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Desert Rose
Desert Rose
Por: Ricardo Moriah
Capítulo 1 - Diana

O dia estava maravilhoso na manhã daquele sábado, fim de novembro de 1993, em Guarujá, litoral de São Paulo. As águas do canal que separa a ilha de Santo Amaro do continente (Santos) estavam bem calmas.

Sentado numa das cadeiras de madeira, que envolviam nossas pequenas mesas, eu mantinha minha mente presa à página 118 do livro “O que ela viu em mim?” do escritor Ricardo Moriah. 

Sob aquela grande cobertura do quiosque da cantina, onde mesas pequenas estavam dispostas num grande círculo, eu me mantinha fixo ao som de Snow Piece, de Vangelis.

Os pequenos fones de ouvido de meu Walkman me impediam de voltar à realidade sonora do local, onde pássaros, barcos e os infelizes mosquitos davam o ar da graça.

Tudo parecia bem naquela manhã tranquila, que não deixava de ser igualmente monótona. Os clientes ainda não haviam chegado e eu podia relaxar…

De repente, percebo uma figura passando ao meu lado rapidamente, indo em direção à pequena mureta que separa o restaurante da água do enorme canal.

Com pequena estatura, devia ter pelo menos 1,65 m de altura, presumi, a garota tinha longo cabelo loiro caído sobre as costas. Num vestido azul com listras brancas, a jovem apoiou as mãos sobre a mureta e ficou a admirar a vista.

Fixando minha visão nela, presumi novamente que ela tivesse uns 15 anos. Mal sabia eu que acertaria isso. Então, voltei ao meu livro sem me dar conta de que clientes poderiam ter chegado, mas meu pai estava na cantina. Daí, continuei na 118…

Eis então que passa uma segunda garota, mas esta é mais alta que a primeira, tendo igualmente longo cabelo dourado e trajando um short jeans curto, exibindo assim suas belas pernas.

Com blusa de cor azul-claro e em tecido rendado, onde era possível ver seu top branco, a garota voltou seu olhar para mim, mas seu semblante era sério.

Os olhos verdes eram claros e faziam uma interrogação ao mirar-me. Sem parar para contemplar minha pessoa, voltou-se novamente na direção da outra jovem. Disfarcei um pouco para não dar bandeira, mas reparei que a menor apontava algo na água, fazendo a maior imitar um sorriso.

Decidido a ver se mais pessoas estavam chegando, virei-me para olhar o balcão da cantina, atrás do quiosque. Contudo, minha visão foi subitamente bloqueada por uma pessoa. 

Confesso que levei enorme susto, pois não divisei o que queria, mas uma terceira garota, que estranhamente me encarou ao interromper seu passo brevemente.

Olhei rapidamente para cima, dado que ela estava quase atrás de mim. Ao mirar em seu rosto branco, logo fui arrebatado pelos lindos azuis que me contemplavam.

Com cabelos negros caídos sobre os ombros, a jovem parecia surpresa a me ver e rapidamente formou um belo sorriso em seus lábios. Eu, Guilherme, já estava de boca aberta por erguer a cabeça e, talvez, isso a tenha deixado curiosa a meu respeito.

Reparei quando ela disse algo, mas eu não escutei, afinal, estava com os fones e a música era alta. Só aí me dei conta e os puxei pelos fios, voltando a ouvir normalmente.

— Desculpe! Eu te assustei? — disse a moça.

Mirando-a, ainda de boca aberta, voltei do transe momentâneo e respondi quase gaguejando:

— Sim! Quer dizer, não! Claro que não! É que eu não esperava…

Fiquei sem mais palavras, mas ela rapidamente me completou:

— Que houvesse alguém atrás de você, né?

— É…

Respondi desconfortável, mas ela me “salvou”. Então, olhando para o que eu segurava nas mãos, disse:

— Parei para olhar o que estava lendo, me desculpe, é que amo muito livros…

Meio sem jeito, ergui meu exemplar e o fechei para que ela pudesse ver a capa. A moça sorriu novamente e pude notar como ficou encantada com o que viu, tendo este uma mulher loira em imagem mesclada com um trólebus, que ela não comentou…

— Que linda capa! Achei interessante este título.

Quando ia continuar, a loira alta a chamou pela abreviação de seu nome.

— “Di”, vem cá ver — disse a loira.                                         

Sorrindo para a outra, a morena mirou em mim novamente e falou:

— Ah! Com licença, me deixa ver o que minha irmã quer. Depois a gente se fala…

Assenti com a cabeça e a vi se juntar à outra. Ali, concluí que as três eram irmãs. Contudo, quem me chamou mais atenção foi a morena, a “Di”. Com uma blusa branca, meia manga e uma saia azul-claro, dotada de estampa de flores, a moça exibia curvas sensuais, que me atraíram.

Não imaginei qual seria seu nome, apenas fiquei a admirar seu corpo e seu lindo cabelo, que era um contraste forte com as outras duas. Então, em dado momento, “Di” olha para trás com um sorriso no rosto e me pega observando-a, ainda em transe diante de tão bela visão.

Assustado, voltei imediatamente à página 118, porém, eu não conseguia ler mais nada. As letras se tornaram como hieróglifos e eu havia de fato perdido minha Pedra de Roseta. Meu objetivo, entretanto, era decifrar o que aqueles olhos azuis tentavam me dizer…

Lentamente ergui a cabeça e notei que ela novamente observava o mar. Aliviado por não ser flagrado de novo — sim, eu já estava alterado por ela — levantei-me rapidamente e fui até a cantina.

Chegando ao balcão, meu pai me encarou com ar sério e disse:

— Vá buscar uma caixa de leite no carro e volte logo, que os clientes estão chegando.

Concordei com “seu Manoel” e fui até nosso automóvel, uma Volkswagen Kombi Standard 1980 de cor branca. Já bem surrada, ela era o carro que meu pai utilizava para abastecer a cantina da Marina Triton, às margens da rodovia Guarujá-Bertioga.

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Pardo como meu pai, mas bem mais claro, devido a minha mãe, a Eliza, eu era magro como ele e alto. Na época, com 19 anos, eu já tinha 1,80 m. Manoel era um homem severo e rude, mas que tinha às vezes seus momentos de afeição paternal.

Por sorte, eu era filho único, pois, não teria um irmão para aprontar e eu levar a culpa. Ainda assim, se eu não andasse na linha, a punição seria uma surra, geralmente de cinto. Bem, a última que tomei foi aos 14 anos…

Ainda assim, eu tinha muito medo dele e de seus gritos estridentes, suficientes para eu conjecturar arrumar minhas coisas e partir. A estrada da vida era para mim o plano de fuga, caso um dia a água derramasse pelo copo…

Por várias vezes, pensei em largar tudo, colocar a mochila nas costas e sair sem rumo, sem destino. No entanto, eu ainda não sabia, mas as coisas mudariam muito a partir daquele sábado…

Com 49 anos, Manoel trabalhara desde os 14 anos e havia conseguido uma boa função na empresa que administrava o Porto de Santos, a Cia Docas. Usando o dinheiro da demissão, comprou aquela cantina para estabelecer um negócio e virar o próprio patrão.

Eu ainda estava no colégio — cursando o Segundo Grau, como era na época o Ensino Médio — e meu primeiro emprego foi em nossa cantina, o restaurante adquirido há um ano.

Sem dinheiro para faculdade e após pausar os estudos no ano anterior, eu almejava um trabalho mais sólido que o restaurante oferecia e, de preferência, distante de Manoel.

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Ao voltar à cantina, entrei pela porta dos fundos do pequeno salão, onde basicamente ficava a cozinha, anexa ao grande quiosque. Com uma grande janela aberta e outra porta, esta dupla, eu vislumbrei novamente as três irmãs, ainda sob a choupana do restaurante.

Meu pai, de olho nas panelas e minha mãe buscando algo no armário, não repararam em como eu estava, parado e hipnotizado, observando “Di” rindo entre as irmãs. Só então fiquei surpreso com uma mulher de cabelo negro trançado e olhos azuis.

Aparentando uns 40 anos, ela fixou seu olhar em mim e, aparentando desconfiança, mirou em direção ao quiosque. Então, voltou-me rapidamente com ar sério e dizendo:

— Bom dia. Seu pai está?

Percebendo que aquela mulher poderia ser a mãe delas, rapidamente confirmei, chamando por Manoel. Nisso, evitei olhar na direção do quiosque e guardei o leite num armário, abaixo do balcão. Nem tive coragem de olhar para ela, mas seu semblante sério não me dizia boa coisa…

Quando terminei e levantei, de súbito fui pego pela imagem dela, a “Di”, tendo os dois braços apoiados no balcão e imitando um sorriso. Quando a vi, respondi da mesma forma, porém, logo o desfiz ao ver que ao lado dela, estava a mãe, uma reprodução original da mesma.

Disfarcei, mas “Di” me fez um pedido:

— Oi! Poderia me dar um refrigerante?

Só assim eu consegui formar um sorriso e assenti. Nisso, a mãe disse-lhe:

— Diana, suas irmãs não vão querer também?

Sem pestanejar, a linda jovem respondeu:

— Tem razão!

Olhando para mim, pediu novamente:

— Moço… Pode me servir com uns três refrigerantes?

— Claro! Servirei na mesa. Qual sabor?

— Coca-Cola, por favor.

— Pode deixar…

Rapidamente saquei uma bandeja, coloquei três copos e abri as pequenas garrafas do refrigerante. Nisso, percebi que Diana voltou ao quiosque, enquanto sua mãe fazia um pedido a meu pai. Equilibrando a bandeja com destreza, fui até onde elas estavam.

Diana foi a primeira a sentar à mesa, a mais próxima de onde vislumbravam a água e os barcos próximos. Enquanto eu a servia, a morena me olhava com atenção, não reparando exatamente no copo ou na garrafa.

Quando terminei, antes de ela chamar as outras, que ainda estavam de costas, sorriu novamente e fez um sinal com a mão para eu me aproximar. Então, quase sussurrando me confidenciou:

— Ela assusta né? Mas, não morde…

Afastei-me lentamente e fiquei sem compreender, enquanto Diana tinha um sorriso enigmático. Nisso, a menor das três virou-se e comemorou:

— Coca! Isso eu amo!

A mais velha e alta das três, se aproximou e, antes de sentar, formou um sorriso, agradecendo.

— Se quiserem algo mais é só pedir — falei.

Diana, então, se apressou e sugeriu às irmãs:

— Que tal umas fritas maninhas?

A loira, que acabara de tomar o primeiro gole da bebida, assentiu, enquanto a mais jovem sorriu e bateu palmas levemente. Diana olhou para mim e falou:

— Moço, pode nos trazer fritas?

— Claro, agora mesmo!

Sai rapidamente e voltei à cozinha da cantina, onde disse a minha mãe o pedido delas. Meu pai, observando, fez sinal que o faria imediatamente. Enquanto ajudava, um homem alto e loiro chegou. Eu já o havia visto na marina, mas sob outras condições…

Alto e com feições alemãs, o homem de olhos verdes era Wolfgang Niechtenbahl. Pelo que eu sabia, era o dono da Desert Rose, uma lancha Intermarine Oceanic de 32 pés, que tinha uma faixa vermelha sobre o convés.

Eu me lembro de ter visto esse barco chegar uns dois meses antes na Triton e o próprio “Wolf”, como era conhecido, estava presente no desembarque da carreta. Ele também frequentava a cantina de meu pai, porém, era a primeira vez que trazia a família…

Após beijar a esposa e a admirar por alguns segundos, Wolf mirou em meu pai e o cumprimentou, esticando o braço para um aperto de mão. Ali não havia amizade ou bons modos entre os dois, já que a coisa era outra: cumplicidade.

Quando percebi que o pai de Diana era Wolf, não fiquei feliz, embora o alemão fosse bem diferente da esposa, a princípio. Gostava de falar muito, sendo por vezes brincalhão e amava uma caipirinha, talvez para disfarçar o que cometia de errado.

Sinceramente, naquele momento, fiquei com pena de Diana, especialmente quando ele foi até o quiosque. Lá, observei quando a bela morena abraçou-o, ainda sentada, encostando sua cabeça na cintura dele.

O motivo desse sentimento em mim era um só. Wolfgang tinha uma amante e ela aparecia com ele em alguns fins de semana.

Tendo por volta de 20 e poucos anos, a moça era morena e se chamava Keila, sendo muito bonita e dona de um belo corpo. Wolf tinha 54 anos na ocasião. Diante da família, ele era bem mais contido de que quando estava com a amante, decerto devido à mulher.

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