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Capítulo 2- Valentina

Vi ele partir para Goiás de longe, eu sei que ele me viu, até abaixou o chapéu para mim, mas eu não queria ser mais um estorvo para ele. Elas tinham razão, a diferença de idade entre mim e ele era grande. O que eu tinha na cabeça que um rapaz na idade dele ia querer ser meu amigo? Eu me enganei e ele só ficou do meu lado porque eu era a sobrinha da patroa. “Como eu fui patética né!?”

Os dias têm passado e se eu disser que melhorou um pouquinho aquilo que senti quando briguei com ele, a resposta vai ser não. Eu fico remoendo as coisas, igual o gado do pasto, ela vai e volta e eu continuo pensando naquilo. Toda vez que olho para a Ciça, me lembro daquela cena horrorosa e do que às duas falaram, e isso me dá mais raiva a cada dia, não só delas, mas do Daniel também. Era só ele vir falar comigo e dizer: “Olha não acho legal uma moça do seu tamanho, ficar me rodeando”.

Seria bem mais fácil do que ouvir dos outros.

Pego Caco meu sapo de estimação, ele não está muito bem percebi isso ontem. Aí vocês falam: “eca ela tem um saco, é eu tenho e daí!?” O sapo é meu e eu gosto dele, cuido do Caco desde que era um girino feio! Na verdade, feio ele continua sendo, mas isso não vem ao caso. Eu gosto de bicho, já pensei em ser veterinária igual à tia Manu, mas não sei não, ainda estou pensando.

Levo ele dentro de uma caixinha na casa da tia Manu, assim que entro ela já me olha com aquela cara e eu acabo sorrindo.

— O que tem esse sapo em princesa? — ela fala enquanto balança o Caio filho do meu primo Emanuel, a história dele é complicada e meia triste.

— Cadê o primo?

— Está dando banho na Samanta.

— Ele é um paizão né tia?

— É sim princesa, mas espero que logo a mãe volte para cuidar dela também.

— Vai voltar sim tia, eu sei, estou morrendo de saudade da Kate. Não sei o que o Caco tem, ele está tristonho.

— Deixa ele lá fora que depois vou examinar, agora vou fazer o Caio dormir e já volto.

— Tá, eu vou lavar as mãos e subir para ver a Samanta.

Coloco a caixa com o Caco na varanda. Lavo minhas mãos no banheiro de baixo e subo para o quarto do meu primo que está colocando a fralda na minha priminha. Ela é tão pequeninha, nasceu prematura e agora está com quase quatro meses.

— Deixa eu pegar ela Emanuel? — estico os braços e ele me olha com receio.

— Tem certeza Valentina, ela é tão pequena e você não tem jeito. — Reviro os olhos.

— Como eu vou ter jeito se você não me deixa pegar, já peguei o Caio, a tia deixou.

— Então se senta na cama e toma cuidado. — Me sento na cama e ele a coloca nos meus braços, seus olhinhos me olha com atenção e eu sorrio para ela.

— Ela é tão fofinha.

— A cara da minha morena.

— Ah isso sim! Mas parece o irmão dela também, o Lucas, tem o nariz dele.

— Verdade.

Fico um tempo com eles lá no quarto e quando ele fala que vai fazê-la dormi, me lembro do Caco lá na varanda. A tia Manuela já deve ter feito o Caio dormir, então vou pegar ele e levar para ela.

Assim que chego na varanda, meu coração acelera, e não consigo nem me mexer, vendo a vaca da Carla bater no Caco com a vassoura. Ela batia sem parar no coitado que já estava todo esmagado no chão e eu fiquei com tanto ódio naquele momento, que fui em sua direção puxando a vassoura da sua mão.

— Que isso menina me deixa terminar de matar essa coisa feia. — Ela fala em tom alto e eu quero fazê-la engolir cada palavra.

— Ele não é feio, ele é lindo e é meu.

— Você é doida ter um bicho desse. — Me viro para o Caco e o pego na mão o coitado não resistiu a essa maluca e se foi. O coloquei no chão com mais ódio ainda e me virei segurando a vassoura, segurando a arma mortal que ela matou o meu bichinho.

— Sua assassina, você matou o Caco, ele não fez mal nenhum a você, sua vaca.

— O que? Como ousa falar isso sua... aí, maluca para com isso. — Ela fala quando começo a bater nela com o cabo de vassoura igual ela fez com o Caco, o coitado está lá todo morto e ela vai morrer também.

— Isso é para você aprender não mata o bicho dos outros.

— Acerto o cabo de vassoura em suas costas e ela sai correndo para dentro de casa, eu vou atrás, viro a vassoura acertando na sua cabeça e nos seus ombros.

— DONA MANUELA, DONA MANUELA, ACODE AQUI.

— Escuto Adelaide gritar minha tia, mas não paro de bater nessa vaca.

— Patroa me ajuda aqui, essa menina é doida. — Carla corre atrás da tia Manuela e eu paro de bater nela, não sou doida de acerta minha tia.

— O que é isso Valentina? Por que está batendo na pobre da Carla?

— Pobre nada, ela matou o Caco tia, matou ele com essa vassoura, eu vou matar ela assim como ela matou ele.

— ÔÔÔ princesa, tadinho do seu bichinho. Por que fez isso

Carla? — ela se vira para Carla e eu sorrio a tia vai brigar com ela. — Eu tenho medo de sapo patroa, estava varrendo a varanda e esse bicho pulou no meu pé, eu só me defendi, não queria matar ele. — Franzo a sobrancelha olhando a cara de coitada dela. Como é falsa.

— Eu entendo Carla, eu entendo. Viu Valentina ela não queria fazer isso. Sinto muito pelo seu sapinho.

Engulo um xingamento e uma vontade de acerta a vassoura com mais força na cabeça da Carla e respiro fundo, remoendo mais uma coisa que essa vaca me fez.

— Tudo bem tia, tudo bem. — Entrego a vassoura a ela que me olha confiante.

— Vai, volta a varrer, porque a varanda está toda suja. Até parece que uma vaca passou por lá. — Ela me olha, fecha a cara e não diz nada. Melhor assim, mas isso ainda vai ter volta Carla, você me paga, eu sei esperar o tempo certo para me acertar com você.

8 meses depois.

De cima da árvore vejo meu irmão sair de fininho de dentro de casa, já está entardecendo e com toda certeza para Guilherme sair desse jeito não é coisa boa não.

Assim que ele passa por de baixo da árvore, pego uma das frutinhas do pé de jambolão e jogo nele, que se vira todo assustando. Meu irmão tem hora que é muito mole. Disso eu tenho certeza, nem parece que temos o mesmo sangue acho que o dele é mais fraco ou foi muita pinga que meu pai tomou enquanto fazia ele e minha irmã. Melhor acho que os genes bons foram para Lúcia minha irmã que é gêmea dele.

— Onde você está indo? — pergunto virando de ponta cabeça na árvore e ele olha para os lados, preocupado.

— O que está fazendo aí? Sai já, você pode cair e quebrar o pescoço. — Faço uma careta e pulo.

— Larga de ser tão medroso, nem parece ser da família. Diz logo aonde você vai? — pergunto e encosto na árvore encarando ele que bufa de raiva.

— Não te interessa.

— Se não me interessasse, não estaria perguntando.

— Pergunto por que é curiosa, deixa pra lá eu já vou indo e vê se não abre o bico em.

— Xiii, está indo atrás da moça né? Mamãe não vai, gosta nada, ela odeia o seu Antenor.

— Não estou indo encontrar ninguém, larga de ser besta. — Acabo sorrindo, pobre do meu irmão eu sou mais esperta que ele.

— Eu não nasci ontem, e sei que você vive de olho na Rose, mas até hoje ela não te deu bola.

— Mas hoje ela vai dar.

— Sabia, você estava indo atrás dela. — Ele se aproxima de mim e fecha minha boca com as mãos.

— Você fica calada, senão eu não vou te dar outro sapo coisa nenhuma. — Mordo sua mão e ele tira.

— Nenhum outro vai ter meu coração como o Caco, e pode ter passado bastante tempo, mas não esqueci aquela assassina, ainda vou me vingar só que no momento certo.

— Às vezes tenho medo de você Valentina, sua mente é perigosa.

— Vai lá logo, quem sabe hoje ganha um beijo da Rose, mas não seja tão mole, mulher não gosta de homem frouxo.

— Eu não sou mole.

— Só é devagar, aí que coisa eu pelo menos já beijei um garoto e ele foi bem convincente, só chego passo a mão na minha cintura e me tasco o beijo. Foi bom sabia me surpreendeu. — Acabo sorrindo da cara que ele faz.

— E você diz isso assim, tudo bem, o cara nem falou nada já chegou pegando e te agarrando e você gosto?

— Gostei! Mas depois meti o tapa na cara dele por chegar daquele jeito, só que aí eu que puxei ele pela blusa e beijei de novo.

— Você é maluca mesmo. — Não sei por que ele acha isso, para mim ele que é mole oxi.

Subo na árvore de novo, enquanto ele vai pegar um cavalo para ir até à cachoeira, só quero ver o que vai virar ele e a Rose.

Mamãe odeia seu Antenor, ele é um velho chato e tentou passar a mão na minha mãe, com isso ele quase perdeu o saco. Isso foi a uns cinco anos atrás, eu era pequena, mas ainda me lembro estar com minha mãe em casa e o velho chego todo animado. Devia ter bebido umas cachaças a mais, e quando ele viu que meu pai não estava e meus irmãos também não tentou pegar minha mãe.

Sabe dona Marina né, ela deu umas, porradas no velho com a frigideira e depois pegou a faca ameaçando capa o velho. Só não fez isso porque eu liguei para tia Manuela quando minha mãe estava batendo nele, aí com isso nada de pior, ou melhor, vai saber, aconteceu.

Só que agora Guilherme me inventa de ficar de olho na filha do velho. Não vai dar certo, ele não suporta ninguém da nossa família e minha mãe já disse se ele passa da porteira, o serviço que ela começou, ela termina. Com tanta mulher em Juara ele foi querer justo uma proibida. Pulo da árvore e entro em casa vejo tia Manuela com meus priminhos. Pego Samanta nos braços ela é uma fofura.

— Princesa vim avisar que depois de amanhã vamos para Abu Dhabi, chegou a hora de buscar a Kate. — Minha tia fala e eu pulo de alegria com a Samanta nos braços.

— Aí tia eu estou tão feliz que encontraram ela.

— Sim, princesa, mas não esquece que ela perdeu a memória e por isso temos de ir devagar.

— Tudo bem, eu vou devagar, mas estou morrendo de saudade dela.

— Todos nós, menina. Amanhã vai chegar o pessoal de Goiás, e eu quero que você ajude a Adelaide a arrumar a casa para fazer uma surpresa para a Kate quando voltarmos. — Meu coração disparou e eu não sei por quê.

— Por que o pessoal de Goiás vem tia?

— Porque a Kate conhece todos, princesa, e todos estava com saudade dela.

— Humm, ata entendi. — Mesmo assim fiquei um pouco estranha, não sei por que, mas fiquei.

Tentei não pensar no Daniel, mesmo ele vindo mais três vezes durante esses meses, eu me mantive afastada e todas às vezes que ele vinha falar comigo eu fui grossa e chata. Minha tia percebeu que eu mudei com ele e até me perguntou, mas eu só disse que ele era muito chato, e que não queria mais ser sua amiga. Mas é difícil eu gosto dele, é um bom amigo. Para mim ele sempre foi um bom amigo, já para ele eu não sei, talvez eu seja mesmo só um estorvo na sua vida.

Só que, só de pensar que ele vai voltar eu fico com o peito pulando feito um doido. Toda vez é assim e quando ele passa perto da cerca e toca o berrante me chamando. Minha vontade é correr atrás da Goiaba e seguir ele pelos pastos, mas não posso porque não vou me rebaixar a ser tratada como uma criança que tem de ser cuidada, toda vez que ele vem. Nunca precisei e nunca vou precisar.

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