Lembro-me bem deste dia, um ensolarado domingo, dia 8 de maio de 1994. Era o Dia das Mães. Fazia uma semana que Ayrton Senna havia nos deixado e duas semanas que forjei forte amizade com Maria Clara.
Pela primeira vez desde que parti para meu “exílio” na Borda do Campo, liguei para minha mãe. Foi bem cedo que usei um orelhão na Cata Preta. Ao atender e ouvir minha voz, Eliza começou a chorar alto, o que cortou meu coração.
Percebi o quanto fazia falta para minha mãe e também o quanto ela deixava um vazio em meu peito. Foi difícil falar, mas precisei.
— Feliz Dia das Mães!
— Guilherme…
Eliza não conseguia falar, somente chorar. Eu, todavia, precisava ser rápido naquele orelhão azul da CTBC.
— Mãe, não chore, estou bem! Te amo muito, viu?! Estou trabalhando muito!
Com a voz en
Naquele emocionante Dia das Mães, voltei para a cozinha do restaurante com um anúncio que não seria agradável à Maria Clara. Ao entrar, mecanicamente terminei minhas obrigações, enquanto a jovem me olhava a distância. Parecia preocupada e talvez já estivesse antevendo os acontecimentos.Temendo ouvir o que não queria, Clara limitava-se em sorrir, mas sua feição não escondia seu estado. Percebi e compreendi que não seria fácil, mas precisava assumir meus erros e cumprir minhas obrigações. Ao encerrar as atividades, falei com Rubens e pedi as contas.Ele lamentou e ainda me indagou sobre a visita da minha “família”. Concordei em responder e afirmei precisar ir. Pelo meu bom trabalho lá, decidiu me despedir sem justa causa, o que me ajudaria na fase de desempregado que se seguiria.Sai do escritório e Clara já
Naquela noite, minha mãe insistiu em dormir no hospital e decidi voltar com Felipe. Contudo, pouco antes de sairmos do local, Manoel recebeu uma visita inesperada e não necessariamente com interesse velado em sua pessoa.Me sentia exausto, não só pelo dia de trabalho puxado na churrascaria, mas pelos momentos que tive de enfrentar. A imagem de Diana em minha mente não desaparecia e igualmente a lembrança de Maria Clara.Então, não sei como, ela apareceu… Num jeans de cintura alta e blusa vermelha com mangas a cair pelos braços, Andrea surgiu apressada, como se adivinhasse meu pensamento.Quando me viu, sorriu, mas disfarçou sua aparente alegria diante de minha mãe, alquebrada pela tensa situação. Eu e Felipe nos entreolhamos, não entendendo como ela poderia estar ali, no hospital Santo Amaro.Olhando para Felipe com ar desconfiado, Andrea se aproximou
Na segunda-feira, dia 9 de maio de 1994, liguei para Diana. Decidi resolver minha vida e era esse o motivo de ter voltado. Logo após levantar e tomar café com Felipe, sentei no sofá da sala, disquei o número da casa dela em São Paulo e aguardei.Lourdes, a empregada dos Niechtenbahl, atendeu e chamou Diana, que estranhamente ainda estava em casa naquela manhã. O motivo era que, naquela ocasião, fazia o primeiro semestre de Medicina, como planejara antes de me conhecer. Pouco entusiasmada, começou a conversa.— Diga Guilherme.— Diana, ontem não foi um dia fácil para mim.— É mesmo? E para mim? Não sabe como fiquei?— Como você ficou?Após uma pausa, a morena respondeu.— Fiquei muito triste em ver você ontem após meses sem dar notícias.— Perdão. Fui um tolo.<
Após muitos minutos ali, Diana, curiosa e com ar de felicidade estampada em seu rosto rosado, quis conhecer a casa. Martha, acompanhando a irmã em sentimento, também insistiu no pedido e, após apresentações devido a minha tia, mostrei minha velha casa.Tia Débora, uma bela negra com seus 30 e poucos anos — ela nunca dizia a idade exata, nesse caso — prendia sempre seu cabelo em um coque no alto da cabeça. Tendo um corpo curvilíneo, muita inteligência e língua afiada, encantou um japonês, quer dizer, um nissei.Casada com Paulo Ikari, que na época tinha cerca de 40 anos, morava em Extrema, no sul de Minas Gerais.Apesar da preocupação com o irmão, Débora deu total atenção àquela jovem.— Nossa! Ainda não consigo tirar os olhos de você! Gente! Esse olho é natural mes
No umbral do portão, observei o Gol de Martha virar a esquina levando consigo não só meu anjo, mas também minha amada e a tia Débora. Ao lembrar-se dela, imediatamente pensei nele, o meu pai. Em tempos onde internet ainda era um sonho distante, apenas o telefone era o canal mais imediato de comunicação.Sem celular, só podia aguardar Eliza chegar. Nesse tempo, andei pela casa e me recordei de alguns bons momentos de minha vida até ali. Não sabia ainda, mas era uma despedida antecipada. Sentei na cama e juro que ainda podia sentir o calor dela sobre o lençol.A saudade de Diana já se fazia ali, mas também a vontade de consertar tudo. Olhei pela janela e observei o Paturi 16. Imaginei velejar com a morena sob um céu de brigadeiro e com o vento nos empurrando para longe. Todavia, as águas que cruzaríamos seriam mais difíceis e desafiadoras.Adormec
Manoel ficou mais dois dias no hospital e já era sábado de manhã quando recebeu alta. O visitei durante o período e conversamos mais, especialmente em relação a trabalho. Era uma questão importante que ele me relembrou.Ao chegarmos a casa, onde fiquei desde a visita do perdão, não tardou a campainha tocar. Imaginei ser algum dos amigos de Manoel, mas ao abrir o portão, ela se fez presente com sorriso formado, revelando dentes branquíssimos.Seus olhos verdes clarinhos e as sardas num mar rosado harmonizavam com os lábios avermelhados, delicadamente esculpidos. O cabelo alaranjado lhe caía sobre os ombros em um penteado novo e atraente. Nem é preciso descrever o resto, pois, estava sensualmente belíssima.Não parecia que Andrea havia abortado há pouco mais de dois meses. Estava em plena forma e parecia bem. Quer dizer, apenas aparentava…<
A sensação não passava enquanto aquela ambulância balançava incansavelmente em direção ao hospital. Havia sentido algo momentos antes de Andrea entrar no mar e aquilo ainda continuava em mim. Era muito estranho antever um fato que ocorreu a seguir.Junto dela, naquele carro, parecia que tudo já havia acontecido. Nos mínimos detalhes a vi deitada na maca, com a máscara de oxigênio e presa por cintos pretos.Ao lado, a socorrista, uma mulher negra, lá pelos 30 anos, monitorava a jovem ruiva. Agachado atrás dela num pequeno espaço, segurava a mão de Andrea, que ocasionalmente, mirava-me com olhar assustado.Um deja vu me ocorreu pela primeira vez na vida. A partir daquele momento, essa sensação de ver algo que já teria ocorrido, me acompanhou por muito tempo. Não sabia, mas outro evento, acredito eu, no mesmo momento, me
Nunca desejei aquele momento com Andrea, onde o desespero dela a levou quase à morte e com uma despedida tão triste. Saber que levei alguém quase ao fim da vida me deixou aflito por anos. Hoje não mais, mas durante muito tempo, chorei escondido de Diana.Quando você vive com alguém, acredita mesmo que pode esconder tudo? Pois é, nem tudo está oculto e ela, do seu jeito, sabia disso. Antes inflamada pela raiva que nem deveria passar, Diana convertera-se numa cuidadora de mim. Ela sentia que se não tivesse o devido tato, eu poderia até alcançar a depressão.Naquele fim de semana triste, o segundo de maio de 1994, eu e Diana nos apresentamos aos meus pais. Era a primeira vez que estávamos reunidos em minha casa e Manoel queria dizer algo. Sentados no sofá, vimos ele entrar e sentar ainda com moderação nos movimentos.Eliza juntou-se ao marido e a expectati