Helena e Dario passaram a tarde conversando sobre a vida no Deserto. Ele dizia ser Geólogo. Estudava áreas como aquela, desérticas, o que fazia sentido para ele. Ela era formada em filosofia, algo inusitado para uma militar. Riam daquilo.
Quando Peter chegou, Helena parecia bem melhor, mais alegre também. — Vejo que o Capitão estava certo. - Peter parou na porta. Em seu uniforme, para o escritório, era um homem irremediavelmente bonito, aparência impecável que refletia sua posição de autoridade, algo, de pouco mais de um metro e oitenta de altura, postura ereta e disciplinada, resultado de anos no serviço militar. Os cabelos, castanho-claros, sempre bem penteados, já começavam a mostrar sinais de grisalho nas laterais, adicionando um ar de maturidade elegante. Seus olhos azuis, penetrantes, carregam uma mistura de autoridade, luxúria e mistério, com a expressão, geralmente, séria. Havia aquele charme nele, que Helena achava encantador. Peter sempre foi cuidadoso com sua imagem pública: usava trajes perfeitamente ajustados e uniformes impecáveis. Era impossível não admirá-lo. - O descanso fez bem. Pedi ao Tenente Rosenbauer que assumisse sua equipe até segunda. Vou tentar levar você para um lugar tranquilo, onde possa se recuperar um pouco. — Own, Pete. Você sempre foi o amigo perfeito. - Ela sorriu, suavemente, abrindo os braços para ele. — O Capitão diz que dá para liberar você, desde que tenha acompanhamento. Tem um sofá meia-boca naquele seu cativeiro? - Ele brincou. — Ah, deve ter um colchonete e uns papelões sobrando para você. - Ela entrava na brincadeira. Eram amigos de longa data, desde quando ela entrou na academia. Peter e Hebert eram unha e carne, até que Hebert se encantou pela novata que treinava. Era do administrativo, mas treinava com o pessoal de campo, pesado. Não era raro estar machucada naquela época. Era muito retraída e frágil, vinha de um histórico pessoal péssimo, divorciada, havia se casado logo depois da formatura, mas, por algum motivo, aquilo não durou. Com o divórcio dos pais, ela optou pela carreira militar como forma de compensar sua fragilidade. Stuart viveu em função dela nos primeiros meses. Hebert ou Peter sempre acabavam ali, com ela. O médico chegara a se encantar pela morena de olhos de gelo, resistente e bem disposta, apesar de estabanada, mas, com uma imensa diferente de idade, dois filhos, uma esposa bonita e amorosa, achava que não compensaria se arriscar por uma paixão breve. O Capitão os observava da porta, fazia suas visitas. Vendo-os, acabou se perdendo em memórias, por fim, se recompôs de sua divagação e decidiu entrar no quarto. — Major. Tenente. - O Médico os cumprimentou. - Vou deixar a alta na recepção, Brown. Tenta por juízo na cabeça e descansar o corpo para não virar cadáver. — Sim, senhor. - Ela respondeu, sorrindo fartamente para ele. Mesmo passados mais de dez anos, ela ainda irradiava o brilho jovial. Era fácil de se perder naquele caminho do sorriso dela. Peter a levou para o carro, passou em sua casa e a guiou para o apartamento dela. Vivia em um bairro povoado, de vizinhança tranquila e bem servida. O apartamento era bem decorado, de estilo confortável, com muita luz e ar. "A cara dela. Iluminado e prático." Peter entrava ali pela segunda vez na vida. Na primeira, sequer havia mobília. Agora, com as cortinas nas portas duplas altas, que davam acesso a sacada daquela cobertura, com uma linda visão do parque e da cidade, os móveis distribuídos, tudo parecia diferente. Ele percebia, sobre a mesa de centro, duas garrafas de bebidas vazias e o cinzeiro cheio. Ela estava, basicamente, afogando os sentimentos. Definitivamente, esgotada. — Poxa, meu amor. - Peter disse. - Sou tão péssimo assim como chefe? - Ele gracejou. — Muito pior. - Ela gargalhou, chutando os sapatos de lado. - Vou preparar seu quarto, Pete. Fique à vontade. - Ela sumiu pelo corredor de piso de madeira, bem polido. Peter passeou pelo lugar. Era bastante impessoal. Nada de fotos pessoais, condecorações ou medalhas. Não ostentava troféus e nem nada. Tinha muitos espelhos, entre plantas falsas, de alta qualidade, mas nada naturais. Dava um bom aspecto. Cristais e bandejas se espalhavam pelos aparadores, ao lado de fruteiras vazias. Ele abriu as portas da varanda. Três grandes portas balcão, duplas, cuja brisa movimentava as cortinas claras e esvoaçantes. Na varanda, uma hidromassagem, um bonito conjunto de estofados, a espreguiçadeira e o guarda-sol. Ao lado da hidromassagem, mais algumas garrafas e uma taça manchada de vinho tinto. Ela estava abusando, era certo. Tinha uma semana que havia sido retornada à ativa e já estava naquele estágio. Peter começava a se preocupar com Helena. Parecia tão firme e alegre, mas a verdade, por trás do bonito espelho, era um lugar sombrio em que ela se anestesiava bebendo muito, provavelmente, até perder a consciência. Helena retornou, algum tempo depois, confortavelmente vestida, em uma calça jeans, que desenhava seu corpo escultural e uma regata de seda, de alças finas. Os cabelos, ondulados e brilhantes, soltos, lhe davam o aspecto livre e jovial, cheio de energia. Ela ajeitava a bagunça, rapidamente. — Pete! Vem comigo, vou mostrar seu cativeiro! - Ela brincou, abaixando-se para pegar as garrafas, o cinzeiro cheio e a taça. O decote revelava o busto magnífico, modelo da própria Vênus. Ele notava as marcas queimadas delineados no rosto. A mulher tinha um perfume frutal sobre a pele. "Morangos e champagne." Peter identificava o cheiro. Ele a acompanhou, pegando a mochila e o uniforme limpo, seguindo-a. As portas ficavam frente a frente, a do quarto dela estava encostada, pela fresta, ele percebia um lugar limpo e organizado, apesar das roupas jogadas sobre a cama. A suíte em que ela o acomodou era bem decorada, em nada perdia para um quarto de um requintado e moderno hotel. - Pronto! Devidamente enjaulado em algo bem perto de Guantanamo. - Ela brincava, leve. Peter notava certa tristeza no olhar dela, algo difícil de entender e, pior ainda, de decifrar. Estava escondendo algo. — Obrigado, Helena. Vou me acomodar. - Ele soltou a mala sobre a banqueta, aos pés da cama. — O que quer jantar? - Ela ofereceu, sorria. - Vou sair rapidinho para buscar os ingredientes. — Hum. - Ele gracejou, tirando o terno e afrouxando a gravata, sedutor. "Isso aí explica não repetir cama." Ela sorriu com um toque malicioso no olhar, que logo foi repreendido. - Se me esperar, vamos juntos.Sem toda a farda, Peter era um tipo bastante atraente. Helena, uma garota, viva e meiga, fora do Deserto, caminhava agarrada ao braço de Peter. Ela já não morava perto da base tinha muito tempo. Peter gostava da nova vizinhança dela, cheia de senhorinhas curiosas e pequenas famílias. Era um bem viver.— O que quer cozinhar? - Peter perguntou.— Você quem sabe. Eu faço fotossíntese. - Ela brincou mas Peter sabia que havia alguma verdade naquilo. - Vou ali na farmácia, me espera.— Analgésicos? - Ele perguntou. — No! Preservativos para a noite toda. - Ela provocou. Escandalizando duas velhinhas que o encararam, coradas. Helena o constrangida, descaradamente. Peter perdia a compostura, envergonhando-se. Maneou cabeça em um aceno para as velhas que desviaram o olhar dele. Ela levou algum tempo para sair dali, com um pequeno pacote na mão. - Pronto! Preparado! - Ela gargalhou, divertia-se às custas do amigo. — Você me mata, sabia? - Peter disse, sem jeito. No mercado, ela pegou alguns i
— Seu cheiro é tão gostoso, Helena. - Peter disse baixinho, segurando as mãos dela contra a pia. Com o queixo, afastou os cabelos dela e lhe mordiscou o pescoço. Sentia o corpo daquela mulher estremecer. — Pete. - Ela disse séria. - Se a gente continuar com isso, não vai ter volta. - Ela arqueou-se sob aquele domínio, com a mordida em seu ombro, mais firme. Sentia-o quente, pressionando seu corpo contra o dela, excitado.— Você não quer, minha doce Helena? - Ele rosnou, entre os dentes. - Podemos ser amigos ainda, no café da manhã. — Pete. - Ela gemeu, sentindo a ponta da língua daquele homem percorrer o desenho de sua orelha. Por cima da blusa, via os mamilos excitados dela, ela já estava tomada pela luxúria. Peter perdeu os sentidos com o contexto, girou Helena sob seu comando, a colocando de frente para si. Ele beijou sua boca, era doce, com os lábios mornos do vinho. Ele intensificou a exploração do manancial que lhe saciava a sede daquele beijo, tão necessário em sua vida. Hele
— O que são todas essas coisas? - Peter notava Gregory separar os frascos e cartelas em grupos. — Remédio para dormir, calmantes, indutores de sono, antialérgicos, remédio para digestão, cardíacos. - Ele identificava grupo. - Com álcool, apagam um elefante, individualmente. Em conjunto, são pior do que entorpecentes sintéticos. Faz sentido ela desmaiar com frequência. - Ele analisou.— Isso me preocupa, Greg. Como ter uma líder entorpecida? - Peter se percebia: poderia não ter havido vazamento de informações, mas falha de cálculo, na execução do planejamento dos riscos. Helena poderia estar dopada quando pôs a estratégia em ação. - Preciso voltar para o escritório, Capitão? - Peter se levantou, atordoado, retornando ao escritório. Em seu gabinete, solicitou os documentos de planejamento e os relatórios da operação. Revisava, fase por fase. Apesar de tudo, o plano era perfeito, não havia erro. Restava a segunda hipótese: a operação havia sido sabotada, fosse por erro na execução ou u
Helena deu seu jeito de entrar no transporte intermunicipal, rumo oeste. Havia um motel, investigado um sem número de vezes naquela rota, em um lugar ermo, fora das rodovias principais. Cruzar a fronteira a identificaria e ela sentia aquela angústia de voltar ao deserto. Não raciocinava. Não teve dificuldades para chegar, ainda que fosse incapaz de fechar os olhos, secos e dolorosos. A dor, pelo corpo, a torturava. Tinha a garganta seca e aquela angústia de chegar ao deserto. As rotas oficiais estavam fora de cogitação. Estava confusa e aquela única noite de descanso genuíno, sob os cuidados do "Amigo do Deserto", fora algo vital para ela. No motel, pagou a dinheiro, sem perguntas. Não era um lugar luxuoso, mas estava fora dos radares oficiais. Ela tomou um longo banho, comprou um maço de cigarros e uma garrafa de tequila e ligou seu celular. As mensagens caiam, enlouquecidas, ela as deixou entrar, sem, contudo, desbloquear o aparelho. Tanto Dario quanto Peter recebiam a notificaçã
Peter esperou ela se acalmar. Afastou o rosto dela do peito, ambos os olhos estavam tomados pelo sangue, era difícil de encarar a mulher. — Me diz o que consegue ver, bebê. - Ele pediu. — Nada, Pete. - Ela enxugou o nariz com o braço, estava muito sensível. - São borrões de cores e manchas. Eu... - Ela voltava a se emocionar. - Pete, eu não sei o que fazer. Cega, estéril, sozinha. - Ela voltava a chorar. - Não quero virar uma veterana apodrecendo num asilo, esperando a morte me buscar. Eu prefiro morrer. - Ela se agarrou a camiseta do homem. — Aceita um pouco de ajuda deste palhaço aqui, Helena. - Ele suplicou. - Vou ligar para o Greg. — Não! Ele vai me enfiar numa clínica psiquiátrica, não quero viver assim. - Ela se agitava, a cor sumia dela. — Calma, Helena. Respira. Você vai desmaiar assim. - Ele aconselhou. - Respira comigo, gatinha. - Ele cadenciava a respiração. Helena o obedecia, sem pensar. - Isso! Assim. Continua. Se eu o fizer prometer que não vai arrastar você par
— Alguns pequenos coágulos. - Disse o médico a Helena. - Vamos resolver imediatamente. Vai levar alguns dias para que volte a enxergar algo. - Ele informou, fazendo uma série de recomendações que Helena tentava memorizar. Em pouco tempo, a agulha no canto de cada olho e algo que parecia que iria sugar seu olho para fora do rosto. Estava completamente cega, na mais absoluta escuridão. - Mantenha os olhos fechados, Senhora Brown. - A mão do médico lhe afagava o rosto, fechando as pálpebras. - Será mais confortável. Se for possível, mantenha o mais absoluto repouso. — Obrigada, Doutor. - Helena agradeceu. — Nos vemos amanhã, para o acompanhamento. - O médico indicou. Em minutos, voltavam para casa. Bacon informou o Major e o Capitão. Recebia instruções. — Tenente, entendo seu orgulho como mulher e como superior. Fui designada para auxiliar a Senhora. Gostaria de algo? Um banho? Uma refeição? Que eu busque algo mais tarde? - A soldado ofertava. — Cigarros, Bacon. - Helena retrucou.
— Onde está a Tenente, Soldado? - O Capitão exigia. — No banho, Senhor. - A jovem lhe rendia continência. Peter se orgulhava do comando de sua Helena, em horas havia disciplinado a novata mais rebelde da base. Ela tinha o jeito. Peter, sem uma única palavra, entrou pela casa. Ouvia o chuveiro ligado. — Querida? - Ele bateu à porta. Não houve resposta. Decidiu entrar. Com fones, Helena se banhava. O corpo atlético, já com algumas cicatrizes da vida, esguio e bem modelado era acariciado pela água, a música alta chiava para fora dos fones. Cabelos molhados, olhos fechados. Devagar, tateava o lugar. Encontrou a toalha. Ele estava ali, com ela nua, parado a poucos centímetros dela, excitado. — Maria? - Ela perguntou, tirando os fones. Percebia a respiração quente que vinha de um ponto mais alto. — Quem é Maria? - Peter perguntou, refreava, tenso, o instinto de agarrar aquela mulher e a devorar ali mesmo. — Oh! Pete. - Helena se enrolou na toalha. - Me desculpe, eu precisava dis
— Gosto de estar com você. A base só seria mais prático enquanto se recupera. - Ele a via, olhos fechados. - Me deixa ver seus olhos. - Ordenou, suave. O sangramento cedia, pequenas ramificações e a vermelhidão nos cantos era o que restava. - Vou pegar o colírio na sua geladeira. - Ele se levantava, nu. Ela via apenas o borrão, disforme, diante de si. Voltava, com água e o colírio. - Tome, um pouco de água para recuperar o fôlego. Vem cá. - Ele determinava, o cuidado, terno, tão necessário, era um conforto, que há muito não sentia. Ela se sentou na beira da cama, ele lhe abria os olhos, um após o outro, e pingava aquela mistura, o alívio imediato era algo que a fazia relaxar. — Caraca! Isso é bom! - Ela solfejou. - Carlos tinha razão. - Ela disse, aliviada, sem perceber como Peter reagia. — Carlos é o "Amigo do Deserto"? - Ele perguntou, disfarçando o ciúme na voz, máscula e grave, que falava suavemente com ela. — É sim. Não acho que seja esse nome, mas me salvou de virar comida