DESERTO DE CHIHUAHUA
— Una migra! Una migra! Una migra! Mira! - O coiote apontou para um ponto, no alto da colina, sobre o rochedo, sozinho, com uma arma de grosso calibre no colo. Dario Garcia estreitou os olhos, a figura estava parada no alto da rocha, inerte. Não parecia fazer mira ou algo assim, aliás, sequer parecia viva. Ele tratou de instruir os coiotes que trabalhavam para ele e seguiu, perpendicular, em direção à figura agourenta sobre o rochedo. Aproximou-se, devagar, passo após passo, esquivando-se, entre a rala vegetação rasteira do deserto, em seu paramento militar da cor da areia. "Uma migra, sozinha, mulher?" Ele identificava a silhueta da policial. Dario julgava: ou ela tinha se perdido ou estavam em solo estadunidense. Qualquer hipótese era problemática. Conforme se aproximava, o contrabandista percebia as nuances. Filetes de sangue seco partiam do nariz; a boca rachada, a pele exposta. Se estivesse viva, aquela criatura miserável, em pesado paramento militar, estaria em um sofrimento indescritível. Rastejando, Dario observava o distanciamento dos imigrantes e dos coiotes. Esperou até que a luminosidade, o vento quente e a distância do grupo lhe fossem favoráveis. Aproximou-se o mais devagar e silencioso que pode, como uma serpente, alcançando a coronha do fuzil de assalto que ela carregava. Arma típica da Polícia de Imigração naquelas condições. Sorrateiro, de uma só vez, puxou a arma para si, não encontrando resistência. O corpo da mulher tombou, sem reação, pesado, contra o solo, caindo de lado, sobre a arma. "Ou está morta ou negociando com o anjo." Ele pensou, se aproximando ainda mais, virando o corpo de peito para o alto. Era, de fato, uma mulher. No peito, a identificação: Tenente Brown. H. J. Dario, calculista, se aproximou do rosto dela, respirava, fracamente, mas não estava nem perto de morrer, ainda que severamente desidratada. Ela estava inconsciente, muito mais, provavelmente, pelo calor intenso do que pela severidade do deserto. Incrível era como era resistente. "Uma migra desaparecida costuma ter recompensa gorda." Ele ponderou. Abriu o cantil e despejou um pouco de água, já morna, sobre os lábios da policial. Sob os óculos escuros, percebia as queimaduras nítidas de dias de insolação, já lhe formando bolhas na pele, sob os olhos, fundos, escurecidos com a região sob os olhos já inchada. Estava em severo sofrimento. Pelo status, militar de patente, certamente, dias e mais dias. Dario analisava a situação da Tenente Brown. Estava ferida, para além de sua situação já preocupante, marcas de tiros no colete, um, abaixo da axila oposta da arma, havia tido o azar de raspar no equipamento e se desviar para o braço. A mão, já arroxeada, lhe informava que havia um torniquete em algum ponto daquele braço. Ele a desarmou. Além da arma maior, duas pistolas, uma do lado esquerdo, na altura do peito; outra, do direito, na cintura. Um pequeno revolver no tornozelo esquerdo e as facas, na cintura esquerda e no tornozelo direito. Sob a jaqueta, duas bolsas: uma de água, completamente esgotada, perfurada pelo que parecia um tiro e outra, no peito, perfurada, com o que parecia ser um kit médico. Nas pernas, cartucheiras com medicação, munição e algum alimento. Era bem preparada e estava perigosamente próxima a uma das rotas que utilizavam para passar com imigrantes e contrabando. Decidiu retornar à base de operações, definitivamente, ela estava perdida. De carro ou moto eram apenas alguns minutos, a pé e com toda aquela tralha, a informação mudava. A mulher tinha coisa de um metro e setenta de altura. Em boas condições, deveria ser um tipo bonito, de pele trigueira e boa compleição. Certeza era que era resistente. Caminhou, com ela em suas costas, desacordada, como uma mochila, até o abrigo vazio. Ali, aparentemente, um lugar inóspito e abandonado, a passagem para um bunker, escondida entre pedras, discreta e estrategicamente posicionada, tinha um mínimo de suporte para dar algum alento àquela alma engolida pelo deserto. Dario repousou a tenente no chão, abrindo o bunker, recolhendo-a e aos equipamentos. Na escuridão, acionou o ar condicionado e os filtros, acendendo as luzes do lugar subterrâneo. O homem não era inexperiente, desde que sua vida desmoronou, por um ato falho de seu passado, há mais de dez anos, ele se envolveu com aquele pesado jogo logístico da fronteira, ansiando por sentir-se um pouco vivo novamente, quando o deserto adotou sua alma miserável e lhe deu sustento, riqueza e abrigo, fazendo-o esquecer, um pouco, do passado que ele mesmo havia destruído. Dario despiu a tenente, deixando-a de lingerie de cor de pele e linhas retas, sem qualquer apelo. Havia um torniquete, pesadamente atado, com um curativo frouxo, no braço esquerdo. "Emocionante como uma velha senhora!" Ele ironizou, vendo o contraste entre o bonito corpo da Tenente, esbelto e atlético, resultado de anos de treinamento rigoroso e disciplina militar, e a lingerie horrorosa, que deveria ser confortável. Tinha a pele clara, levemente marcada pelo sol e pelo vento de missões ao ar livre. O cabelo, castanho escuro, preso em um rabo de cavalo, refletia sua praticidade e foco no dever. Pequenas cicatrizes em suas mãos e antebraços contavam histórias de batalhas e desafios superados ao longo de sua carreira. Era tudo conjuntural, mas ele imaginava aquela pequena narrativa da mulher à beira da morte. Cauteloso, ele limpou o corpo dela, revelando uma cicatriz baixa no abdômen e a perfuração no braço, cuja munição restava quase totalmente encravada. Ele revirou as coisas dela: antisséptico, analgésicos, curativos, tinha um bom arcabouço consigo. Militar de campo, típica. No pescoço, placas de identificação e um par de alianças, gravadas: Herbert e Helena e uma data. "Helena." Ele leu, retirando aquilo de seu pescoço. Zombava-se, brincando mentalmente com dolorosas informações: "Como a Helena de Tróia. Como a minha Helena." Ele preparou a pequena cirurgia. Esterilizou a agulha e o lugar, aquecendo a lâmina de uma das facas dela, com a qual cauterizou o ferimento. A mulher, enfim, reagia, minimamente, aquele extremo de dor, sem, contudo, despertar. "Só Deus sabe o que está passando, gatinha." Ele ponderava, soltando o torniquete e dando os pontos que aquela perfuração exigia. "É um milagre estar viva." Ele analisou a munição. No colete, mais distante, contou três tiros, todos de munição perfurante. Dario a ligou a uma bolsa de soro e abriu os olhos, delicadamente, pingando colírio. Ela tinha olhos claros, acinzentados. "Uma cor bonita. Minha Helena tinha olhos assim, mais azulados." Ele se lembrava, saudoso. "Como será que ela está? Já deve ser uma mulher. Eu gostaria de de vê-la. Depois do ensino médio e do divórcio, ela deve ter feito algo bom." Dario dava o primeiro gole no gargalo da garrafa de tequila, observando sua paciente.Dario passou horas observando sua paciente. Trocou a bolsa de soro e umedeceu seus lábios com o algodão molhado. Ela era bonita para uma militar, admirava-se do motivo de alguém, como ela, ter virado uma. Com o fim da segunda bolsa, ele a rolou e pôs sob o corpo um tapete descartável higiênico, para cães, para o caso de ainda estar inconsciente quando todo aquele líquido resolvesse sair. Adormeceu, com a pistola em punho, pronto para matá-la, se fosse necessário. Helena sentia a dor excruciante lhe roer a alma, forçando-a a perceber-se. Algo lhe tampava os olhos, estava viva e aquilo bastava naquele instante. A cabeça doía um inferno e os olhos, mesmo fechados, ardiam. A boca e a garganta secos, algo lhe feria o braço, dolorosamente. Ela gemeu, baixinho. Dario despertou. A mulher respirava, ofegante, inquieta. Se não estivesse desperta, logo acordaria. — Me ouve? Me entende? - Ele perguntou, em espanhol, percebia o gesto de cabeça dela, confirmando. Estava desperta. - Qual seu
Algo naquele lugar escuro, no Deserto de Chihuahua cheirava bem. Helena gostava do aroma. Dario a servia de um caldo de legumes, batido e leve. Guiou as mãos dela até a borda da tigela e da colher, mas ela não tinha firmeza nas mãos, tremia muito, ainda sem forças. — Me permita ajudá-la, senhora. - Dario tomava a frente, alimentando-a, colher por colher. Ela se fartou com pouco, o estômago cheio. - Amanhã, vamos partir e levar você até a fronteira. - Ele anunciou, precisava resolver aquela militar antes que ela identificasse o caminho. - Não se preocupe, você estará em casa, com sua criança, antes do anoitecer. — Não tenho uma criança, amigo. - Ela respondeu, curtamente.— Mas tem uma cicatriz no ventre. - Ele seguiu, aplicando o gel sobre a queimadura e o colírio nos bonitos olhos daquela mulher. — Oh! Isso. - Ela piscou os olhos, já não ardiam mais e nem sentia tanta dor. O ferimento no braço era o mais incômodo. Dario limpou o ferimento, cobrindo-o com gaze. — Não precisa falar
Um dia no trabalho e o relatório da ação indicava falha na ação. Em seu escritório recebia o comandante, com o braço que repousava, fora da tipóia, sobre a mesa.— Como está, Helena? - Renard perguntou, fechando a porta atrás de si. — Ah, Peter! Cara! Tive muita sorte. - Ela suspirou. - Fomos emboscados. Ou errei feio nos cálculos do planejamento ou vazou informação. De qualquer forma, a sindicância vai encontrar o problema e me cortar ou achar o boca aberta. Fiz o que pude para livrar a equipe. No time, só eu não tenho família. Sabe como é difícil dar notícia de "Morto em Ação" para quem sobrevive. — Helena, mesmo assim, deveria ser mais cautelosa com esses imprevistos. - Peter a repreendia, suave e amistosamente.— Vou tentar na próxima, Peter. - Ela respondeu, massageando os olhos sob as pálpebras. — Complicadas essas queimaduras nos olhos. Coçam um inferno. - Ele puxava conversa. — Começou aqui. No deserto, esse cara que me resgatou, tinha um colírio que foi excelente. - Ela r
Peter a fez companhia. Stuart foi chamado e chegou o quanto antes, examinou Helena. Parecia bem. — Tenente Brown, a senhora está esgotada e passou por eventos importantes recentemente. - Ele informou, friamente. - Minha dificuldade está em traçar o claro limite entre Burnout e TPT. - Ele disse, direto. — Impossível, Capitão. - Peter interveio. - Ela estava bem ontem. — Ontem? Eu apaguei vinte e quatro horas? - Helena perguntou, impressionada. — Aí é que estamos. - Stuart pontuava. - Você já tinha passado mal assim antes, quando seu marido morreu e você, por pouco, não foi a terceira vítima daquele caminhão. O que a fez saber que ia desmaiar? - O médico investigava. — Senti um desequilíbrio, minha visão turvou de uma vez, como se eu estivesse, não sei, flutuando no ar. - Ela respondeu. — Você precisa tirar algum tempo para si. - Stuart recomendou. - Encontre algum apoio, talvez o comandante. Ao que me parece, são amigos chegados. - O médico se virou para Peter. - Certifique-s
Helena e Dario passaram a tarde conversando sobre a vida no Deserto. Ele dizia ser Geólogo. Estudava áreas como aquela, desérticas, o que fazia sentido para ele. Ela era formada em filosofia, algo inusitado para uma militar. Riam daquilo. Quando Peter chegou, Helena parecia bem melhor, mais alegre também. — Vejo que o Capitão estava certo. - Peter parou na porta. Em seu uniforme, para o escritório, era um homem irremediavelmente bonito, aparência impecável que refletia sua posição de autoridade, algo, de pouco mais de um metro e oitenta de altura, postura ereta e disciplinada, resultado de anos no serviço militar. Os cabelos, castanho-claros, sempre bem penteados, já começavam a mostrar sinais de grisalho nas laterais, adicionando um ar de maturidade elegante. Seus olhos azuis, penetrantes, carregam uma mistura de autoridade, luxúria e mistério, com a expressão, geralmente, séria. Havia aquele charme nele, que Helena achava encantador. Peter sempre foi cuidadoso com sua imagem púb
Sem toda a farda, Peter era um tipo bastante atraente. Helena, uma garota, viva e meiga, fora do Deserto, caminhava agarrada ao braço de Peter. Ela já não morava perto da base tinha muito tempo. Peter gostava da nova vizinhança dela, cheia de senhorinhas curiosas e pequenas famílias. Era um bem viver.— O que quer cozinhar? - Peter perguntou.— Você quem sabe. Eu faço fotossíntese. - Ela brincou mas Peter sabia que havia alguma verdade naquilo. - Vou ali na farmácia, me espera.— Analgésicos? - Ele perguntou. — No! Preservativos para a noite toda. - Ela provocou. Escandalizando duas velhinhas que o encararam, coradas. Helena o constrangida, descaradamente. Peter perdia a compostura, envergonhando-se. Maneou cabeça em um aceno para as velhas que desviaram o olhar dele. Ela levou algum tempo para sair dali, com um pequeno pacote na mão. - Pronto! Preparado! - Ela gargalhou, divertia-se às custas do amigo. — Você me mata, sabia? - Peter disse, sem jeito. No mercado, ela pegou alguns i
— Seu cheiro é tão gostoso, Helena. - Peter disse baixinho, segurando as mãos dela contra a pia. Com o queixo, afastou os cabelos dela e lhe mordiscou o pescoço. Sentia o corpo daquela mulher estremecer. — Pete. - Ela disse séria. - Se a gente continuar com isso, não vai ter volta. - Ela arqueou-se sob aquele domínio, com a mordida em seu ombro, mais firme. Sentia-o quente, pressionando seu corpo contra o dela, excitado.— Você não quer, minha doce Helena? - Ele rosnou, entre os dentes. - Podemos ser amigos ainda, no café da manhã. — Pete. - Ela gemeu, sentindo a ponta da língua daquele homem percorrer o desenho de sua orelha. Por cima da blusa, via os mamilos excitados dela, ela já estava tomada pela luxúria. Peter perdeu os sentidos com o contexto, girou Helena sob seu comando, a colocando de frente para si. Ele beijou sua boca, era doce, com os lábios mornos do vinho. Ele intensificou a exploração do manancial que lhe saciava a sede daquele beijo, tão necessário em sua vida. Hele
— O que são todas essas coisas? - Peter notava Gregory separar os frascos e cartelas em grupos. — Remédio para dormir, calmantes, indutores de sono, antialérgicos, remédio para digestão, cardíacos. - Ele identificava grupo. - Com álcool, apagam um elefante, individualmente. Em conjunto, são pior do que entorpecentes sintéticos. Faz sentido ela desmaiar com frequência. - Ele analisou.— Isso me preocupa, Greg. Como ter uma líder entorpecida? - Peter se percebia: poderia não ter havido vazamento de informações, mas falha de cálculo, na execução do planejamento dos riscos. Helena poderia estar dopada quando pôs a estratégia em ação. - Preciso voltar para o escritório, Capitão? - Peter se levantou, atordoado, retornando ao escritório. Em seu gabinete, solicitou os documentos de planejamento e os relatórios da operação. Revisava, fase por fase. Apesar de tudo, o plano era perfeito, não havia erro. Restava a segunda hipótese: a operação havia sido sabotada, fosse por erro na execução ou u