Enquanto Otto, Lucas e Elise se dirigiam ao local marcado da farra, Rita e Thomaz caminhavam logo atrás, um pouco distante para que não ouvissem sobre o que estavam conversando. Foi assim que Rita percebeu que havia mais do que Thomaz estava querendo contar, e ela só saberia a verdade completa quando Pedro surgisse. — Eu te disse, foi um acidente. — Como isso poderia ser um acidente? — Disse ela, diminuindo o tom de voz assim que notou Elise a encarando naquele exato momento, como se tivesse a ouvido. — Acidentes não acontecem do nada. — Claro que acontecem, Rita. — Respondeu, Thom, acendendo um de seus cigarros. — É por isso que se chamam acidentes. A alternativa é doença ou assassinato. Até overdose normalmente não é intencional. — Não se considerar... — Sim, eu sei. Mas não é este o caso. — Sabe que vou descobrir por mim própria, não é? — Quando acontecer, eu terei voltado de novo. — E eu vou lembrar. — Talvez. — Retrucou Thomaz, avançando o passo em um ato que findava aque
"Eu era o demônio, aparentemente" ele dizia, quase como se isso fosse explicação para algo. "Meus pais evitam essa história, eu quase me ferrei por causa disso e, graças a isso também, demorei a fazer amigos." Na primeira vez que ele contou isso para alguém além de Rita, a amiga mais antiga dentre todos os outros, eles estavam bebendo na calçada de uma igreja vazia. Era véspera de natal e já haviam secado três vodcas: Eli, Thom, Rita e Otto; Lucas era um participante ocasional antes de começar a namorar Otto nessa época. Passava maior parte do tempo em casa, tentando fingir que as notificações em seu celular não eram mensagens de caras querendo um lance rápido e casual. Ele apareceria em algum momento, pouco depois da meia-noite."Era muito pequeno para sofrer as consequências dos meus atos" disse entre uma dose e outra. "Mas, eu devo ter sofrido por algum motivo, bem aqui…" ele colocou a ponta do dedo indicador em sua têmpora esquerda."Nada passa despercebido pelo cérebro." Elise com
Rita sabia o que fazer. Desde que Saulo surgiu, ela só precisava de um empurrãozinho para acabar no mesmo lugar que Thomaz acabara na noite passada, e na anterior, e na outra, e sabe-se lá quantas noites aquilo havia se repetido... exatamente a mesma noite de hoje. Foi assim que conseguiu atrair Saulo, fazê-lo convidá-la para o after em sua casa. Ela só precisava mudar o roteiro, como Thomaz fazia. Mas, dessa vez, ela seria a diretora. A língua de Saulo encontrou o peito desnudo de Rita, que gemeu enquanto mexia o quadril por cima de Saulo. A bermuda dele estava no joelho, e sua camisa atrás dele, entre suas costas suadas e a grama. Ele apertou o seio esquerdo dela com uma das mãos e, com a língua, fazia movimentos circulares no mamilo direito. Ele era gentil, Rita notara. Talvez não merecesse ser manipulado daquele jeito, mas, se ela também estava sentindo prazer, seria realmente manipulação naquele ponto?Rita puxou-o pela nuca, apertando a boca de Saulo contra seu peito. Doeu um p
Havia algo de errado com Thomaz naquele dia, e Elise sabia disso. Seu empenho em manter o rolê nos eixos, os segredinhos com Rita, a maneira com que parecia analisar minuto a minuto quem chegava e quem ia embora. Que aquele grupo era estranho isso era um fato, mas Thomaz estava mais estranho do que o comum, o que poderia ser ignorado, se não fosse a sensação de déjà-vu que vinha sentindo. O caminho até o mercadinho foi marcado pelo som das respirações de Elise e Lucas ao longo do trajeto, o que era de se esperar depois da carga de emoção que ocorreu. Elise ainda se perguntava se podia ter dito o que disse, mas sabia que uma hora ou outra Lucas merecia saber a verdade; a diferença é que saber, naquele exato momento, era arriscar comprometer a diversão para Lucas, que precisaria lidar com a lembrança constante da mãe mentindo para ele há anos, mesmo que para protegê-lo da ideia de ter um pai… pedófilo e abusador. Elise podia sentir o frio tocando sua pele, mesmo por baixo do casaco. E
— Esse é um dos novos. — Ele disse.Thomaz podia não lembrar de tudo que acontecera das outras vezes. Era difícil. Às vezes impossível. Mas, ao longo dos anos, ele aprendeu que, em algum lugar da sua mente, as informações estavam lá. E seu cérebro daria sinais do que deveria estar acontecendo e do que, provavelmente, só está acontecendo naquele momento. Ele nunca soube interpretar totalmente os sinais, mas havia aquela sensação, bem no seu íntimo, de que Hugo não deveria estar ali. — O filho de uma… — Rita não conseguiu terminar a frase. Ela não estava vendo apenas Hugo saindo do carro. Por mais distante que o carro estivesse. No final da rua, há alguns bons 15 metros, Lucas e Elise saíram do mesmo carro, quase no mesmo instante que Hugo. Rita encarou o olhar confuso de Thom, mas não mencionou sua própria confusão. Tudo bem, ela poderia estar no mesmo lugar que Hugo estivesse. Ele era só mais um cara com quem ela teve alguma coisa. — Não vai dar um oi? — Thomaz perguntou, iron
Aquilo nunca foi algo que ele escolheu ou sequer pediu. Estava gravado em seu sangue, ou em sua cabeça; talvez em partes de seu corpo que ele próprio desconhecia. Era algo que se espalhava por tudo ao seu redor: seus amigos, sua família, sua cidade. Na verdade, provavelmente ia muito além, alcançando um raio indefinido... só Deus sabia até onde. O mundo ao redor permanecia imutável. As notícias se repetiam, o álcool continuava com o mesmo teor, a maconha ainda era ilegal onde sempre foi, e as drogas ilícitas, tão comuns, podiam ser encontradas até na esquina da prefeitura. Nada parecia mudar, não realmente. Thomaz, no entanto, era uma ruptura nessa normalidade — não um herói, longe disso, apenas alguém que ainda não compreendia o próprio papel.Ele mal lembrava a motivação que o colocara em movimento, quando aquilo tudo começou, mas sabia que encerrou assim que as coisas voltaram ao normal. Seria fácil esquecer daquela época em que ele tinha seis anos, principalmente agora que sentia
Havia uma certa peculiaridade naquele chão, algo que refletia o olhar abatido e silencioso de um jovem de 23 anos prestes a encarar a si e não mais enxergar a mesma pessoa de 15 minutos atrás. Seu rosto, antes pálido, de olheiras notáveis e lábios na maior parte do tempo comprimidos pela insegurança e timidez (com exceção das noites sob o efeito do álcool), de um nariz marcante e cabelos negros ondulados que oscilavam entre o popular e a invisibilidade, agora refletia no piso carmesim sem estes traços. Agora, Thomaz encarava alguém que a princípio ele não conhecia, mas que, depois de um longo silêncio e a pressão do gotejar que ecoava perfurante através do banheiro, ele sabia que só não lembrava. Aconteceu de novo, e dessa vez ele tinha idade o suficiente para entender e refletir acerca disso; idade para não reverberar a dor, mas causá-la, porque não havia nada até aquele momento que o machucaria mais do que ele mesmo. Thomaz quase se confundiria com os azulejos perolados das paredes
O silêncio da rua foi rapidamente substituído por algumas risadas vindo da esquina mais distante, que dava para o fim da cidade. Depois dali, só havia calçamento para se terminar e muita, mais muita grama: o lugar perfeito para um serial killer ou um grupo de jovens alcoólatras como aquele. Não havia muito o que se observar na cidade inteira, em especial durante a noite, quando maior parte dos moradores ou estavam dormindo, ou transando, ou bebendo nos bares não-familiares dispostos a cada meia dúzia de casas, porém, em épocas como essa, onde a noite era tomado por um frio quase doloroso (considerando que o calor dominava durante o dia), uma cerveja gelada às 00h não parecia uma boa ideia. Thomaz sabia que, naquele horário, o único depósito de bebidas que estava aberto não possuía itens baratos, por isso agradeceu internamente quando se lembrou do dinheiro que havia guardado atrás da capinha do celular. Tal qual foi sua surpresa quando, ao tatear o bolso frontal esquerdo, sentiu falt