Ao ver a lancha sumir após as árvores, subitamente eu me senti triste. Mesmo sabendo que ela voltaria no final do dia, a garota dos olhos azuis era uma companhia que eu passara a adorar, não, necessitar.
Seu sorriso era encantador, assim como o jeito de olhar. Como eu já falei, nunca procurei me envolver com as garotas ricas que apareciam na marina, mas agora eu estava me deixando levar por essa onda. Imerso em meus pensamentos, fui chamada por Eliza, minha mãe.
De pele clara e cabelo bem longo, a esposa de Manoel era sim, realmente linda. Ok, eu sou suspeito em falar, mas com seus olhos verdes e feições de origem italiana, lá do interior do Paraná, Eliza encantava meu pai.
Magra e alta, ela tinha um rosto fino e olhar expressivo. Com 41 anos, minha mãe nunca tivera outro filho porque teve problemas no útero, algum tempo após meu nascimento. Isso sempre a entristeceu, pois, desejava ter outros, inclusive uma menina.
Pela beleza que ela continha, dentro e fora de si, minha provável irmã seria belíssima e daria à Manoel a responsabilidade de “armar-se” diante de potenciais pretendentes.
Então, voltei para a cantina e Eliza disse:
— Ajude a preparar as mesas, porque vem uma família grande aí para almoçar. Eles são do Blue Horizon...
— Ok, mãe, vou acelerar o processo...
O tal barco era de uma família de São Paulo, que tinha oito membros e vinha em dois carros. Nesse grupo, havia uma garota bem antipática, chamada Andrea.
Ruiva, ela tinha olhos verdes e era até bonita, para falar a verdade, mas não portava simpatia alguma e isso era compartilhado com seu irmão, o Alex.
Ele, mais alto e forte, também era ruivo e tinha olhos verdes, sendo muito parecido com a irmã. Ele sempre me chamava de “cara” quando pedia algo. Com a família Ruiter, eu já sabia que teria o desgosto de ver a dupla, embora os demais não fossem iguais em comportamento.
Mauro Ruiter era o chefe da família, casado com Aline Baumann e pai de cinco filhos. Os mais velhos eram Alex e Andrea, que tinham na época 19 e 18 anos, respectivamente. A jovem Ana era a terceira, com 15 anos. Os filhos caçulas eram os gêmeos Vitor e Verônica, ambos com 12 anos.
O oitavo membro é digno de nota. Felipe Ruiter era um cara legal, sobrinho de Mauro. Seus pais faleceram num acidente cinco anos antes e o tio assumiu como seu tutor legal até 21 anos. Ele tinha 20 na ocasião.
Felipe era o único garoto rico a frequentar a marina, que conversava comigo. Com cabelo negro e volumoso, o rapaz de pele branca e olhos verdes chamava atenção de algumas garotas no local. Embora fosse franzino, ele torcia olhares das meninas por sua aparência.
Após a chegada dos Ruiter a bordo de dois Volkswagen, sendo um Santana GLS 2000 prata e um Passat GTS Pointer preto, que era de Alex, os oito se instaram no quiosque, onde eu juntei quatro mesas para o grupo.
— Gui, beleza? – cumprimentou-me Felipe.
— Beleza, tranquilo? – respondi.
— Sim. E as novidades literárias? – questionou-me.
Assim como eu, ele gostava de livros e, em especial, de ficção científica, o que eu também amava, embora estivesse lendo um romance. Sempre debatíamos rapidamente sobre mistérios, OVNI´s, segredos militares, etc. Isso sem contar as próprias histórias já lidas.
— Me apareceu um livro de romance e acabei lendo.
— Nossa! Você lendo romance? Quem diria...
— Pois é, até está me ajudando...
— Em quê?
— Ah! Deixa pra lá, nem sei se tá mesmo...
Ri do que havia falado e Felipe riu também. Quando ia se preparar para sentar, me fez um sinal com os olhos, indicando Andrea, que estava se aproximando. Rapidamente desfiz o sorriso e voltei ao trabalho, mas não sem um olhar inquisidor da garota.
Como já estava acostumado, nem liguei para a ação dela e voltei para a cantina. Eu e meu pai servimos o grupo rapidamente, com o pedido que Mauro havia feito previamente. Logo após servimos a refeição, eu instintivamente olhei para o canal ao ouvir um barco.
Pelo ruído, pensei que fosse o Desert Rose, mas estranhamente era outra Intermarine Oceanic 32 subindo o canal. Essa tinha uma faixa azul e capota de mesma cor. Desanimei, pois, pensei que fosse a lancha de Diana. Ao virar-me, meu semblante chamou atenção de Felipe, mas não apenas dele...
Quando eu ia me afastar da mesa, ele me chamou e perguntou em voz baixa:
— Gui, tudo bem contigo?
Disfarçando rapidamente, forcei um sorriso e respondi:
— Tranquilo...
Aparentando estar convencido, Felipe apenas disse:
— Ok.
Então, quando ergui a vista, ao lado dele, estava a prima Andrea, que me fixava o olhar com ar sério. Ao perceber, desviei meus olhos e fui até a cantina.
Depois que terminaram, Mauro se apressou em ir ao Blue Horizon, chamando Alex para ajudar. O barco era uma enorme Intermarine de 50 pés, um dos maiores da Triton. Felipe ainda puxou assunto comigo, enquanto Andrea e Ana iam para perto da água. Os gêmeos ficaram sentados à mesa com a mãe.
Daí, Felipe me falou:
— Meu, num dia desses, se quiser, venha dar uma volta no Blue Horizon.
— Eu? Não, obrigado...
— Ué? Por quê? Seu pai?
— Bom, se não tiver movimento, ele não faz objeção, mas sei lá, o barco é do seu tio também...
— Ah! Depois eu te conto... Tem um lance aí, mas pode acreditar que meu convite será aceito, até pela minha prima, que te “adora”.
— Adora? Só se for à distância... – falei e ri a seguir.
Felipe riu também, mas as nossas risadas atraíram a atenção da ruiva. Eu disfarcei para não lhe dar bandeira, mas esta se aproximou do primo e indagou:
— Conversa divertida Fê... O que falava?
Encarando a prima e me devolvendo da mesma forma, o jovem respondeu:
— Convidei o Guilherme para, um dia, dar uma volta conosco no Blue Horizon.
Frisando o olhar, a garota jogou seus olhos em mim e forçou um sorriso.
— Você já andou de lancha?
Tenso diante dela, respondi:
— Nessas de lazer, uma vez...
— Humm... Olha, não sei se vai se acostumar, porque ela balança demais – disse a ruiva.
— Com o mar eu já estou acostumado...
— Dea, ele já andou em um barquinho de madeira que entra sob o Porto de Santos... Como é o nome mesmo Gui?
— Catraia.
— Catraia? Nunca ouvi falar.
— É um barco rústico que leva 17 pessoas ou mais.
A garota fechou os olhos e abriu-os rapidamente, dizendo:
— Olhe, eu prefiro o iate do meu pai...
Fechando a cara para a prima, Felipe já ia repreendê-la, quando esta decidiu se esquivar.
— Bem gente, eu vou nessa... Tchau!
Eu nem respondi, muito menos Felipe se alterou. Ele então se desculpou.
— Cara, foi mal. Essa garota um dia vai aprender uma lição de humildade.
— Deixe, pois, como ela tem várias que vem aqui. Eu nem ligo mais para isso.
— Bom, mesmo assim... Enfim, vou lá pro “iate” e amanhã a gente troca mais ideias.
— Valeu! Bom passeio!
Após me cumprimentar, Felipe se aproximou da tia e dos primos menores, que reuniram seus pertences e se encaminharam para o enorme barco. Pouco tempo depois, o iate zarpou rumo ao litoral norte, para retornar apenas no dia seguinte.
Depois do trabalho, sentei e relaxei. Recomecei o livro, que eu havia parado na página 118. Ao mesmo tempo, em que mergulhava novamente na história de Reginaldo e Elizabeth, eu pensava em outro personagem, ou melhor, em alguém bem real...
O fim da tarde se aproximava velozmente e meu olhar se perdia no horizonte. As águas calmas do canal logo se agitaram com a passagem de vários barcos. Lanchas, iates e veleiros desfilavam vagarosamente naquela fronteira líquida da Ilha de Santo Amaro, buscando o refúgio das marinas da região.Já acostumado com isso, nunca liguei efetivamente para tal desfile, embora admirasse a beleza de alguns dos barcos. Contudo, naquela tarde, eu buscava um em especial, uma lancha Intermarine Oceanic de 32 pés...Claro, meu interesse não era o barco, mas quem estava nele. Então, quando faltavam poucos minutos para as 18 horas, a Desert Rose apontou na curva do canal, exuberante. Sim, embora realmente fosse bonito, o barco tinha uma importância maior para mim.Mal sabia eu que aquela Oceanic seria ainda mais especial... Para minha sorte, meu pai sempre mantinha a cantina aberta até &a
O relógio tocou às 5:30h, mas, confesso que não havia dormido direito. Se eu adormeci por duas horas, foi muito naquela noite de grande ansiedade. Levantei rapidamente e pensei em vestir uma calça, mas eu estaria na praia. Como ela estaria vestida?A questão invadiu-me, mas decidi mesmo ir arrumado, visto que não seria uma diversão propriamente dita, mas um momento importante. Assim, enfiei-me em uma calça jeans, a mais nova que eu tinha.Coloquei um tênis e uma camisa verde, devidamente posta para fora da calça, tendo ela estampa aveludada com a águia bicéfala dos Paleólogos. [Nota do autor: Heráldica da última dinastia do Império Romano do Oriente]O perfume Quasar contemplou o conjunto, que ainda contava com meu corte de cabelo curto e rosto bem liso, sem barba. Consegui a proeza de me aprontar em 30 minutos, embora tudo já estivesse arrumado,
Aquela manhã de domingo foi inesquecível, embora não mais que uma tarde de sol, silenciosa e agradável sobre o mar... Eu e Diana estávamos vivendo o nosso momento, um instante no tempo em que nos uníamos cada vez mais. De frente ao mar, começamos nossa “Carreira das Índias” do amor.Ligados pelo mar, ainda não sabíamos que seria sobre ele, a definição de nosso destino. Com o som das ondas a quebrar mais abaixo, naquele rochedo, admirávamos o horizonte, desejosos de que nossos dias juntos fossem eternos. Mas, como todas as coisas boas da vida, o tempo correu contra nós.Olhando no relógio, Diana se assustou com a hora já avançada. Se eu quisesse que o tempo passasse logo, era apenas estar junto dela para isso acontecer...— Amor, eu preciso voltar.— Mas, já? Parece que chegamos agora.— Infelizm
Seus cabelos negros ainda me envolviam, assim como parte de seu corpo nu, quando despertei após um cochilo breve a bordo da Desert Rose. Ainda transpirando muito, por conta do calor e de nosso amor, mirei em seu rosto avermelhado.Diana adormecera também e tinha uma respiração suave, como se estivesse em um belo sonho. Contudo, eu tinha que acordá-la para a realidade e nossa situação estava longe de ser um sonho, embora tê-la em minha vida fosse mais que isso.Despertei-a, mas ela não queria levantar. Com muito custo, após quase ter sido rendido por um abraço, a convenci ser o momento de irmos. Mas, se eu soubesse o que viria a seguir, eu teria ficado naquela cama...Mirando-me com seu maravilhoso olhar azul, Diana se declarou após “virar mulher”.— Gui, eu te amo.— Eu também, muito.— Queria ficar contigo aqui e
A longa semana se iniciou e a saudade veio com os dias que se seguiram. Como eu não ia à marina durante a semana, ficava em casa estudando ou matando o tempo. Aliás, foi logo na segunda-feira à tarde que uma das fichas caiu...— Cadê o meu livro? — disse a mim mesmo.Logo que iniciei a busca, a lembrança da Desert Rose apareceu magicamente em minha mente. Claro! Eu havia esquecido no sofá da cabine... Com um turbilhão de emoções atravessando meu cérebro, o bendito livro ficou no barco e eu nem percebi.O temor de ser pego com a filha dos Niechtenbahl´s era maior que qualquer detalhe, como esse. Assim, lamentei muito, pois, não podia pedir à minha mãe para entrar num barco particular. Meu pai então, nem se fala...Naquele dia, após a meia-noite, Diana me ligou e revelei-a o detalhe do livro. Ela se mostrou apreensiva, po
As horas demoraram a passar, enquanto Wolf e Keila curtiam a vista do estuário da Ilha de Santo Amaro. Nesse tempo, tive que passar por eles três vezes para servir os demais clientes. Tentei ignorar ao máximo, mas ele havia pedido mais cervejas, que deixei que o ajudante da cantina, Pedro, o servisse.Algum tempo depois, ele levantou e foi ao balcão, acompanhado da amante, mas, nesse momento, me retirei para a despensa da cantina. Encarar Wolf depois de tudo não era nada agradável. Minutos depois, o vi sair com ela em seu carro. Somente ali eu arfei aliviado, mas eu precisava fazer algo.Eu tinha de avisar Diana sobre a descoberta de nossa primeira vez e só poderia fazer com calma após as doze badaladas. Ainda que Wolf tivesse ido, a angústia por conta dela era enorme. Minha mãe, observando meu estado, questionou:— Gui, por que você está assim, inquieto?— N&ati
O choque de Martha ao ouvir da irmã que estava grávida foi surpreendente. Eu pensei que ela iria surtar, mas acabou emocionando-se e abraçou Diana. Viki ficou contente pela jovem, mas conteve-se em demonstrar mais sentimentos.A loira de olhos verdes então veio a mim, com lágrimas ainda no rosto e me abraçou. Contudo, a seguir, mirou-me séria e disse:— Guilherme. Você é o pai e a responsabilidade por tudo também será sua. Se não a magoá-la, eu ficarei do seu lado. Mas, se pisar na bola com ela, eu estarei com meu pai...Era a segunda vez que eu ouvia algo assim em poucos dias. Da primeira, minha mãe também falou que me apoiaria, mas somente se eu fosse correto. Ali, Martha havia se tornado uma aliada importante diante do que viria.— Martha, obrigado. Amo Diana e nunca irei abandoná-la.— Falar é fácil Gui,
Ao ouvi-lo se referir a mim, logo veio a minha mente o motivo do assunto e ele agora era um embrião. A gravidez de Diana não passaria batido para Bertha por muito tempo e até que ela demorou a descobrir.A mãe, na maioria das vezes, sabe o que ocorre com os filhos. Algumas não querem ver, outras, porém, revelam na hora. Bertha descobriu, mas guardou segredo, certamente, porque Martha apenas desconfiara na noite anterior.Foi, decerto, enorme surpresa para as irmãs, saber que iriam descer a serra após serem despertas tão cedo. Tudo já estava pronto para segunda, mas Bertha adiantou o passo rumo ao litoral. Seu motivo crescia velozmente no útero de sua filha.Imediatamente, olhei para meu pai, que ficou surpreso com o jeito sério com o qual Wolf se referiu a mim. Curioso, Manoel indagou-o:— Seu Wolf, o que acontece?Olhando-o com ar inquisidor, o alemão