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Capítulo 4 - Saudades de você

O fim da tarde se aproximava velozmente e meu olhar se perdia no horizonte. As águas calmas do canal logo se agitaram com a passagem de vários barcos. Lanchas, iates e veleiros desfilavam vagarosamente naquela fronteira líquida da Ilha de Santo Amaro, buscando o refúgio das marinas da região.

Já acostumado com isso, nunca liguei efetivamente para tal desfile, embora admirasse a beleza de alguns dos barcos. Contudo, naquela tarde, eu buscava um em especial, uma lancha Intermarine Oceanic de 32 pés...

Claro, meu interesse não era o barco, mas quem estava nele. Então, quando faltavam poucos minutos para as 18 horas, a Desert Rose apontou na curva do canal, exuberante. Sim, embora realmente fosse bonito, o barco tinha uma importância maior para mim.

Mal sabia eu que aquela Oceanic seria ainda mais especial... Para minha sorte, meu pai sempre mantinha a cantina aberta até às 20 horas e pensei que ainda poderia me despedir de Diana, quando chegasse. Após mais alguns minutos, que pareceram eternos, divisei a bela morena na popa do barco.

Nisso, sai da cantina e fui até perto da água, ainda no quiosque, evidentemente disfarçando para não chamar a atenção da família, embora quisesse que ela me visse. Logo que a lancha encostou-se ao píer, bem manobrado por Lúcio, o piloto de Wolf, Diana olhou em minha direção.

Distante uns 20 metros do local, eu podia ver o sorriso estampado em seu rosto. Logo, a família começou a descer e Diana foi uma das primeiras a desembarcar. Ajudando Ingrid a sair, ela pegou algumas bolsas e andou rapidamente até os carros.

Estranhei, afinal, parecia estar com pressa. A garota de olhos azuis, profundos como o nome do barco de seu pai, sumiu atrás da edificação das lanchas. Olhei de volta para a Desert Rose e só aí percebi que mais alguém me observava...

Bertha Niechtenbahl fixava o olhar em mim e isso me fez congelar por dentro. Em pé, a mãe da morena foi retirada do “transe” pela filha mais velha, Martha. A loira não percebeu para onde a mãe mirava, apenas indicou-a que precisava de ajuda com uma bolsa.

Ela rapidamente pegou aquele volume de cor azul que eu imediatamente reconheci. Era uma das bolsas térmicas que meu pai emprestava com refeições para os donos de lancha. Disfarcei e voltei rapidamente para a cantina, visto que logo teria “companhia”, que não tardou a chegar...

— Senhor Manoel, vim devolver a bolsa térmica – disse Bertha.

Meu pai estava perto da porta e recebeu-a, mas a alemã se aproximou da janela grande e me olhou seriamente. Confesso que nesse momento fiquei estático. Não sabia para aonde ir e nem o que fazer diante do olhar inquisidor da mulher.

— Mãe...

Rapidamente os olhos igualmente azuis de Bertha foram desprendidos e ela observou a filha ao lado a lhe falar.

— O pai está lhe chamando – disse Diana.

— O que ele quer? – indagou a mulher.

— Não sei, mas parece que só a senhora pode resolver...

Mirando a madeira do balcão, a mãe buscou imaginar o que era e então, subitamente, lembrou-se.

— Ah! Sim, eu sei o que é. Eu vou resolver com ele...

Antes de sair, porém, Bertha me olhou novamente e seu semblante não era amigável. Contudo, Diana também reparou na atitude dela. Para “nossa” sorte, a mulher voltou rapidamente ao barco sem chamar a filha. Desfazendo a surpresa do olhar, a garota voltou-me com enorme sorriso.

— Tudo bem com você? – perguntou.

Finalmente eu puder sorrir e responder com alegria.

— Sim, melhor agora.

— É mesmo? Que bom!

Notei então que meu pai estava limpando a bolsa perto de mim, mas não reparou no rápido diálogo. Então, eu fiz sinal para ela dar a volta na cantina e prontamente me retirei pelos fundos.

Ao passar pela porta, encontrei-a entusiasmada. Sem jeito, eu ia começar a falar, quando ela iniciou.

— Gui...

— Sim?

— Eu gostei de nossa conversa hoje, sabia?

— Sim, eu sei...

— Sabe?

— Claro, porque eu também gostei muito, muito...

— Quanto?

Olhei em direção aos barcos e então, disse aquilo que meu coração falou com uma pergunta que parecia um título de poesia...

— Quão profundo é o mar azul?

Ao ouvir a pergunta, os olhos de Diana exibiram a tonalidade das profundezas da paixão. Com misto de tensão e alegria, a jovem respondeu:

— É muito profundo...

— Então, foi mais que todo ele...

Diana fixou seu olhar em mim e me pediu mais, sem ao menos dizer uma palavra.

— Amei nossa conversa e ter conhecido você – falei.

Ali, eu confessei aquilo que começara a despertar em mim como a imensidão do oceano. Sem medo de uma rejeição por parte dela, me arrisquei nas profundas águas do amor. Em minha apneia para alcançar o coração de Diana, usei o ar de meus pulmões para declarar.

O sorriso de Diana era a resposta para uma questão não feita, mas que ela insistiu em responder.

— Senti saudades de você...

Ao ouvir isso, olhei para as mãos delas, que se tocavam levemente em frente ao ventre. Diana percebeu e afastou-as, quase que pedindo para que eu as pegasse. Então, subitamente minha mãe apareceu à porta e me chamou:

— Gui, meu filho, eu preciso de sua ajuda.

Pense na água mais gelada que lhe caiu sobre o corpo! Com clima desfeito por Eliza, que desconfiou de nossa conversa, eu tive que atender minha mãe, mas indaguei Diana:

— Você pode esperar um pouquinho?

A garota virou-se em direção dos carros e voltou-me, gesticulando com a cabeça em confirmação. Então, entrei e ajudei minha mãe a colocar algumas coisas nas caixas. Enquanto fazia o mais rápido possível, minha mente se prendia em quem estava do lado de fora.

Quando encerrei, notei-a na porta e isso foi de enorme alívio. Ao me aproximar, contudo, seu semblante não era o mesmo. Diana, preocupada, falou:

— Gui, eu vou ter que ir embora. Minha irmã já me chamou.

Outro banho de água gelada... Meu desanimo ficou estampado na face, mas foi reproduzido por ela, sentido o mesmo. Então, forçou um sorriso e disse:

— Quer anotar meu telefone? Nós ficaremos aqui no Guarujá esse fim de semana.

— Claro, mas que horas eu te ligo?

— Espera! Não, deixe que eu te ligue. Posso?

— Sim, claro. Que horas?

— Melhor bem depois da meia-noite, porque lá todos vão dormir tarde.

— Gostei, pode ligar sim.

Dei-lhe o número de casa e, após isso, ouvi Ingrid chamá-la. Diana mirou-a e comunicou que já iria. Assim, quando estiquei cabeça e vi a garota indo para o carro, visto que eu estava oculto na cantina, fui pego de surpresa pela morena.

Senti sua mão quente e suave a tocar meu rosto, puxando-o em sua direção. Atônito diante daquela ação inesperada, meus olhos encontraram os dela, que se fecharam a seguir e senti seus lábios molhados nos meus... Que beijo maravilhoso! Não teve língua e nem sensualidade, foi delicado e carinhoso.

Foi breve, mas os poucos segundos que durou, me transportaram para outro mundo. Nele só exista outro ser e ele era chamado Diana, a maravilha em todos os sentidos...

Após meus olhos despertarem para a realidade, ali, diante de mim, eu não resisti e disse:

— Teu beijo é maravilhoso.

— O seu também meu lindo... – respondeu ela.

Em total surpresa, eu nem toquei em seus braços durante aquele momento sublime, mas peguei sua mão esquerda e falei:

— Vou estar te esperando...

— Não vejo a hora de te ver novamente – devolveu.

Diana foi além, visto que eu me referia ao telefonema, porém, ela queria o principal, estar fisicamente comigo. Só então eu me dei conta disso e, então, falei entusiasmado:

— Nós combinamos ao telefone.

— Sim! Vamos nos ver de novo!

Olhando rapidamente para os carros, virou-se e me deu um "selinho". Sorrindo, ela foi apressadamente para o estacionamento. Acompanhei-a com os olhos durante todo o trajeto e até saí da porta para vê-la ao longe. Quando o carro partiu, ouvi outra voz feminina...

— Ela é linda realmente...

Virei-me e Eliza, que estava encostada no batente da porta, me encarava com um sorriso estampado. Fiquei corado, pois, não sei o quanto minha mãe viu e ouviu da conversa. Então, buscando me animar, falou.

— Se ela de fato gostar de você, eu apoiarei.

Sorri e comentei um pouco desanimado.

— Obrigado mãe. Mas, eu ainda não sei, pois, foi tudo muito rápido e ela nem é daqui...

— Não tem essa de ser daqui ou dali. Se esse sentimento crescer, então, não haverá fronteiras para vocês, acredite.

Eliza deu uma piscadela e formou um sorriso de cumplicidade. Muito diferente de meu pai, minha mãe era amável ao extremo. Não sei até hoje como ela pôde gostar dele, mas decerto havia nele algo que somente ela enxergava.

Então é isso? Quando o amor fala mais alto, você vê algo em alguém que ninguém mais visualiza? Ah! Esse amor é um sentimento tão lindo e, ao mesmo tempo, inexplicável...

#

Eu não via e nem ouvia nada. Não reparava na paisagem que passava pelo vidro da Kombi. Era inaudível o extremo barulho do motor daquele veículo, logo atrás de mim, assim como seu incomodo sacolejar.

Não me lembro de ter feito esse trajeto, visto que minha mente consumia tudo dentro de mim. Visão, olfato, paladar, tato e audição. Meus cinco sentidos estavam presos numa imagem, daquela a qual sentira os lábios nos meus. Diana era a única coisa que importava pensar ali.

Rememorando tudo o que falamos e fizemos, o meu coração só dizia para voltar a fita sempre que acabava. Fiquei imaginando onde ela poderia estar naquela cidade litorânea. Cheguei a sentir um aperto no peito ao imaginar que só veria seu belo rosto muito tempo depois.

Nesse pensamento, uma lágrima se fez. Essa foi a primeira de muitas que derramaria por ela. Ao chegar a casa, porém, o ânimo se refez ao ver o telefone branco ao lado do sofá da sala. Naquela noite, meu relógio virou um cronógrafo, que eu insistia em acelerar mentalmente.

Queria perder todas àquelas horas para chegar ao momento dele tocar. Não escondendo minha aflição diante das horas, meu pai percebeu meu estado e questionou:

— Que foi Guilherme? Não para de andar pra lá e pra cá...

— Não é nada pai, estou tranquilo.

— Dá pra ver...

Após o jantar, decidi ficar em meu quarto para não dar bandeira. Tentei ler meu livro, onde eu já estava na página 154, mas não consegui. Então, busquei ouvir uma música em meu “micro system”, mas nada parecia me agradar até Memories of Blue, do álbum Oceanic, de Vangelis.

Aquela melodia me transportava para perto de Diana, de alguma forma. Repetindo o CD na mesma faixa várias vezes, eu mergulhei num sono muito profundo, como o olhar dela. Sonhei com ela em uma praia, com o vento soprando seus cabelos negros.

Sentada, olhou-me e abriu um enorme sorriso de felicidade, passando a mão sobre o ventre. Então, eu percebi sua barriga arredondada, que prontamente toquei e comentei:

— Minha menina Leonor...

— Ela terá o maior amor do mundo... – falou Diana.

Então, ouvi alguém me chamar, dizendo que eu tinha que ir para a viagem, o que prontamente assenti. Deixei-as repentinamente, mas aquilo pareceu normal ali, naquele sonho. Ao abrir os olhos, olhei para o relógio digital do despertador e levei um susto. Era 1:35h da manhã e eu não ouvira o telefone.

Apressei-me a sair do quarto e fui até a sala sem fazer barulho. Não havia extensão no quarto de meus pais, o que comemorei. Assim, poderia falar a vontade sem eles ouvirem. Sentei-me no sofá e fiquei aguardando. Não sabia de fato quando ela ligaria, então, apenas torci para ser logo.

Nem era questão de voltar a dormir, mas o desejo de falar com ela imprescindivelmente se fazia. Quando o relógio de parede da sala marcou 1:59h, o telefone tocou. Fui rápido o suficiente para deixar apenas um toque audível. Nervoso, atendi e ouvi sua voz a invadir-me completamente.

— Boa noite meu querido – cumprimentou-me Diana.

— Boa noite linda... Quero dizer, minha linda – respondi.

Ouvi-a rindo ao fone e então, a jovem falou:

— Pensei ser Linda, como a Carter.

— Não, você é mais que a Linda... É a minha linda Diana.

Ela riu novamente e me confessou:

— Saudades de você...

— Também. Eu fiquei em casa vendo as horas passarem para poder falar com você. Acabei cochilando e dormi...

— Sonhou comigo?

— Sim, com você e mais alguém...

— Quem?

Eu ia contar, mas pensei que falar de gravidez pudesse assustá-la, então, resolvi na hora jogar o assunto para um encontro.

— Eu te conto, mas somente quando eu a vir novamente.

— Ah! Conta vai?

— Calma...

— Eu tô calma... Só quero saber quem é?

— Olhe, eu nem sei como ela é, mas sei quem é.

— Como? Ela? Então é mulher?

— Sim, mas eu te explico depois.

— Quero saber agora! Vai que é alguma ex-namorada sua...

— Não, ela nunca seria.

— Ai meu Deus, então é sua mãe?

— Não e nem suas irmãs, muito menos a Bertha, mas falando de minha mãe...

— O que tem ela?

Expliquei-lhe que Eliza viu ou ouviu nossa conversa atrás da cantina.

— O que ela disse?

— Falou que me apoiará...

— Em quê?

Sem saber como explicar, apenas falei por alto, afinal, eu havia dado o primeiro passo com Diana, mas não sabia até onde ia chegar.

— No que acontecer...

— Você pensa que acontecerá algo mais entre a gente?

Gelei! O modo como Diana indagou, me fez pensar que ela não estava interessada em ir além do que passamos. Mas, eu não sabia sua real intenção. Ali, eu estava literalmente mergulhando em águas desconhecidas...

— Eu gostaria...

Um silêncio se fez ao fone. Eu podia ouvir sua respiração, mas sua voz não vinha. Após alguns segundos intermináveis de angústia extrema, afinal, nosso futuro poderia se encerrar ali, ela comentou.

— Guilherme, nós precisamos conversar pessoalmente.

O tom de sua voz transmitia certa preocupação e isso me deixou em alerta.

— Sim, claro. É o que mais quero.

— Escute, é sério. Não vou falar isso por telefone, penso que o certo é ser pessoalmente.

— Tem razão.

— Então, amanhã continuaremos aqui no Guarujá. Nosso apartamento fica nas Pitangueiras e vamos aproveitar a praia daqui. Nós só iremos embora ao fim da noite, por conta do trânsito.

— Entendi, então vamos encontrar uma forma de nos ver.

— Penso nisso desde quando saímos da marina. Eu quero muito te ver Gui...

Sua revelação me animou, fazendo-me sorrir. Era um sinal de que Diana não queria apenas uma aventura, especialmente pelo fato de ter uma “conversa séria” pessoalmente.

— Eu também Diana... – falei.

— Então meu lindo, nós aqui saímos na orla da praia, há algumas horas, mas eu não estava bem e resolvi voltar para o prédio.

— Por quê? O que sentia?

— Não sei exatamente, parecia um vazio... Eu via aquelas pessoas andando para lá e para cá, mas algo estava errado e não era com elas...

— Estranho, mas eu senti algo assim quando voltei da marina.

— Como assim?

Eu falei de meus sentidos, que se perderam ao apenas minha mente fixar-se nela. Diana riu, mas não por achar graça na afirmação.

— Então estou mexendo com seus sentidos, Gui?

— Todos eles...

— Isso é um bom sinal então...

Eu ia falar novamente, mas ela me interrompeu:

— Quando subi ao apartamento, fui para a sacada e fiquei a admirar as luzes da cidade, mas eu buscava por algo, ou melhor, por alguém...

— Esse alguém chama Guilherme?

— Sim, alguém que não me sai da cabeça e do coração...

Nesse momento, um calor invadiu-me e meus olhos começaram a refletir o que eu nutria por dentro. Eu não pude lhe dizer nada imediatamente, pois, o som de minha voz não sairia. Arfei e busquei força para dizer-lhe:

— Que bom! Pois, eu também não consigo pensar em nada ou alguém, que não seja você...

— Ai que amor Gui! Estou me apaixonando por ti...

— Imagine eu... Ainda sinto seu beijo em mim. Sua mão me tocando... Seu perfume... Seu cheiro...

— Guilherme... Por favor, você tá me maltratando aqui... Minha vontade é sair agora e ir te encontrar... Como se não houvesse amanhã, sabia?

— Sabia... Mas, haverá um amanhã e eu quero te ver nele.

— Verá. Mas, falando nele, você irá para a marina?

— Ainda não sei, porque eu preciso te ver.

Após breve pausa, Diana sugeriu:

— Escute, não vá, se puder. Se você levantar bem cedo, lá pelas 6 da manhã, eu te encontro na praia. Teremos muito tempo, porque aqui em casa, todo mundo deve descer perto da hora do almoço.

Concordei e marcamos 6:30h em frente ao restaurante Tahiti, na Praia das Pitangueiras. Então, já com a madrugada avançando e uma prolongada despedida, fomos dormir com nosso plano arquitetado. Tínhamos agora um encontro marcado e, dele, tudo em nossas vidas seria alterado, para sempre...

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