando para todos os lados, até olhar para a ambulância e colocar a mão na cintura.Será que ele mudou os dias do plantão dele? O que ele tá fazendo aqui hoje, sendo que ele trabalha nos mesmos dias que eu?— Está tudo bem, Anne?— Estou sim, só um pouco c
Anne,Ela morde o canto dos lábios e me deixa desesperada.— Você prometeu, Helen...— Calma, eu não disse que você era pediatra, só disse que você tem um trauma. Ele falou com tanta preocupação, que eu fiquei com dó.— E ele não perguntou que trauma?— Perguntou, mas eu não disse. Falei que ele teria que tirar isso de você.Respiro aliviada. Pelo menos agora ele não vai mais me incomodar para entrar numa sala de cirurgia e vai me ajudar quando alguém tentar fazer. Bom, é isso que eu espero dele, já que ele me defendeu de um pai que queria me bater.Ele sai do quarto e passa por nós duas, me olhando e sorrindo. Agora que virei atração principal dele mesmo, meu Deus me ajude. Me levanto para ir medicar as crianças que precisam das medicações e percebo o quadro clínico de uma instável. Essa já pode receber alta sem problemas, mas, como não sou médica, vou levar isso para o doutor Eduardo e deixar ele avaliar.Volto para minha mesa e coloco as coisas lá. Vou até a sala dele e bato na por