Capítulo três

Dos três paredões dispostos, cada um a uma distância "confortável", era impossível ouvir apenas um, ainda mais agora que só tinham uma garrafa e meia de vodca entre os amigos de Thomaz (por mais que aquilo fosse uma festa avulsa informal, cada galera que lidasse com as próprias bebidas e drogas). Rita parou um momento na frente do paredão mais próximo, procurando por alguém especifico, até encontrar o dono do carro do outro lado com alguns amigos. Ela passou por um casal aos beijos e puxou conversa com o homem que mais parecia ser uns 10 anos mais velha que ela.

— Oi — Ela chamou. O cara virou-se para ela no mesmo instante. — Você o dono desse som? — Sua voz soava propositalmente sensual. 

O cara assentiu, dando um gole na sua longneck enquanto analisava Rita dos pés até a cabeça – a comendo com os olhos, como ela diria posteriormente.

— Será que eu posso conectar meu celular alguns minutos? Prometo que será rápido.

— O que eu ganho em troca?

Elise notou quando Luíza se aproximou em passos rápidos e rígidos de Rita, que agora estava dançando aos beijos com um cara aleatório, ali perto. Ela notara a estranheza da irmã desde que a viu questionar algo a Thomaz e o outro garoto com quem ele estava, mas ainda que tentasse ouvir o que Luiza dizia, nada chegava ao seu ouvido. Quando Luíza se afastou de Rita, ainda nervosamente, Eli se dirigiu até ela.

— O que houve? — Questionou Lucas, enquanto ela se distanciava com afinco.

— Coisa rápida. — Respondeu.

O som era alto o suficiente para que Eli não conseguisse ouvir a irmã até que estivesse perto o suficiente, quando esta estava tentando Rita a ajudá-la a lembrar onde havia colocado algo... algo consideravelmente importante, a julgar pelo nervosismo em sua voz. Eli já sentia o alívio da sua irmã quando pôs a mão no próprio bolso.

— Está procurando isso aqui? — Disse, mostrando a ela o aparelho celular da irmã.

Rita também ficara aliviada. Seu olha, ainda que sem querer, encontrou o do cara que acabara de beijar. No que ele sorriu para ela e se aproximou com intenções claras.

— Quer dar uma volta? — Ele parecia certo de que ela toparia, afinal, para ele, Rita tinha demonstrado todos os sinais de que ficar com ele havia sido bom o bastante para algo mais

não muito longe dali.

Ela então segurou a mão direita dele, erguendo-a levemente.

— Não. — Respondeu, consistente, tocando delicadamente no anel dourado no dedo anelar na mão dele, largando-a em seguida e se dirigindo até Otto e Lucas.

Claro, ela havia notado o anel muito antes do primeiro contato, só guardou a informação para quando quisesse se abster. Felizmente, aquele era um dos exemplos de caras que vinham de cidades diferentes apenas pela farra com alguns amigos e, obviamente, por ter maior liberdade de seja lá qual for sua prisão pessoal (na verdade, essa última parte servia para todos ali).

Se aproximando de Otto, Rita abriu um sorriso e questionou:

— Que tal um tiro, garotão? — E então tocou a ponta do nariz dele, sorrindo.

Elise parou ao lado de Rita no mesmo instante, respirando fundo.

— Vou deixar minha irmã e os amigos no início do loteamento, só avisando.

— Que coincidência, vamos dar um tiro longe de todo mundo, podemos aproveitar a carona. — Otto respondeu, sorrindo para Rita.

Lucas não gostava da ideia de o namorado usar certas coisas, por mais que já tivesse experimentado, porém, já tivera esse debate e obviamente perdera.

— Vou ficar aqui com o Saulo. — Disse ele.

Otto o encarou com um olhar questionador.

— Achei que não gostasse dele.

— Não gosto mais ainda dessas coisas... — respondeu, referindo-se as drogas ilícitas.

— Você toma ansiolítico sem prescrição, Lucas. — Rebateu Otto. — E nem mesmo sei onde consegue, já que não é comigo.

— Vão logo! — Exclamou.

Os três se dirigiram até Thomaz, que parecia estar em um diálogo de extrema importância com outro garoto, encostados no carro do cara que Rita ficara. Rafael era mais novo do que Thomaz uns 3 anos, a mesma faixa etária de seus outros três amigos: Luíza – irmã de Elise com quem Rita havia debatido sobre aceitar a presença dela –, Marcos e Elizabeth.

— Thom, — chamou Rita. — Vamos acompanhar os mole... — ela se interrompeu por um momento, já que estava diante de um deles. — A galera até a próxima rua?

Rafael comprimiu o olhar na direção dela.

— Ela tá só zoando. — Disse Thom, apelando pela amiga e então dirigindo sua atenção a ela. — Estamos falando de só acompanhar?

Tanto Rita, como Otto e Eli negaram com a cabeça.

Thomaz, Rita e Otto acompanharam os mais demais até uma rua mais distante de onde todo o rolê acontecia e então se despediram deles, parando ali mesmo enquanto a silhueta dos mesmos desaparecia uma rua depois da outra num piscar de olhos. Elise, por sua vez, seguiu com os demais até um pouco além, por um dos envolvidos ser justamente sua irmã (ainda que esta tivesse insistido para não se importar). Eles já estavam um pouco distantes naquele momento, mas agora em um ritual que se tornara comum nos últimos meses e que garantiam que eles tivessem energia até não terem mais álcool — ou um pouco mais.

Parando em um meio fio da rua onde haviam se despedido, um pouco distante dos paredões e das pessoas, os três sentaram formando um triângulo ao redor da capa do celular de Otto, disposta no chão como uma "mini mesa" como um banquete de açúcar para formigas. Mas não havia nenhuma formiga visível, nem mesmo se tratava de açúcar. Aquela coca não passava da única disponível em toda a cidade que não chegava a ser tão ruim, e Otto sabia disso tão bem quanto qualquer um ali.

— Quem vai primeiro? — Ele perguntou.

Thomaz encarou Rita, que havia passado os últimos 15 minutos esperando por esse momento, mas agora só conseguia pensar em como Otto era tão perfeccionista em dividir o pó branco e moldá-lo em fileiras quase tão perfeitas...

— Okay, eu vou.

Ele pegou a capinha do celular, onde as 6 fileiras de cocaína estavam dispostas na parte traseira. Já havia enrolado uma nota de R$ 20,00 (afinal ninguém ali era rico, Otto já disse uma vez), então colocou o dinheiro próximo a uma das narinas, inclinando-se sobre a sua obra de arte. Após inspirar a primeira fileira, levantou o rosto, ainda com a nota de vinte na narina, e voltou a inspirar novamente, dessa vez com mais avidez.

Rita observou a cena como se esperasse que algo acontecesse no meio tempo em que ele se preparava para a segunda fila, mas ela sabia que nada aconteceria. Era apenas pó.

Após passar todo o equipamento para Rita, ela fez o mesmo processo, mas preferiu jogar para dentro suas duas carreiras de uma só vez, passando a nota em formato cilíndrico pela superfície da capa do celular, no espaço que correspondia às duas linhas brancas destinadas à garota. Otto exclamou algo inaudível, e quando era a vez de Thomaz, este respirou fundo, testando qual de duas narinas estava melhor aquela noite.

Thomaz foi o último a cheirar a pequena linha de cocaína disposta na capa do celular de Otto, mas fora o primeiro a ver, de longe, a silhueta de Elise voltando ao lugar onde haviam se dividido. Seu nariz queimou por alguns segundos, e sua garganta era incapaz de descrever que tipo de remédio explicava seu sabor de maneira tão exagerada, ainda que se assimilasse a todos os remédios que já tivera experimentado. Primeiro ele viu Eli, logo depois alguém não muito distante de sua memória.

— Isso é o Pedro? — Otto disse, no que Thomaz não sabia se era uma pergunta ou uma afirmação. Ele gostaria que fosse apenas uma pergunta mesmo.

Quando Elise e Pedro se aproximaram, todos já estavam de pé e o “serviço” já havia sido concluído.

— Tem mais disso aí? — Pedro perguntou.

— Trinta e é seu, dez e é nosso. — Otto respondeu no mesmo instante.

— Comprei bebida — Disse ele, erguendo a sacola que continha o que parecia ser uma vodca e um refrigerante. — Só me restou vinte.

— Eu tenho troco.

— O Saulo tá aí? — Perguntou Pedro.

— Mais um nariz e o troco volta pro meu bolso.

Rita soltou uma gargalhada, mas logo a interrompeu.

— Promoção: — disse ela. — Comprando o pó, leva o Thom.

— RITA?! — Thomaz exclamou.

— Tô brincando, bebê.

Pedro sorriu, timidamente, e após ponderar disse:

— Faz as carreiras.

— Pra já.

Ainda que a timidez de Pedro fosse duvidosa, Thomaz sabia que, ao menos, o incomodo que ele sentira com o que Rita dissera não havia se dissipado. O que ele não sabia, é que Pedro lembraria disso posteriormente.

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