Capítulo 3 - Blue Horizon

Ao ver a lancha sumir após as árvores, subitamente eu me senti triste. Mesmo sabendo que ela voltaria no final do dia, a garota dos olhos azuis era uma companhia que eu passara a adorar, não, necessitar.

Seu sorriso era encantador, assim como o jeito de olhar. Como eu já falei, nunca procurei me envolver com as garotas ricas que apareciam na marina, mas agora eu estava me deixando levar por essa onda. Imerso em meus pensamentos, fui chamada por Eliza, minha mãe.

De pele clara e cabelo bem longo, a esposa de Manoel era sim, realmente linda. Ok, eu sou suspeito em falar, mas com seus olhos verdes e feições de origem italiana, lá do interior do Paraná, Eliza encantava meu pai.

Magra e alta, ela tinha um rosto fino e olhar expressivo. Com 41 anos, minha mãe nunca tivera outro filho porque teve problemas no útero, algum tempo após meu nascimento. Isso sempre a entristeceu, pois, desejava ter outros, inclusive uma menina.

Pela beleza que ela continha, dentro e fora de si, minha provável irmã seria belíssima e daria à Manoel a responsabilidade de “armar-se” diante de potenciais pretendentes.

Então, voltei para a cantina e Eliza disse:

— Ajude a preparar as mesas, porque vem uma família grande aí para almoçar. Eles são do Blue Horizon...

— Ok, mãe, vou acelerar o processo...

O tal barco era de uma família de São Paulo, que tinha oito membros e vinha em dois carros. Nesse grupo, havia uma garota bem antipática, chamada Andrea.

Ruiva, ela tinha olhos verdes e era até bonita, para falar a verdade, mas não portava simpatia alguma e isso era compartilhado com seu irmão, o Alex.

Ele, mais alto e forte, também era ruivo e tinha olhos verdes, sendo muito parecido com a irmã. Ele sempre me chamava de “cara” quando pedia algo. Com a família Ruiter, eu já sabia que teria o desgosto de ver a dupla, embora os demais não fossem iguais em comportamento.

Mauro Ruiter era o chefe da família, casado com Aline Baumann e pai de cinco filhos. Os mais velhos eram Alex e Andrea, que tinham na época 19 e 18 anos, respectivamente. A jovem Ana era a terceira, com 15 anos. Os filhos caçulas eram os gêmeos Vitor e Verônica, ambos com 12 anos.

O oitavo membro é digno de nota. Felipe Ruiter era um cara legal, sobrinho de Mauro. Seus pais faleceram num acidente cinco anos antes e o tio assumiu como seu tutor legal até 21 anos. Ele tinha 20 na ocasião.

Felipe era o único garoto rico a frequentar a marina, que conversava comigo. Com cabelo negro e volumoso, o rapaz de pele branca e olhos verdes chamava atenção de algumas garotas no local. Embora fosse franzino, ele torcia olhares das meninas por sua aparência.

Após a chegada dos Ruiter a bordo de dois Volkswagen, sendo um Santana GLS 2000 prata e um Passat GTS Pointer preto, que era de Alex, os oito se instaram no quiosque, onde eu juntei quatro mesas para o grupo.

— Gui, beleza? – cumprimentou-me Felipe.

— Beleza, tranquilo? – respondi.

— Sim. E as novidades literárias? – questionou-me.

Assim como eu, ele gostava de livros e, em especial, de ficção científica, o que eu também amava, embora estivesse lendo um romance. Sempre debatíamos rapidamente sobre mistérios, OVNI´s, segredos militares, etc. Isso sem contar as próprias histórias já lidas.

— Me apareceu um livro de romance e acabei lendo.

— Nossa! Você lendo romance? Quem diria...

— Pois é, até está me ajudando...

— Em quê?

— Ah! Deixa pra lá, nem sei se tá mesmo...

Ri do que havia falado e Felipe riu também. Quando ia se preparar para sentar, me fez um sinal com os olhos, indicando Andrea, que estava se aproximando. Rapidamente desfiz o sorriso e voltei ao trabalho, mas não sem um olhar inquisidor da garota.

Como já estava acostumado, nem liguei para a ação dela e voltei para a cantina. Eu e meu pai servimos o grupo rapidamente, com o pedido que Mauro havia feito previamente. Logo após servimos a refeição, eu instintivamente olhei para o canal ao ouvir um barco.

Pelo ruído, pensei que fosse o Desert Rose, mas estranhamente era outra Intermarine Oceanic 32 subindo o canal. Essa tinha uma faixa azul e capota de mesma cor. Desanimei, pois, pensei que fosse a lancha de Diana. Ao virar-me, meu semblante chamou atenção de Felipe, mas não apenas dele...

Quando eu ia me afastar da mesa, ele me chamou e perguntou em voz baixa:

— Gui, tudo bem contigo?

Disfarçando rapidamente, forcei um sorriso e respondi:

— Tranquilo...

Aparentando estar convencido, Felipe apenas disse:

— Ok.

Então, quando ergui a vista, ao lado dele, estava a prima Andrea, que me fixava o olhar com ar sério. Ao perceber, desviei meus olhos e fui até a cantina.

Depois que terminaram, Mauro se apressou em ir ao Blue Horizon, chamando Alex para ajudar. O barco era uma enorme Intermarine de 50 pés, um dos maiores da Triton. Felipe ainda puxou assunto comigo, enquanto Andrea e Ana iam para perto da água. Os gêmeos ficaram sentados à mesa com a mãe.

Daí, Felipe me falou:

— Meu, num dia desses, se quiser, venha dar uma volta no Blue Horizon.

— Eu? Não, obrigado...

— Ué? Por quê? Seu pai?

— Bom, se não tiver movimento, ele não faz objeção, mas sei lá, o barco é do seu tio também...

— Ah! Depois eu te conto... Tem um lance aí, mas pode acreditar que meu convite será aceito, até pela minha prima, que te “adora”.

— Adora? Só se for à distância... – falei e ri a seguir.

Felipe riu também, mas as nossas risadas atraíram a atenção da ruiva. Eu disfarcei para não lhe dar bandeira, mas esta se aproximou do primo e indagou:

— Conversa divertida Fê... O que falava?

Encarando a prima e me devolvendo da mesma forma, o jovem respondeu:

— Convidei o Guilherme para, um dia, dar uma volta conosco no Blue Horizon.

Frisando o olhar, a garota jogou seus olhos em mim e forçou um sorriso.

— Você já andou de lancha?

Tenso diante dela, respondi:

— Nessas de lazer, uma vez...

— Humm... Olha, não sei se vai se acostumar, porque ela balança demais – disse a ruiva.

— Com o mar eu já estou acostumado...

— Dea, ele já andou em um barquinho de madeira que entra sob o Porto de Santos... Como é o nome mesmo Gui?

— Catraia.

— Catraia? Nunca ouvi falar.

— É um barco rústico que leva 17 pessoas ou mais.

A garota fechou os olhos e abriu-os rapidamente, dizendo:

— Olhe, eu prefiro o iate do meu pai...

Fechando a cara para a prima, Felipe já ia repreendê-la, quando esta decidiu se esquivar.

— Bem gente, eu vou nessa... Tchau!

Eu nem respondi, muito menos Felipe se alterou. Ele então se desculpou.

— Cara, foi mal. Essa garota um dia vai aprender uma lição de humildade.

— Deixe, pois, como ela tem várias que vem aqui. Eu nem ligo mais para isso.

— Bom, mesmo assim... Enfim, vou lá pro “iate” e amanhã a gente troca mais ideias.

— Valeu! Bom passeio!

Após me cumprimentar, Felipe se aproximou da tia e dos primos menores, que reuniram seus pertences e se encaminharam para o enorme barco. Pouco tempo depois, o iate zarpou rumo ao litoral norte, para retornar apenas no dia seguinte.

Depois do trabalho, sentei e relaxei. Recomecei o livro, que eu havia parado na página 118. Ao mesmo tempo, em que mergulhava novamente na história de Reginaldo e Elizabeth, eu pensava em outro personagem, ou melhor, em alguém bem real...

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