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Coração Indomável
Coração Indomável
Por: Helen Melchior
Capítulo 1- Valentina

Escuto o toque do berrante e me levanto com tudo da minha cama, ele tinha chegado.

Coloco minha roupa correndo e desço as escadas, pego meu chapéu marrom e quando vou passar pela porta da sala escuto minha mãe me chamar da cozinha.

— Onde pensa que vai menina? Logo cedo e sem café. —

Bufo irritada me virando.

— Estou indo na tia Manu mãe.

— Eu sabia, escutou o repique do berrante e já levantou feito doida. — Se eu pudesse mataria o meu irmão, eita bicho chato, mas como não posso tenho de suportar essa criatura.

— Eu vou ver os bois, quero ajudar. — Me sento na cadeira enquanto minha mãe coloca um pedaço de bolo de milho em meu prato.

— Então coma primeiro depois você vai. Sua irmã vem nos visitar essa semana, junto com a esposa.

— Eu ainda não acredito que ela começou namorar e já foi embora.

— É o amor maninha, nem beijo direito e já fez as malas para Nova York. — Olho bem para meu irmão falando em tom debochado.

— Pronto já comi estou cheia, vou almoçar na tia Manu.

— Falo me levantando e correndo para a porta antes que ela me prenda aqui de novo.

Passo no estábulo e já vejo Goiaba, não penso duas vezes e começo a colocar o arreio nela, tudo bem que a danada não está totalmente mansa, mas eu gosto dela mesmo assim.

Num pulo só eu monto e já puxo as rédeas, ela não gosta muito, pois é chata, mas nada que uns, cutucões no vazio não a faça andar. Chego rápido na fazenda da minha tia e já vejo o alvoroço. O gado todo sendo separado para a venda e a marcação.

— Pensei que não tinha escutado eu te chamar Val — viro de lado e vejo Daniel se aproximando em um cavalo preto.

— Escutei, mas minha mãe me fez tomar café primeiro.

— Dormiu muito, quem trabalha, acorda cedo.

— Eu não trabalho esqueceu, sou filha do patrão.

— E eu só um empregado. — Ele sorri abrindo a porteira para que eu possa entrar. — Anda criança, temos trabalho a fazer. — Então vamos.

Toco Goiaba que entra ainda querendo dar uns pulos, mas depois fica quieta, começamos a separar o gado, os mais gordos e bonitos para um lado, os outros a tia ia deixar engordar mais. Tio Isaque fica da cerca onde olha, enquanto a tia Manu aplicava o vermífugo em alguns bois. Já meu primo Emanuel fica em outro cavalo, ajudando a buscar algum boi fujão. Tudo bem que tinha muito empregado ali, mas minha tia e meus primos são assim, mesmo sendo os patrões estavam no meio, ajudando.

Estava indo tudo bem, fechamos o gado, todos que iriam ser levados e acompanhei Daniel com mais alguns peões no pasto, para levar os que iriam ficar. Já estava quase chegando na sede novamente, quando Goiaba disparou feito uma louca. Não sei o que aconteceu ou o que ela viu, mas do nada saiu correndo voltando para o meio do pasto, em pulos me fazendo apertar as rédeas ainda mais forte.

Eu puxava com força, mas ela não parava por nada, então ela tropicou e eu quase fui para o chão, só não fui porque Daniel chegou bem a tempo e me segurou puxando para seu cavalo.

— Você se machucou criança? — olhei para ele ainda assustada a adrenalina estava muito alta, não consegui responder então apenas concordei com a cabeça que sim, eu estava bem.

Olhei para Goiaba que tinha machucado a pata, outro peão a segurou pelo cabresto e ela mancava.

— Eu vou com ela. — Tentei descer do cavalo, mas Daniel me segurou.

— Ela machucou a pata, não pode ir nela. Eu te levo e Marco leva a égua puxando. Tudo bem, Marco? — olhei para aquele peão que eu ainda não conhecia e ele apenas confirmou que sim.

Marco tinha vindo com Daniel lá de Rio Verde no Goiás, aonde tia Manuela tem outra fazenda, sempre que vai mexer com o gado Daniel vem, não que precise porque aqui tem bastante gente. Mas ele vem mesmo assim, diz que gosta de ajudar a tia, pois os pais dele são amigos da minha tia. Uma amizade de bastante tempo e por isso o pai do Daniel toma conta da fazenda de Goiás e minha tia confia nele de olhos fechados.

— Tudo bem, então vai mais para trás, de lado não consigo andar não. — Ele sorri do que eu falo.

— Pensei que fosse uma princesa, princesa anda de lado.

— Para de graça Daniel, só a tia Manuela que me chama assim, bicho chato. — Empurro o seu chapéu e ele segura antes que caia no chão.

— Não toque no meu chapéu criança, você sabe que eu não gosto.

— Então vai para trás, precisamos ir logo. Todo mundo já foi e eu estou com fome.

— Me conte uma novidade, você parece uma trituradeira comendo.

Ameaço falar, mas ele coloca a mão na minha boca, e me calo.

O caminho até a sede ele faz devagar, e eu gosto muito de conversar com Daniel, ele disse que não vai fazer faculdade não, que ele gosta mesmo é de estar no meio do gado. Já eu conto que vou fazer administração, não porque eu gosto, na verdade, não gosto. Mas todos da família tem essa faculdade, pelas fazendas da família.

Mal coloquei o pé no chão e minha tia já vem me chamando, ela é assim um cuidado e um amor.

— Minha princesa você está bem? — pelo canto do olho vejo Daniel segurar o riso, eu não gosto desse apelido que a tia me colocou, mas ela fala com tanto carinho que não vou dizer que não gosto né.

— Estou bem tia, não se preocupe. Daniel me segurou.

— Daniel é um rapaz de ouro. — Pronto agora ele fica todo metido.

— E a Goiaba tia?

— Foi só uma torção não se preocupe, ela vai ficar uns dias mancando, mas nada que um descanso não ajude. — é muito bom ter uma veterinária na família nesses momentos.

— Vem vamos almoçar, lavem as mãos, já estamos todos na mesa. — Ela sai na frente e quando se distância Daniel fala perto do meu ouvido.

— Vai lava as mãos, princesa.

— Vai te lasca Daniel. — Pego seu chapéu e saio correndo, sei que ele odeia isso.

— Volta aqui Val, para com essas brincadeiras, criança.

Passei a tarde toda na fazenda da tia Manuela, minha mãe também veio com meu irmão. A conversa estava boa e Daniela a irmã do Daniel que tem a mesma idade que eu, também veio, gosto muito dela é engraçada e fala bastante, já estava escurecendo e eu precisava ver Goiaba antes de ir embora.

— Onde está indo filha, já estamos indo embora. — Minha mãe fala se levantando da cadeira de área.

— Vou ver a Goiaba e já venho vai ser rápido mãe.

— Não demora então, já estou me despedindo.

Saio correndo em direção ao estábulo, entro devagar para não assustar nenhum dos animais que tem ali. Mas paro no lugar quando vejo a porta entre aberta de uma baia, meu coração disparou forte e vi uma coisa que me deixou sem palavras.

Daniel tirava a camisa, e uma das empregadas da fazenda a Ciça já estava sem a blusa e ela tirava o sutiã. Ele jogou a camisa no chão e eu vi o momento em que ele pegou o seio dela com uma mão e levou a boca. Aquilo me embrulhou o estômago de uma forma que eu não sabia se sentia raiva ou nojo dos dois.

Acho que sentia nojo, isso sim! Por mais que fosse normal para um rapaz da idade dele e da Ciça fazerem isso, para mim não era e nunca presenciei uma cena daquela.

Eca!

Ainda empacada na frente daquela porta, eu o vi virar ela de costas e abrir suas pernas levantando a sua saia. Ciça virou a cabeça e me viu, mas abriu um sorriso malicioso de que estava gostando da mão dele dentro da sua roupa, quando eu percebi que ele estava abrindo a calça sai correndo dali.

Meu coração pulava e um nó em minha garganta se formou, foi como um choro, mas porque eu estava querendo chorar, ele é apenas meu amigo, como qualquer outro rapaz da escola.

Sai quase correndo e quando cheguei na sede minha mãe me olhou e veio até mim com uma cara estranha

— Você está bem filha? Está branca, parece que está passando mal.

— Estou bem. Vamos embora mãe eu quero dormir. — Ela me olhou por um momento e não disse nada melhor assim.

Logo que cheguei em meu quarto enterrei minha cabeça no travesseiro, queria não pensar no que eu tinha visto, mas era difícil.

Demorei bastante para dormir, e como uma praga acordei com o toque do seu berrante. Eu sabia que ele estava me chamando, era sempre o mesmo toque quando ele me chamava, mas eu tinha perdido a vontade de ir até ele.

Tomei meu café em silêncio, falei para minha mãe que estava com dor de cabeça, então ela não falou nada. Na parte da tarde fui até o fundo da fazenda na divisa com a fazenda da tia Manuela, buscar algumas mangas.

Vi quando Ciça e Carla uma moça nova que começou trabalhar na fazenda da tia Manuela, voltavam da lagoa. Devem ter ido tomar banho, hoje o dia estava calor. Meu santo não batia com o da Carla, não sei por que, mas assim que a vi, não gostei.

Elas vinham pela beirada da cerca e não me viram em cima da árvore. Eu fiquei foi bem quieta, não tinha nada de interessante ali para mim. Até que às duas se sentaram no banco de madeira que meus primos fizeram a um tempo atrás.

— Então ficou com ele ontem é? — Carla perguntou com curiosidade e a Ciça sorrio.

— Fiquei e foi ótimo, ele tem uma pegada que nossa é incrível. Mas você não sabe da maior, eu estava tão distraída sentindo os toques dele que quando olhei para a porta advinha quem tava lá?

— Quem? Não me diga que era algum parente dele.

— Que nada. Era a sobrinha da patroa, aquela menina, quase que ela estraga o melhor sexo da minha vida.

— O que ela fazia lá?

— Não sei não, talvez tenha ido ver a égua dela, mas não me importei, fazia tempo que eu queria ficar com ele.

— Aquela menina tem de ver que ela é uma pirralha chata, fica no pé do Daniel igual uma cola. Ele nunca vai querer nada com ela, acho que fica andando de um lado para o outro com ela grudada como um carrapato nele só porque é sobrinha do patrão. É capaz de nem suportar ela. Eu mesma não suporto, é mimada demais. — Engulo seco ouvindo aquilo, o Daniel não gostava de ficar do meu lado, era isso mesmo.

— Nunca ouvi ele reclamar dela, mas vive chamando de criança.

— Por isso mesmo, claro que fala isso para ela se tocar e ver que é uma criança, e não tem de estar no meio dos peões como um macho, ela tem o que quatorze, quinze anos?

— Quatorze e um pouco, mas ela não é tão menina assim.

— Aí Ciça claro que é, Daniel é um rapaz forte gostoso e tem uma pegada que você disse ser o máximo, o quê que ele vai fazer com uma menina daquela grudada no pé dele. Ele só não manda ela ir pasta porque é sobrinha da patroa.

— É talvez seja mesmo.

Às duas se levantam e seguem o caminho delas. Eu fico ali pensando, “será esse o motivo dele me chamar de criança?” Com muita raiva sinto meus olhos se encherem de água, mas me nego a chorar, eu não ia chorar por isso. Se ele me chamava de criança e só tinha amizade comigo porque eu era sobrinha da patroa dele, isso ia acabar agora!

Pulo da árvore e antes que eu consiga dar dois passos escuto o seu assobio atrás de mim.

— Onde você vai criança, está fugindo de mim? — escutar ele me chamar de criança fez todos os cabelos do meu corpo se arrepiar, mas de raiva, me virei o encarando nos olhos.

— Não te interessa.

— OXI, algum bicho te mordeu foi? Por que está falando assim?

— Não me enche o saco Daniel, me deixa em paz. — Me viro para ir embora e com alguns passos sinto meu braço sendo puxado, ele pulou a cerca para vir atrás de mim.

— O que aconteceu Val? Você não é assim. Cadê a minha menininha? — Menininha, sério putz agora meu ódio estava maior, o empurrei de uma vez e ele quase caiu já que não estava esperando.

— Me deixa em paz Daniel, você é só o empregado da minha tia, não precisa ficar atrás de mim como um cão de guarda.

— Está maluca Valentina, que história é essa. Eu em, não te fiz nada pra falar assim comigo, além de ser mimada é sem educação agora?

— Eu não sou mimada.

— A não princesa?

— Cala a boca Daniel sua peste, me deixa em paz não sou mais sua amiga, não sou nada sua. — Viro as costas e saio andando pisando duro de raiva.

— Valentina que história é essa que não é mais minha amiga?

Valentina!

Deixo ele gritando e vou embora, eu não sou mimada e sem educação, então ele que vá procurar outra amiga lá na baixa da égua.

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