Acordei pleníssima em um quarto deslumbrante, como se alguém tivesse materializado os sonhos mais luxuosos. Sou parte de uma família abastada; meus pais, que estejam nos céus, deixaram-me uma fortuna incalculável. Essa riqueza é administrada pelo meu querido tio Arthur, que sacrificou sua vida para cuidar da minha criação.
— Steph, meu amor, seu café está pronto. Vai querer comer no quarto ou na mesa? — Minha eterna babá, Carolzita, uma figura adorável que me conhece desde sempre, age como minha mãe.
— Carolzita, vou me arrumar e fazer minha refeição na cozinha mesmo.
— Tudo bem, minha princesa. Estou te aguardando lá embaixo. Se precisar de mim, é só gritar.
— Pode deixar, meu amor.
Como mencionei, Carol e eu temos um vínculo que se assemelha ao de mãe e filha, o que causa um certo incômodo na filha dela, que mora na favela e sente ciúmes do nosso relacionamento.
Dou uma espreguiçada e me dirijo ao meu closet, que é mais como um outro quarto. Aqui, encontro de tudo, desde roupas até calçados e acessórios de diversas marcas. Nunca experimentei um dia sem dinheiro, e espero nunca fazê-lo, afinal, minha fortuna é incalculável. Com o traje escolhido, tomo um banho de banheira com sais aromáticos, mergulhando em puro deleite.
Completamente vestida, desço para o café. Carol me olha e solta um assobio.
— Nossa, aonde vai assim, tão deslumbrante? E por que toda essa produção grandiosa?
— Estou tão básica, nem estou usando meus diamantes. Ela me encara e revira os olhos.
— Você chama isso de básico? Deveria ver as garotas da favela onde moro, aqui é luxo.
— Carolzita, jamais colocaria os pés em uma favela ordinária. Afinal, os moradores de lá são todos rudes, sempre tramando esquemas para tirar vantagem dos outros. Ela me encara com seriedade, e eu rapidamente me corrijo. Exceto você e o Jarbas, é claro.
— A vida não é tão fácil como seu tio a ensinou. Um dia perceberá que não se vive apenas com roupas de grife.
— Claro que não! Nós vivemos de Chanel, Dolce & Gabbana, Tiffany e por aí vai. Ela revira os olhos. Eu sei que sempre me ensinou isso, mas é a minha natureza. Acho que nunca vou mudar.
— Prefiro acreditar que um dia você vai amadurecer.
Dou de ombros, como sempre faço, e termino meu café. Me despeço de Carol e aguardo Jarbas.
— Bom dia, Steph. Ele sorri ao abrir a porta do carro.
— Bom dia, Jarbas. O dia está perfeito para algumas comprinhas básicas. Ele balança a cabeça e sorri.
— Menina, por mais dinheiro que tenha, é bom economizar. Nunca se sabe quando pode precisar.
— Ah, você e Carol, sempre com esse discurso de preocupação. Meus pais me deixaram tanto dinheiro que não preciso me inquietar com nada. Minha maior preocupação é estar impecável para dançar.
Cheguei a uma das lojas mais exclusivas da cidade e, logo na entrada, esbarrei em um moreno, quase me fazendo cair no chão. Por sorte, o rapaz me segurou a tempo. Nossos olhos se encontraram por um momento, e um sorriso escapou dos meus lábios. Depois de garantir que não me machuquei, o moreno seguiu seu caminho. Sacudi a cabeça para espantar a distração e entrei na loja que tanto amava. Com uma apresentação de ballet em apenas dois dias, eu precisava comprar algo novo para a festa que aconteceria ao final da performance. Comprei dois conjuntos perfeitos de diamantes banhados a ouro. Lembrei-me também do aniversário de casamento de Jarbas e Carol, que se aproximava, e decidi comprar um presente para ele. Vi um conjuntinho lindo e comprei para a filha de Carol, embora ela não me suporte.
Assim que saí da loja, fui em direção à companhia de dança que frequentava. Ali, o dinheiro era o que mais importava, pois as mensalidades eram verdadeiras fortunas. Nossas apresentações nos levavam a diversos países, e atualmente, Luana e eu compartilhávamos as apresentações solo. A senhora Liya tinha muita confiança em nós.
— Amiga, que bom que você chegou. Não aguentava mais a Jully e seu grupinho se gabando. — Luana me abraçou.
— O que elas estão exibindo agora? — Perguntei, curiosa.
— A July está se gabando que vai morar em seu próprio apartamento. Não suporto essa garota. Ela é tão fútil quanto você tenta ser. — Luana olhou nos meus olhos, sorrindo de canto.
— Não me olhe assim, mocinha. Você sabe que tenta ser fútil, mas, no fundo, é uma pessoa legal e generosa.
— Fico feliz que pense assim. Afinal, você é a única que pensa assim. O resto já se acostumou a me chamar de fútil.
A senhora Liya chegou e nos mandou aquecer para o ensaio. Após uma longa sessão de ensaio, fui para casa completamente exausta. Ao chegar, Carol me convidou para um lanche rápido, e eu aceitei. Aproveitei o momento para entregar a Jarbas o presente que tinha comprado.
— Não podemos aceitar isso, Steph. Deve ter custado uma fortuna. — Jarbas protestou, e Carol concordou.
— Claro que devem aceitar. Sabem como é raro fazer 20 anos de casados, ainda mais nos dias de hoje. Por favor, aceitem. Vocês fazem tanto por mim, e eu só quero retribuir. Ah! Lembrei que o aniversário da Manu está próximo, então, aqui está uma lembrancinha para ela. Eu sei que ela não gosta de mim, mas vocês são como uns pais para mim, o que a torna uma espécie de irmã. — Disse a Carol, que me abraçou apertado.
— Obrigada por isso, minha filha.
Fui para o meu quarto, tomei um banho e liguei para João Miguel, que atendeu prontamente. O convidei para jantar, mas ele explicou que estava fazendo as malas para uma viagem de negócios com o pai.
— Não fique triste, minha bebezinha. Volto em dois dias e serei todo seu.
Despedi-me e desliguei o celular. Nossa relação era complexa. Às vezes, eu considerava terminar, mas tinha receio de perder pessoas importantes na minha vida. De certa forma, ele me ajudou quando precisei.
Meus pais faleceram há dez anos. A perda foi devastadora, e por um tempo, nem dançar eu conseguia. Na época, a polícia cogitou a possibilidade de assassinato, mas logo descartaram, alegando uma falha no acelerador. A explicação nunca me convenceu completamente, já que meus pais eram extremamente cuidadosos. O resto da minha criação ficou sob os cuidados do meu tio, que, na verdade, possui minha custódia. No entanto, ele nunca esteve presente de verdade, sempre viajando ou trabalhando.
Meu celular apitou, mostrando uma mensagem do meu tio informando que estava voltando. Ignorei a mensagem e coloquei meu celular para carregar antes de ir dormir.
No dia seguinte, desci as escadas após cumprir todo o meu ritual matinal. A noite reservava uma pequena apresentação no teatro municipal, e minha empolgação era evidente. Quando passei pela sala, deparei-me com meu tio, que estava lendo um jornal.— Minha sobrinha linda, como você está? – Ele perguntou tirando os olhos do jornal por alguns instantes. — Me sentindo abandonada por você, tio. – Disse sorrindo. — Lembrou que tem uma casa e uma sobrinha para cuidar? – Perguntei a ele que sorriu divertido.— Adoro o seu senso de humor, sabia? – Ele respondeu, dando-me três beijos na face. — Em breve você fará 21 anos e terá acesso total a sua herança e não precisará mais de mim. — Eu sempre vou precisar de você tio, porque é a única família sanguínea que me sobrou.Convidei-o para tomar café na cozinha, mas ele recusou, dizendo que apenas os serviçais comiam lá, o que considerei uma tolice, já que os tais serviçais que meu tio se refere são as pessoas que cuidam de mim desde a morte dos m
Um mês passou desde minha apresentação. Meu tio estava viajando com mais frequência ultimamente. Tomei meu café e avisei a Jarbas que não precisava me acompanhar, pois sairia com Luanna. Assim que ela buzinou, corri me despedindo de Carol.— O que vamos fazer, gata? — Luanna perguntou, e me afundei em seu banco.— Miga, já estou sentindo sua falta. Não acredito que você vai passar um ano na França. — Disse, emburrada.— Steph, um ano passa rapidinho, você vai ver.Fomos ao clube, chamamos nossos namorados, que chegaram rapidamente. Trocamos de roupa e fomos para a área da piscina pegar um bronzeado. Na hora do almoço, meu celular vibrou, mas João Miguel não me deixou atender, insistindo que eu desse atenção a ele. No final da tarde, fomos para uma loja da Tiffany, onde comprei algumas coisas que estava precisando, incluindo sapatos exclusivos. Voltei para casa contente.Me despedi da minha amiga e prometi levá-la para o aeroporto mais tarde. Enquanto estava na área de embarque, brinca
— Steph, vem comer alguma coisa. – Jarbas me chamou, mas eu neguei. — Quero apenas um suco de laranja com mel. – Respondi e fechei os olhos.Um tempo depois, Carol se aproximou e me entregou o copo. Ela disse que eu precisava comer algo, mas mais uma vez disse que não estava com fome. Tomei o suco e entreguei o copo de volta a ela. Peguei meu celular para enviar uma mensagem para João, mas ele disse que não podia falar no momento, pois estava em reunião. Pensei em ligar para minha amiga, mas ela estava tão feliz com a oportunidade que não queria incomodá-la. Felizmente, tenho Jarbas e Carol comigo, senão me sentiria ainda mais sozinha. Olhava para o teto quando Manuella chegou, jogou a bolsa na cama e antes de sair se virou para mim, surpresa.— O que você está fazendo aqui? – Ela perguntou, fazendo careta.— Pelo que sei, agora moro aqui – respondi, mas Manuella saiu batendo a porta do quarto e logo ouvi sua voz alta brigando com seus pais.Levantei-me e fui para a sala, onde ela es
Já se passou um mês desde o golpe que sofri, e eu permanecia na cama, mal comia, mal dormia. Perdi todas as minhas amizades, exceto Luanna, que queria voltar para ficar comigo, mas eu recusei. Disse a ela que deveria seguir seu sonho, afinal, ela lutou muito para consegui-lo. Carol e Jarbas tentavam me animar, mas nada que eles falavam parecia surtir efeito. Jarbas conseguiu um novo emprego como motorista, e Carol continuava procurando emprego, me sinto tão culpada por tê-los deixado sem emprego, sabe, os dois sempre foram maravilhosos comigo e agora aconteceu isso com eles, minha vida está um verdadeiro caos, tenho vontade de jogar tudo para alto e xingar tudo e a todos, logo mudei meu pensamento, pois lembrei que meus pais diziam que por mais que as coisas estivem difíceis não poderia ser hostil com as pessoas, vocês me fazem tanta falta, tenho certeza que se estivessem aqui nada disso estaria acontecendo. Estava deitada quando Carol tocou meu ombro e pediu para eu buscar pão. Ela m
Guilhermo (Gui)*Aí, patrão, o morro tá sussa, os canas já levaram o dinheiro.* – Rak me avisou e o mandei ir para uma biqueira fazer a cobrança. As pessoas acham que ser dono de um morro e líder de uma facção criminosa é fácil, mas isso é fácil. Há quem me estereotipe pensando que sou um criminoso que não sabe falar português, mas, ao contrário do que pensam, sou alguém que estudou muito. No começo, tentei não me envolver com essas coisas, mas quando um morro rival matou covardemente meu pai, soube que esse era o meu destino.Meu pai batalhou muito por este morro, e eu não posso simplesmente deixá-lo para qualquer filho da puta tomar. Minha mãe era uma vadia qualquer que nos abandonou a mim e a minha irmã sem pensar duas vezes. Meu pai, mesmo sendo traficante, cuidou de nós e foi um pai bom e presente. Ele amava este morro mais do que a própria vida.Estudei, fiz cursos, faculdade. Enfim, sou alguém bem preparado. Hoje estou animado, pois minha irmã finalmente está voltando após doi
Stephanny GiacomelliColoquei todas as minhas dores para fora, sentada em um meio-fio com um cara completamente estranho. Olhei para a camiseta dele, molhada pelas minhas lágrimas, e me desculpei.— Não sei por que tudo isso está acontecendo comigo. Sou uma boa pessoa, nunca ri de pessoas pobres, sempre ajudei os menos favorecidos, fiz doações para o Criança Esperança e o Teleton. Por que estou sendo punida pelo universo? Não posso ser tão ruim assim, não é? – Perguntei, percebendo que estava falando demais, e me desculpei mais uma vez.— Não tem problema, gata. Me chamo Guilhermo Fernandes.— Muito prazer, sou Stephanny Giacomelli Duarte. – Limpei minhas lágrimas com as costas da mão. — Devo estar parecendo um urso panda, não é?Perguntei a ele, que negou, mas tinha certeza de que estava mentindo. Proibi minhas lágrimas de rolarem e me levantei, mas logo senti uma dor no joelho e me sentei novamente. Quando percebi, meu joelho estava ralado, assim como meus braços. Senti dor em algum
— Sei que você é dono do morro, mas tem que trazer esse trambolho para a mesa – Ju diz soltando uma lufada de ar, e nesse momento fico ainda mais perdida. — Acho que meu irmão esqueceu de te contar que ele é dono do morro.— Você é o tal do Gui que todos falam? – Pergunto surpresa e ele confirma. — Você é muito diferente do que imaginei.— Pois é, as pessoas acham que todo dono de morro usa correntes de ouro gigantescas e não sabem falar o português de maneira correta. – Nesse momento, fiquei muito sem jeito, pois era exatamente isso que eu pensava, Julia viu o meu semblante e soltou uma gargalhada o que me deixou ainda mais desconfortavel. — Relaxa, Steph, você está acostumada ao que vê nos filmes, é normal e compreensível. — Minha irmã está certa. – Gui sorriu para mim o que me deixou um pouco mais tranquila, imagina se eu falo algo inapropriado e ele me mata? Realmente não dá para julgar um livro pela capa. — Você também não é o tipo de patricinha que os filmes retratam. – Ju, d
Estava conversando animadamente com Giovanna quando Júlia chegou em sua moto. Ela me pediu desculpa por ter esquecido de passar seu número, e eu disse que estava tudo bem. Ju me passou um capacete e me mandou subir em sua moto, e foi o que eu fiz. Rapidamente chegamos à loja, que era bem grande. Contei toda a minha história a Fabiana, que foi super legal e me deu um emprego. Agradeci muito às duas e voltei para casa animada. Contei a novidade a Carol, que ficou feliz por mim. Pedi a ela que me ensinasse a varrer a casa, e ela me mandou trocar de roupa e pôr algo bem confortável. Então, peguei uma roupa emprestada de Manu, torcendo para que ela não achasse ruim.— Segura a vassoura desse jeito e varre assim. – Carol me dava instruções, e eu me sentia uma idiota, mas ela me tranquilizou, dizendo que é assim mesmo.Depois de quebrar um bibelô, olhei para a sala varrida e me senti orgulhosa. Nem acredito que consegui fazer isso. Carol olhou para mim orgulhosa e me chamou para seu quarto.