Capítulo quatro

Otto encontrou Lucas no poste mais distante, enquanto urinava nas plantas, distante de toda a galera que parecia aumentar a cada hora que passava, desde a chegada do primeiro carro – quando eles já estavam lá; eles e apenas eles.

— Quer uma ajudinha? — Otto disse há alguns metros de distância, aproximando-se conforme Lucas parecia acomodar seu membro dentro da roupa.

Lucas deu uma risadinha sem graça.

— Chegou atrasado.

Ele virou-se para o namorado, que agora estava cara a cara com ele, respirou fundo e beijou rapidamente Otto nos lábios, afastando em seguida em direção onde a galera estava reunida.

— Pera, — disse Otto. — É só isso?

— Eu não estou no clima, amor. Ansiedade, acho.

— Você não tomou seu remédio, tomou?

Lucas respondeu balançando a cabeça negativamente.

— Não tomo quando saio pra beber, cê sabe.

— Humrum...

— Vou tentar falar com a Ri, ela deve ter alguma coisa.

Otto se aproximou de Lucas, colocando seu braço ao redor de seu pescoço delicadamente. Os dois se puseram a caminhar em direção aos carros e as pessoas. Lucas observava as diversas silhuetas das quais maioria ele não conhecia, enquanto Otto apenas tentava entender o motivo para Lucas estar o evitando – ele reconhecia quando Lucas estava mentindo, e tal como, sabia que o namorado esteve distante desde o começo do rolê.

— Acho que a Rita ainda não chegou. — Disse Otto, para quebrar o gelo.

— E pra onde ela foi?

— Sei lá, tá todo mundo aí. Thomaz tá com os mucilons desde que chegaram, e a Eli...

— Sumiu também?

— Não, ali ela. — Otto apontou com a cabeça, Lucas fingiu encontrá-la (naquele momento, alguma luz refletia em seus óculos, impedindo-o de enxergar com clareza à sua frente). — Ela ficou me esperando enquanto te procurava.

Quando Otto e Lucas se aproximaram de Elise, a garota os abraçou. O som parecia manter o mesmo gênero musical desde que substituíram o som da caixinha de Lucas pelo paredão musical dos carros. Elise agachou, pegando uma das vodcas que estava no chão, junto ao refrigerante e o energético que trouxeram, e preenchendo um copo descartável com a mistura das bebidas.

— Pararam de beber? — Ela perguntou.

— Ainda tem copo?

A garota separou dois dos copos que estavam junto ao seu e entregou aos meninos.

— Ei, Otto. — Saulo surgiu por trás de Elise, seu rosto se destacava pelo brilho no olhar de quem não estava alto apenas com álcool. Otto sorriu para ele, reconhecendo sua feição. — Cê tem algum cigarro aí?

Otto não respondeu, apenas tirou do bolso uma carteira de Marlboro e entregou dois cigarros a Saulo, que agradeceu com um sorriso.

— Amo vocês, seus porra. — E então deu um beijo na bochecha de Otto, desaparecendo logo depois.

— Precisamos de mais refrigerante. — Comentou Lucas, após preencher seu copo.

Otto observou as garrafas no chão, concluindo que o refrigerante e o energético havia acabado. Elise acendeu um de seus Lucky Strikes (“cigarro de puta” é como eles chamam) e, após o primeiro trago, encarou os garotos como se eles já soubessem o que ela iria dizer.

— Se o Luck for comigo, eu vou lá na vendinha...

— Lucas?

Ainda que Otto esperasse uma desculpa, Lucas concordou sem hesitar. Rita apareceu logo em seguida, com um dos Marlboro que Otto dera a ela pouco antes de sumir, o qual deixara pra acender apenas no último minuto.

— Quem bebeu nossa bebida? — Questionou, soprando toda a fumaça na direção de Elise.

— O pessoal que você chamou. — Respondeu Eli, com um enorme sorriso sarcástico.

Elise não pretendia convidar a irmã e seus amigos para o único lugar da cidade onde tudo era permitido (quase tudo), por mais que conhecesse o caráter de Luiza e seu autocontrole, o que, às vezes, não significava nada. Aquela não era a primeira vez em que elas saiam para algum lugar para beber, “era melhor beber comigo do que com um estranho” Eli sempre dizia a si. Mas, como sempre, Luiza nunca estava só – considerando que, mesmo com parte de sua atenção virada para Lu, Elise nunca deixava seus amigos fora do radar; na verdade, eles eram seu radar.

— Me faz um favor, — pediu Luiza, após se aproximar de Elise e Rita que divagavam sobre as garotas mais velhas que surgiram junto com os carros de som que mais pareciam diversos pontos turísticos acomodados em uma única rua.

— Se não for pedir bebida — disse Elise, virando-se para a irmã com a mão na cintura e um olhar fuzilante.

— Eu já estou bebendo. — Respondeu a garota. Rita sorriu, mas logo abstendo o riso após Eli dirigir o mesmo olhar em sua direção. — Só quero que fique com meu celular. — Eli ponderou, apesar de saber que não tinha opção. — Por favor, é só pro caso de eu acabar passando do ponto.

— Não que você vá...

— Não que eu vá, pois é.

Rapidamente Luiza estendeu seu aparelho telefone à Elise, que o tomou com relutância. A garota então desapareceu entre os amigos.

— Ela vai se cuidar, relaxa. — Comentou Rita, ligeiramente esperançosa de que não precisasse ouvir novamente o sermão da amiga.

— Não graças a você, né?

Elise guardou o celular em seu bolso, observando ao seu redor à procura dos meninos. Seu olhar cruzou com o de Saulo por um instante, e quando ela dirigiu o olhar novamente para ele, percebeu que o mesmo não estava mais olhando em sua direção.

— Ele já te disse alguma coisa? — Questionou.

— Quem? O Thom?

Elise acenou com o queixo na direção de Saulo, que estava sentado no meio fio enquanto fumava um cigarro e parecia distraído com as luzes dos carros. Rita hesitou em responder.

— Nada que me pareça interessante. — Respondeu. — Quando ele diz algo interessante, né? — E sorriu.

Elise riu ao mesmo tempo, finalmente, por aleatoriedade de seu TDAH, encontrou o olhar de Thomaz no meio dos amigos de sua irmã. Aparentemente ele estava bem acomodado, trocando olhares com Rafael que pareciam óbvios demais para serem ignorados.

— Acho que os dois querem se pegar. — Disse Rita, percebendo onde estava a atenção da amiga.

— Lembra quando me pediu um beijo no início do rolê?

Rita hesitou, observando a bochecha colorida de Elise, que mudava de cor conforme as luzes do painel de led do carro de som mais próximo.

— Não estou dizendo que... — Elise tentou complementar, mas foi interrompida com as mãos de Rita em seu rosto, segundos antes de seus lábios se encontrarem.

Depois de alguns árduos segundos, Elise afastou sua boca da de Rita e comentou:

— Alguém precisa mudar essa playlist. — E a beijou novamente.

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