O tempo acontecia diferente para Thomaz, ele sabia. Da mesma maneira que o cérebro, as emoções, o ritmo cardíaco, a voz, o corpo, mudam com o tempo, o tempo também mudava em um ritmo caótico que apenas Thom conseguia notar em seus momentos de não-sobriedade. As vozes do passado reverberavam em sua mente ao longo dos anos, como anotações de coisas que ele deveria lembrar, mas sempre coisas que realmente aconteceram. As lembranças de outros momentos, momentos que ele não vivera, se apagavam como cinzas quando o vento soprava sobre elas. E o vento era Thom – até Pedro e ele se tocarem, naquele momento exato.Foi tudo de repente: em um momento, Thomaz batia o cotovelo na quina da pia, ignorando a dor; no outro, empurrava Pedro contra a parede, distante de si, e o olhava no fundo dos olhos como se nada daquilo fizesse sentido; como se Pedro fosse o elo entre o que ele era e o que ele podia lembrar que foi.Pedro não conseguiu encontrar palavras para questionar Thom sobre sua ação, mas sua
Thomaz bateu à porta do banheiro ao sair, o som seco ecoou entre as ondas da música pop que vinha da sala, e caminhou desconcertado até a sala. Havia algo de irreal na forma como seus pés tocavam o chão. Como se o tempo estivesse maleável, e ele fosse o único que não sabia mais andar sobre ele. Talvez nunca soubesse, afinal de contas.Foi então que encontrou o olhar de Rita. Silencioso, consternado. Os olhos dela não pediam explicação — eles sussurravam compaixão e empatia.Todos voltaram os olhos para o rosto dele primeiro, encharcado da água da pia, mas a verdadeira interrupção na atmosfera veio ao notarem suas mãos, e o vermelho que a coloria.— Thom, — Elise disse, sem desviar os olhos — o que você fez?Thomaz desmoronou. O chão o puxou como se reconhecesse nele uma culpa antiga, que nem mesmo ele sabia que possuía, mas que a aceitou, pois só restava isso a se fazer. Chorou de joelhos. As mãos no rosto, o sujando ainda mais com o sangue de Pedro.Houve uma comoção imediata. Sapato
Pedro acordou de um sonho. Um sonho extremamente ruim. Suas mãos tremiam e ele suava frio. A cama estava molhada — e não apenas de suor. Queria esquecer o pesadelo, mas agora os lençóis o lembravam dele o tempo inteiro.Levantou-se lentamente, ainda na inocência de seus gestos pequenos, retirando os lençóis sem fazer barulho. Queria chorar, mas sua mente insistia: qualquer som, por menor que fosse, poderia acordar as outras crianças. E não havia nada pior do que o bullying que duraria, no mínimo, o resto do ano.Nunca pensou no termo "sono pesado", mas sabia que os únicos adultos que ficavam ali durante a madrugada geralmente tinham isso.Arrastou os lençóis até a lavanderia, ao lado dos banheiros. Normalmente teria medo do escuro, mas essa parte do medo havia sido empurrada para outros cantos da sua consciência. Jogou os lençóis sobre a pia e ligou a torneira, tentando molhar o bastante até que o cheiro de xixi sumisse — ainda que soubesse, lá no fundo, que aquilo não funcionava assi
Havia uma certa peculiaridade naquele chão, algo que refletia o olhar abatido e silencioso de um jovem de 23 anos prestes a encarar a si e não mais enxergar a mesma pessoa de 15 minutos atrás. Seu rosto, antes pálido, de olheiras notáveis e lábios na maior parte do tempo comprimidos pela insegurança e timidez (com exceção das noites sob o efeito do álcool), de um nariz marcante e cabelos negros ondulados que oscilavam entre o popular e a invisibilidade, agora refletia no piso carmesim sem estes traços. Agora, Thomaz encarava alguém que a princípio ele não conhecia, mas que, depois de um longo silêncio e a pressão do gotejar que ecoava perfurante através do banheiro, ele sabia que só não lembrava. Aconteceu de novo, e dessa vez ele tinha idade o suficiente para entender e refletir acerca disso; idade para não reverberar a dor, mas causá-la, porque não havia nada até aquele momento que o machucaria mais do que ele mesmo. Thomaz quase se confundiria com os azulejos perolados das paredes
O silêncio da rua foi rapidamente substituído por algumas risadas vindo da esquina mais distante, que dava para o fim da cidade. Depois dali, só havia calçamento para se terminar e muita, mais muita grama: o lugar perfeito para um serial killer ou um grupo de jovens alcoólatras como aquele. Não havia muito o que se observar na cidade inteira, em especial durante a noite, quando maior parte dos moradores ou estavam dormindo, ou transando, ou bebendo nos bares não-familiares dispostos a cada meia dúzia de casas, porém, em épocas como essa, onde a noite era tomado por um frio quase doloroso (considerando que o calor dominava durante o dia), uma cerveja gelada às 00h não parecia uma boa ideia. Thomaz sabia que, naquele horário, o único depósito de bebidas que estava aberto não possuía itens baratos, por isso agradeceu internamente quando se lembrou do dinheiro que havia guardado atrás da capinha do celular. Tal qual foi sua surpresa quando, ao tatear o bolso frontal esquerdo, sentiu falt
Dos três paredões dispostos, cada um a uma distância "confortável", era impossível ouvir apenas um, ainda mais agora que só tinham uma garrafa e meia de vodca entre os amigos de Thomaz (por mais que aquilo fosse uma festa avulsa informal, cada galera que lidasse com as próprias bebidas e drogas). Rita parou um momento na frente do paredão mais próximo, procurando por alguém especifico, até encontrar o dono do carro do outro lado com alguns amigos. Ela passou por um casal aos beijos e puxou conversa com o homem que mais parecia ser uns 10 anos mais velha que ela.— Oi — Ela chamou. O cara virou-se para ela no mesmo instante. — Você o dono desse som? — Sua voz soava propositalmente sensual. O cara assentiu, dando um gole na sua longneck enquanto analisava Rita dos pés até a cabeça – a comendo com os olhos, como ela diria posteriormente.— Será que eu posso conectar meu celular alguns minutos? Prometo que será rápido.— O que eu ganho em troca?Elise notou quando Luíza se aproximou em p
Otto encontrou Lucas no poste mais distante, enquanto urinava nas plantas, distante de toda a galera que parecia aumentar a cada hora que passava, desde a chegada do primeiro carro – quando eles já estavam lá; eles e apenas eles. — Quer uma ajudinha? — Otto disse há alguns metros de distância, aproximando-se conforme Lucas parecia acomodar seu membro dentro da roupa. Lucas deu uma risadinha sem graça. — Chegou atrasado. Ele virou-se para o namorado, que agora estava cara a cara com ele, respirou fundo e beijou rapidamente Otto nos lábios, afastando em seguida em direção onde a galera estava reunida. — Pera, — disse Otto. — É só isso? — Eu não estou no clima, amor. Ansiedade, acho. — Você não tomou seu remédio, tomou? Lucas respondeu balançando a cabeça negativamente. — Não tomo quando saio pra beber, cê sabe. — Humrum... — Vou tentar falar com a Ri, ela deve ter alguma coisa. Otto se aproximou de Lucas, colocando seu braço ao redor de seu pescoço delicadamente. Os dois se
Aquilo não era exatamente o que Rita esperava para aquela noite, mas havia prometido a Saulo desde o último rolê, quando citou, sem querer que estava disposta a dar ¼ do seu doce a Saulo em troca de uma dose da bebida dele – “péssima troca” Otto dissera no dia, mas Rita amava um gim com tônica, e não era sempre que aquele tipo de bebida surgia no rolê; estavam acostumados com vodca barata, refrigerante e, na maioria das vezes, um energético para segurar a noitada. Eles já estavam distantes de toda a galera e todo o som quando Saulo se dignou a perguntar: — Precisava ser tão longe? Rita sentou-se na grama do campo de futebol que ficava na margem de todo o loteamento, tirando seu celular do bolso, com um embrulho pequeno feito de papel alumínio. Saulo a observou, sentando-se ao seu lado, na esperança de que não estivesse próximo há nenhum formigueiro. — Sabe o que dizem sobre distância? — Ele não respondeu, mas, para Rita, aquilo era esperado. — É só questão de se mover. Saulo esqu