003

Algo naquele lugar escuro, no Deserto de Chihuahua cheirava bem. Helena gostava do aroma. Dario a servia de um caldo de legumes, batido e leve. Guiou as mãos dela até a borda da tigela e da colher, mas ela não tinha firmeza nas mãos, tremia muito, ainda sem forças.

— Me permita ajudá-la, senhora. - Dario tomava a frente, alimentando-a, colher por colher. Ela se fartou com pouco, o estômago cheio. - Amanhã, vamos partir e levar você até a fronteira. - Ele anunciou, precisava resolver aquela militar antes que ela identificasse o caminho. - Não se preocupe, você estará em casa, com sua criança, antes do anoitecer.

— Não tenho uma criança, amigo. - Ela respondeu, curtamente.

— Mas tem uma cicatriz no ventre. - Ele seguiu, aplicando o gel sobre a queimadura e o colírio nos bonitos olhos daquela mulher.

— Oh! Isso. - Ela piscou os olhos, já não ardiam mais e nem sentia tanta dor. O ferimento no braço era o mais incômodo. Dario limpou o ferimento, cobrindo-o com gaze.

— Não precisa falar, se isso a incomoda. Eu estava puxando conversa, Helena. - Ele disse, tranquilo.

— Obrigada por entender. - Ela sorriu, havia um algo amargo naquele arco no rosto da militar.

— Disponha. - Ele respondeu. - Quer tomar um banho? Deve ser sentir melhor agora. - Ele ofereceu.

— Não, amigo. Se estarei na base amanhã, um dia a mais ou a menos de pele grudenta não fará diferença. - Ela respondeu, voltando o rosto para baixo. Sentiu a mão gentil dele firmar seu rosto e erguê-lo.

— Não é bom olhar para baixo assim com essas queimaduras. Certifique-se de procurar um médico assim que entrar na sua base. - Ele afirmou. - Vou tentar levar você o mais perto possível de sua base.

— É o suficiente. Obrigada. - Ela agradeceu. - Posso me deitar? Estou exausta. - Pediu educadamente. A voz dela era algo que o fazia sentir uma coisa diferente. Ele a pegou no colo e a levou para a cama, acomodando a mulher ferida e a cobrindo. Na parede, do quarto escuro, um borrão mais claro, em que sombras e manchas se moviam, era impossível discernir. Helena dormiu, despreocupada.

Ela acordou em um furgão, vestida com suas roupas limpas, em movimento, não enxergava nada.

— Bom dia, princesa dorminhoca. - A voz de Dario a recebia. A ansiedade daquele despertar dissipava no ar.

— Bom dia, amigo do deserto. - Ela respondeu.

— A cabeça ainda dói? - Ele disse, a fala interrompida e fofa, mastigava algo. Pão, talvez.

— O que está comendo? - Ela perguntou, aquilo cheirava bem.

— Sanduíche. Quer um pedaço? - Ele perguntou.

— Quero. - Ela tateou o ar, no sentido da voz, recebia dele o sanduíche, já mordido, mas cheirava bem e tinha bom sabor. Pão, ovos, bacon, queijo. Ela se fartava.

— Está nem vendo o que está comendo? - Ele se divertiu, brincando com ela.

— Veja o lado bom: Se você for o maior bandido de todo Oeste, eu não saberia quem é. - Ela devolveu a brincadeira, lhe apontando o dedo, como uma arminha. "Minha Helena também fazia isso." Ele se ria. Ela lhe devolvia o sanduíche depois de algumas mordidas.

— Sem apetite, Tenente? - Dario lhe perguntou, recebendo a comida.

— Acho que não me recuperei do choque com o deserto. - Ela sentia o cheiro do café, quente. - Café?

— O melhor da fronteira! Pare a mão e lhe entrego a garrafa. - Ela manteve o punho firme. Tomou um gole do café forte e amargo.

— Açúcar. Maias, incas e astecas desconhecem açúcar. - Ela fazia uma careta com o amargo. - Putz, eu daria um braço por um cigarro.

— Está tendo. - Ele disse. - Vai?

— Aceito. - Ela respondeu. Recebeu o maço e o isqueiro, acendeu um e tragou. - Deus! Isso é sensacional. Será que já sou dada como "perdida em ação"?

— Vai saber. E se for? - Dario perguntou, fingindo inocência.

— Nesse caso, há uma recompensa. - Ela respondeu. - A que faz jus, inclusive, amigo do deserto.

— Dinheiro nunca é ruim. - Ele respondeu. - Ainda vai tomar o café?

— Não. Meu paladar prefere óleo de motor. - Ela lhe mostrava a língua. Muito trejeitos dela lhe lembravam sua Helena. Eram muitas coincidências, mas, naquela situação, informação costumava ser controlada. Não era raro receberem recompensas por perdidos ou mortos em ação na fronteira, especialmente, depois do fechamento do cerco na fronteira com o Texas.

— Você é incrível, Tenente. - Ele disse. - Vou deixar meu número marcado. Quando melhorar, podemos tomar uma cerveja juntos. Se quiser, claro. - Ele a convidava.

— Quem sabe? - Ela sorriu, fechou os olhos e recostou a cabeça no banco mais uma vez. Adormecia, com o balanço do carro.

Ele conduzia. Chegava ao posto da imigração, descarado. Ela dormia, pesadamente. Dario olhou para o lado, apresentava as placas de identificação dela. Era escoltado até a base da imigração. Helena acordou nos braços da equipe médica.

— Tenente Brown. Sou eu, o Capitão Médico Stuart. A senhora foi trazida do México por um courier. Vamos examiná-la. - O homem a carregava.

Dario se identificou, nome falso: Carlos Martinez. Deixou seu número e recebeu a recompensa. Um "Perdido em Ação" pagava tão bem quanto um grupo de cinco pessoas de ilegais e dava muito menos trabalho. Ele partiu, deixando as coisas dela, inclusive armas e munição. Helena, em pânico, era revirada pela equipe médica. Exceto pelos antibióticos, nada mais foi feito. O ferimento cicatrizava bem e havia sido bem cuidado.

Dias se passaram até que ela voltasse ao seu posto. Ainda se lembrava da gentileza do Amigo do Deserto, misterioso, que, agora, tinha um nome e um telefone. No escritório, foi recebida como heróina. Graças à sua ação, ninguém se feriu gravemente.

— Tenente "Hellish Joker" Brown! - O Major da unidade a recebia, de braços abertos. - Seja bem vinda. Você me fez ganhar uma bolada! Apostei que voltava à ativa.

— Comandante Renard! - Ela o cumprimentava, em um aperto de mãos efusivo. - Agradeço a consideração da equipe de campo. - Ela gargalhou debochada. Seu sargento a olhava, pasmo.

— Soube que ficou uns dias para conseguir acertar o café na xícara. - Ele animava. O lugar tinha uma faixa de boas vindas e comes-e-bebes de recepção. Ela se apresentava, digna, em fardamento formal, bem alinhada, com o cabelo em um coque justo e impecável, como a suave maquiagem, que lhe escondia as pesadas queimaduras no rosto.

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