Capítulo 02

No dia seguinte, desci as escadas após cumprir todo o meu ritual matinal. A noite reservava uma pequena apresentação no teatro municipal, e minha empolgação era evidente. Quando passei pela sala, deparei-me com meu tio, que estava lendo um jornal.

— Minha sobrinha linda, como você está? – Ele perguntou tirando os olhos do jornal por alguns instantes. 

— Me sentindo abandonada por você, tio. – Disse sorrindo. — Lembrou que tem uma casa e uma sobrinha para cuidar? – Perguntei a ele que sorriu divertido.

— Adoro o seu senso de humor, sabia? – Ele respondeu, dando-me três beijos na face. — Em breve você fará 21 anos e terá acesso total a sua herança e não precisará mais de mim. 

— Eu sempre vou precisar de você tio, porque é a única família sanguínea que me sobrou.

Convidei-o para tomar café na cozinha, mas ele recusou, dizendo que apenas os serviçais comiam lá, o que considerei uma tolice, já que os tais serviçais que meu tio se refere são as pessoas que cuidam de mim desde a morte dos meus pais. Fizemos nosso desjejum enquanto ele me contava sobre suas viagens, abordando o assunto de um modo que parecia que eram férias e não compromissos de negócios.

Jarbas apareceu e me alertou que estava na hora de irmos para a companhia. Ele lançou um olhar estranho a meu tio, algo que não escapou de mim. Uma vez, flagrei Jarbas e Carol conversando sobre a curiosa questão de meus pais terem concedido uma procuração a ele para administrar meus bens. Aquela conversa me deixou intrigada.

No testamento de meus pais, foi estipulado que só teria acesso às minhas finanças quando completasse vinte e um anos. Até então, meu tio era o responsável por tudo, depositando uma quantia considerável todo mês para cobrir minhas despesas. Faltava um mês para meu vigésimo primeiro aniversário, quando finalmente teria acesso total a tudo que me pertence.

— Steph, você fez o que pedimos? — Jarbas perguntou, me fazendo franzir o cenho.

— Não entendi muito bem, Jarbas. Pode me explicar melhor?

— Carol e eu temos algumas suspeitas, mas não quero encher sua cabeça de suposições. Apenas confie em nós e faça o que pedimos. — Ele olhou sério pelo retrovisor, e eu decidi seguir sua orientação.

Ao chegarmos à companhia, troquei de roupa e segui para o aquecimento. Minha amiga se aproximou, me convidando para um baile funk. Balancei a cabeça em negação.

— Você está louca? O que faremos em um lugar daqueles? – Perguntei estarrecida, acho que minha amiga enlouqueceu de vez. 

— Os bailes funk são divertidos, tem muitas coisas que não vemos no meio em que vivemos. Estou ficando com um carinha do morro, e sei que se você conhecer o baile vai gostar.

— Zeus me free! Eu jamais irei a um lugar como aquele. — Respondi, ao que ela balançou a cabeça em descrença.

— Nunca diga nunca, Steph.

— Amiga, as reportagens mostram o quanto esses lugares são violentos e esses donos de morro credo, um bando de drogados que não sabem diferenciar o agente de a gente. – Digo a ela que balança a cabeça. 

— Você está sendo preconceituosa, amiga, nem todos que moram em favelas são assim, muitos que moram lá são super inteligentes e cultos. 

— Depois que você começou a sair com esse cara você começou a defender bandidos, sério isso amiga?

— Não vou nem me dar ao trabalho de discutir com você. – Ela diz, mas eu vi Cidade de Deus, Cidade dos Homens, Tropa de Elite e assisto Sintonia, e assisti também aquele filme do Complexo do Alemão. 

Ficamos quietas até a professora Liya nos chamar para o ensaio.

A noite da apresentação estava repleta de nervosismo. Pensei que não conseguiria me apresentar, mas assim que pisei no palco, minhas inseguranças desapareceram, e eu deslizei pelo palco. Voltei à realidade somente quando ouvi os aplausos da plateia. Quando a cortina se fechou, minha amiga veio me abraçar.

— Você tem talento, amiga. Deveria tentar uma audição para entrar na companhia do Theatro Municipal.

— Quero muito fazer isso, mas primeiro tenho que resolver a questão da minha herança.

— Espero que se resolva logo. — Ela me abraçou novamente. — O que vai fazer com tanta grana e as empresas? – Antes que eu pudesse responder, meu tio apareceu e me abraçou.

— Você é o orgulho da família. Você estava linda, minha filha. — Carol e Jarbas também vieram me cumprimentar, e eu agradeci.

— Obrigada a ambos por virem. Oi, irmãzinha. — Disse para Manuella, que me olhou com desdém.

— Saiba que vim porque meus pais me obrigaram. — Ela disse irritada.

— Ah, que peninha. Quando éramos crianças, éramos boas amigas.

— As coisas mudam, Stephanny. — Carol ralhou com ela, me fazendo rir.

Após as apresentações, fomos para a festa. Carol e sua família preferiram voltar para casa, o que me deixou um pouco triste.

A festa foi um sucesso, e para minha surpresa, João Miguel apareceu. Ele me presenteou com uma linda gargantilha, o que me alegrou. A noite estava perfeita, faltando apenas a presença dos meus pais. Cheguei em casa completamente cansada.

Conversei com a senhora Lyia durante o evento e contei a ela sobre meu interesse em dançar na companhia do Theatro Municipal. Ela me disse que eu ainda estava bastante crua, mesmo que eu dance desde meus dois anos. Segundo ela, o Theatro Municipal não é lugar para amadores, e eu cogitei fazer um curso extra assim como minha amiga. Apesar de gostar de viajar, sou muito apegada ao meu país e à mansão que meus pais me deixaram. Estando aqui, sinto-me mais pertinho deles.

Acordei com bom humor e muito animada, liguei para meu namorado e conversamos por um bom tempo. Resolvi ir a um spa, afinal, eu merecia me mimar um pouco. Algumas das minhas amigas de compras vieram à minha casa e juntas fomos nos divertir. Fizemos diversos procedimentos e compramos muitos produtinhos. Sei que ainda sou muito jovem, sem nenhuma ruga, mas aprendi com a minha esteticista que se quero ser uma velhinha com pele de bebê, devo começar a me cuidar cedo, e é isso que eu faço.

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