Otto encontrou Lucas no poste mais distante, enquanto urinava nas plantas, distante de toda a galera que parecia aumentar a cada hora que passava, desde a chegada do primeiro carro – quando eles já estavam lá; eles e apenas eles.
— Quer uma ajudinha? — Otto disse há alguns metros de distância, aproximando-se conforme Lucas parecia acomodar seu membro dentro da roupa. Lucas deu uma risadinha sem graça. — Chegou atrasado. Ele virou-se para o namorado, que agora estava cara a cara com ele, respirou fundo e beijou rapidamente Otto nos lábios, afastando em seguida em direção onde a galera estava reunida. — Pera, — disse Otto. — É só isso? — Eu não estou no clima, amor. Ansiedade, acho. — Você não tomou seu remédio, tomou? Lucas respondeu balançando a cabeça negativamente. — Não tomo quando saio pra beber, cê sabe. — Humrum... — Vou tentar falar com a Ri, ela deve ter alguma coisa. Otto se aproximou de Lucas, colocando seu braço ao redor de seu pescoço delicadamente. Os dois se puseram a caminhar em direção aos carros e as pessoas. Lucas observava as diversas silhuetas das quais maioria ele não conhecia, enquanto Otto apenas tentava entender o motivo para Lucas estar o evitando – ele reconhecia quando Lucas estava mentindo, e tal como, sabia que o namorado esteve distante desde o começo do rolê. — Acho que a Rita ainda não chegou. — Disse Otto, para quebrar o gelo. — E pra onde ela foi? — Sei lá, tá todo mundo aí. Thomaz tá com os mucilons desde que chegaram, e a Eli... — Sumiu também? — Não, ali ela. — Otto apontou com a cabeça, Lucas fingiu encontrá-la (naquele momento, alguma luz refletia em seus óculos, impedindo-o de enxergar com clareza à sua frente). — Ela ficou me esperando enquanto te procurava. Quando Otto e Lucas se aproximaram de Elise, a garota os abraçou. O som parecia manter o mesmo gênero musical desde que substituíram o som da caixinha de Lucas pelo paredão musical dos carros. Elise agachou, pegando uma das vodcas que estava no chão, junto ao refrigerante e o energético que trouxeram, e preenchendo um copo descartável com a mistura das bebidas. — Pararam de beber? — Ela perguntou. — Ainda tem copo? A garota separou dois dos copos que estavam junto ao seu e entregou aos meninos. — Ei, Otto. — Saulo surgiu por trás de Elise, seu rosto se destacava pelo brilho no olhar de quem não estava alto apenas com álcool. Otto sorriu para ele, reconhecendo sua feição. — Cê tem algum cigarro aí? Otto não respondeu, apenas tirou do bolso uma carteira de Marlboro e entregou dois cigarros a Saulo, que agradeceu com um sorriso. — Amo vocês, seus porra. — E então deu um beijo na bochecha de Otto, desaparecendo logo depois. — Precisamos de mais refrigerante. — Comentou Lucas, após preencher seu copo. Otto observou as garrafas no chão, concluindo que o refrigerante e o energético havia acabado. Elise acendeu um de seus Lucky Strikes (“cigarro de puta” é como eles chamam) e, após o primeiro trago, encarou os garotos como se eles já soubessem o que ela iria dizer. — Se o Luck for comigo, eu vou lá na vendinha... — Lucas? Ainda que Otto esperasse uma desculpa, Lucas concordou sem hesitar. Rita apareceu logo em seguida, com um dos Marlboro que Otto dera a ela pouco antes de sumir, o qual deixara pra acender apenas no último minuto. — Quem bebeu nossa bebida? — Questionou, soprando toda a fumaça na direção de Elise. — O pessoal que você chamou. — Respondeu Eli, com um enorme sorriso sarcástico. Elise não pretendia convidar a irmã e seus amigos para o único lugar da cidade onde tudo era permitido (quase tudo), por mais que conhecesse o caráter de Luiza e seu autocontrole, o que, às vezes, não significava nada. Aquela não era a primeira vez em que elas saiam para algum lugar para beber, “era melhor beber comigo do que com um estranho” Eli sempre dizia a si. Mas, como sempre, Luiza nunca estava só – considerando que, mesmo com parte de sua atenção virada para Lu, Elise nunca deixava seus amigos fora do radar; na verdade, eles eram seu radar. — Me faz um favor, — pediu Luiza, após se aproximar de Elise e Rita que divagavam sobre as garotas mais velhas que surgiram junto com os carros de som que mais pareciam diversos pontos turísticos acomodados em uma única rua. — Se não for pedir bebida — disse Elise, virando-se para a irmã com a mão na cintura e um olhar fuzilante. — Eu já estou bebendo. — Respondeu a garota. Rita sorriu, mas logo abstendo o riso após Eli dirigir o mesmo olhar em sua direção. — Só quero que fique com meu celular. — Eli ponderou, apesar de saber que não tinha opção. — Por favor, é só pro caso de eu acabar passando do ponto. — Não que você vá... — Não que eu vá, pois é. Rapidamente Luiza estendeu seu aparelho telefone à Elise, que o tomou com relutância. A garota então desapareceu entre os amigos. — Ela vai se cuidar, relaxa. — Comentou Rita, ligeiramente esperançosa de que não precisasse ouvir novamente o sermão da amiga. — Não graças a você, né? Elise guardou o celular em seu bolso, observando ao seu redor à procura dos meninos. Seu olhar cruzou com o de Saulo por um instante, e quando ela dirigiu o olhar novamente para ele, percebeu que o mesmo não estava mais olhando em sua direção. — Ele já te disse alguma coisa? — Questionou. — Quem? O Thom? Elise acenou com o queixo na direção de Saulo, que estava sentado no meio fio enquanto fumava um cigarro e parecia distraído com as luzes dos carros. Rita hesitou em responder. — Nada que me pareça interessante. — Respondeu. — Quando ele diz algo interessante, né? — E sorriu. Elise riu ao mesmo tempo, finalmente, por aleatoriedade de seu TDAH, encontrou o olhar de Thomaz no meio dos amigos de sua irmã. Aparentemente ele estava bem acomodado, trocando olhares com Rafael que pareciam óbvios demais para serem ignorados. — Acho que os dois querem se pegar. — Disse Rita, percebendo onde estava a atenção da amiga. — Lembra quando me pediu um beijo no início do rolê? Rita hesitou, observando a bochecha colorida de Elise, que mudava de cor conforme as luzes do painel de led do carro de som mais próximo. — Não estou dizendo que... — Elise tentou complementar, mas foi interrompida com as mãos de Rita em seu rosto, segundos antes de seus lábios se encontrarem. Depois de alguns árduos segundos, Elise afastou sua boca da de Rita e comentou: — Alguém precisa mudar essa playlist. — E a beijou novamente.Aquilo não era exatamente o que Rita esperava para aquela noite, mas havia prometido a Saulo desde o último rolê, quando citou, sem querer que estava disposta a dar ¼ do seu doce a Saulo em troca de uma dose da bebida dele – “péssima troca” Otto dissera no dia, mas Rita amava um gim com tônica, e não era sempre que aquele tipo de bebida surgia no rolê; estavam acostumados com vodca barata, refrigerante e, na maioria das vezes, um energético para segurar a noitada. Eles já estavam distantes de toda a galera e todo o som quando Saulo se dignou a perguntar: — Precisava ser tão longe? Rita sentou-se na grama do campo de futebol que ficava na margem de todo o loteamento, tirando seu celular do bolso, com um embrulho pequeno feito de papel alumínio. Saulo a observou, sentando-se ao seu lado, na esperança de que não estivesse próximo há nenhum formigueiro. — Sabe o que dizem sobre distância? — Ele não respondeu, mas, para Rita, aquilo era esperado. — É só questão de se mover. Saulo esqu
— Verdade ou desafio? — Perguntou Rafael. O garoto tinha a mesma altura que Thom, apesar de ser mais novo. Seus óculos de aro dourado e redondos, refletia as luzes da cidade à distância. Thom gostava dos cabelos castanho-claro de Rafa, e de como os fios desmaiavam sobre seu rosto ocasionalmente. Se ele o beijasse, ele pensou, quando ele o beijasse, colocaria seus dedos naqueles cabelos e sabia que iria sentir como se tocasse o céu - ou os cabelos de Pedro. Ele afastou a ideia da mente quando Rafael repetiu a pergunta. Thomaz hesitou por um instante. Não estava bêbado o suficiente para cumprir qualquer desafio, mas também não queria parecer careta demais; entretanto, aquela seria sua primeira verdade ainda, o que diminuía o peso em sua consciência. — Verdade. Rafael refletiu, não conhecia Thom o suficiente para elaborar uma boa pergunta. — A bebida acaba e essa pergunta não sai. — Elizabeth comentou. — Calma. — Respondeu Rafa. — Então... é verdade que você já foi apaixonado pe
Houve um tempo em que Thomaz temia interações como aquelas. Até os 18 anos, suas amizades eram resumidas em uma ou duas colegas de escola e alguns vizinhos com quem jogava FPS online, mas nada disso se comparava ao que ele passou a ter quando decidiu sair da própria bolha. Tão logo passou a fazer as escolhas que o colocavam de frente à construção de uma identidade própria, acabou por parar nesse momento: lá estava ele, dando toda a atenção do mundo para os recém-chegados amigos de Luiza. Thomaz conhecia a irmã de Elise há um tempo, assim como Marcos; porém, se perguntado, Thom diria que Rafael era o rosto menos conhecido dali. Uma bela de uma mentira, considerando que ele e Lucas já haviam conversado sobre o garoto há um tempo, quando usavam Grindr para julgar os gays do aplicativo (e, vez ou outra, aliviar a tensão). Rafael não parecia diferente da foto, muito dificilmente seria difícil de reconhecê-lo, com ou sem filtro, mas o que chamou a atenção de Thom, quando os quatro se aproxi
Elizabeth está com aquela mesma sensação de ter esquecido algo, mesmo agora, enquanto vai de encontro à concentração de pessoas desinteressantes com gostos por carros de som, luzes coloridas e álcool. O que quer que ela tenha esquecido, não tem relação com aquele momento, ou pelo menos, é isso que espera. Ao imaginar aquele rolê, em sua mente, o lugar estaria praticamente vazio. Ela respira fundo enquanto Marcos parece notar um pouco atrasado que estavam caminhando em direção a um formigueiro de pessoas – e pior: certamente, uma grande maioria desconhecida. — Isso não era para ser um rolê pequeno? A mão de Luiza já estava começando a doer com o peso da sacola que segurava. Os quatro tiveram uma pequena votação para decidir quem levaria as sacolas com bebidas – duas, no total, onde um par de vodca sabor blueberry e um par de refrigerante de limão estavam divididos – e Marcos e Luiza haviam perdido a votação. Não que isso importasse. Naquele momento, ninguém mais do que ela estava est
Thomaz certamente não estava no clima para beber – ainda. Ele tinha em sua cabeça, o pensamento de que aquela rua estaria cheia em pouco tempo, mas deu um longo gole em sua mistura alcoólica quando cogitou a possibilidade de que ele estaria lá. Não um ele qualquer, mas alguém cuja memória Tom não conseguia abandonar. — O que está pensando? — Questionou Lucas, que estranhamente estava com um cigarro aceso entre os dedos. Tom o encarou, alternando o olhar entre o rosto de Lucas e o cigarro, e então de um para o outro. — Eu sei... — disse Lucas, percebendo a estranheza da situação. — É só esse. Vocês dizem que é bom pra ansiedade, né? Eles formavam um semicírculo no chão, mas Rita não estava junto. Ela observava a luz oscilante de um poste ao longe, estado ela há apenas alguns passos do grupo. Otto também não havia voltado de seu momento no “banheiro público”, o que fazia Lucas querer ir ao seu encontro e dar-lhe um tapa. — Não é o cigarro em si, — disse Elise. — É o controle. — Vo
Assim que abriu os olhos, logo que soou o primeiro alarme do seu celular, a primeira coisa que Rita procurou, no criado mudo ao lado da cama, foi seu celular. La tela, a mensagem de Tom, enviada na madrugada daquele mesmo dia, às 4h. “Rolê hoje?”. Rita não iria, pelo menos não até o dado momento em que sua mãe a questionou se pretendia sair. Era um milagre, e posteriormente ela descobriria que, realmente, era um milagre. Não um milagre qualquer, mas considerando que sua mãe raramente a incitava a simplesmente sair, encontrar os amigos e... beber; aquela situação foi, no mínimo, inesperada. Rita só respondeu à mensagem duas horas depois, e passara o resto da manhã e da tarde, ansiosa com a ideia de que hoje poderia encher a cara e curtir as últimas semanas na cidade com os amigos. Fazia uma semana que Rita não saia de casa, a não ser para a universidade. Precisava de permissão maioria das vezes para encontrar com os amigos, e, às vezes, nem podia demorar. A simples ideia de não saber
Aconteceu tão logo Thom reconheceu a silhueta de Elise, Lucas e Otto. O casal sentado em duas cadeiras em frente à conveniência, enquanto Elise, de pé, bebia uma cerveja. Uma Tiger, ele notou de longe. Aquele fora o verdadeiro gatilho - a latinha de Tiger. A memória, inicialmente turva, começou a ganhar forma, cor, sabor... Thomaz sentiu lentamente seu coração palpitar em seu peito, mas ele não conseguia evitar continuar caminhando. Ele estaria em frente à conveniência logo, e precisaria que aquilo desaparecesse o mais rápido possível; que ele lembrasse de tudo de uma vez, ou simplesmente não lembrasse.Thomaz respirou fundo. Há poucos passos de Elise, a garota jogou as tranças, antes sobre seus ombros, para trás, movendo o rosto e vendo, no exato momento em que fez isso, Rita e Thom se aproximar. Ela sorriu e correu para abraçá-los. Sem abraços, Thomaz pediu mentalmente. Sem abraços. Mas era tarde demais. Elise já estava sobre ele. As lembranças veio em uma torrente.Pedro. Pedro.
Enquanto Otto, Lucas e Elise se dirigiam ao local marcado da farra, Rita e Thomaz caminhavam logo atrás, um pouco distante para que não ouvissem sobre o que estavam conversando. Foi assim que Rita percebeu que havia mais do que Thomaz estava querendo contar, e ela só saberia a verdade completa quando Pedro surgisse. — Eu te disse, foi um acidente. — Como isso poderia ser um acidente? — Disse ela, diminuindo o tom de voz assim que notou Elise a encarando naquele exato momento, como se tivesse a ouvido. — Acidentes não acontecem do nada. — Claro que acontecem, Rita. — Respondeu, Thom, acendendo um de seus cigarros. — É por isso que se chamam acidentes. A alternativa é doença ou assassinato. Até overdose normalmente não é intencional. — Não se considerar... — Sim, eu sei. Mas não é este o caso. — Sabe que vou descobrir por mim própria, não é? — Quando acontecer, eu terei voltado de novo. — E eu vou lembrar. — Talvez. — Retrucou Thomaz, avançando o passo em um ato que findava aque