Capítulo 4

A casa ainda estava silenciosa quando desci para a cozinha. O sol mal tinha nascido, e um tom alaranjado banhava os móveis de madeira, criando um cenário quase acolhedor. O cheiro de café fresco preenchia o ambiente, e foi esse aroma familiar que me guiou até ali.

Mas não era só o café que me esperava.

Bernardo estava encostado no balcão, vestido com jeans e uma camisa de botões com as mangas dobradas até os antebraços. Era o tipo de descuido calculado que só alguém absurdamente confiante conseguia carregar.

Ele ergueu os olhos ao me ver e sorriu de canto, daquele jeito preguiçoso que parecia provocar sem esforço.

— Bom dia, dorminhoca. Achei que ia perder a gente saindo.

Tentei ignorar a forma como aquele tom rouco soava mais intimista no silêncio da cozinha.

— Não sou de acordar tão tarde — respondi, indo até a cafeteira. — Só não costumo ter motivos para madrugar.

Peguei uma xícara e servi o café, sentindo o peso do olhar dele sobre mim. Bernardo observava de um jeito intenso, como se estivesse avaliando algo que eu não sabia exatamente o quê.

— Então talvez a gente devesse arrumar um motivo para você acordar cedo.

A provocação veio sem pressa, e quando me virei para encará-lo, encontrei aquele sorriso de quem se divertia testando limites.

Revirei os olhos, mas senti meu coração bater um pouco mais forte. Ele fazia isso com qualquer mulher ou era só comigo?

— Vocês vão viajar cedo assim?

Ele assentiu, dando um gole no café.

— Sim. Temos um evento importante para ir. O Diogo e eu ficaremos alguns dias fora.

— Pecuária, certo?

— Isso mesmo. Alguma vez já foi a um desses eventos?

Neguei com a cabeça.

— Nunca me envolvi muito com esse tipo de coisa.

— Você deveria ir um dia. Quem sabe não descobre um talento oculto?

Soltei um sorriso discreto.

— Duvido. Mas acho que deve ser interessante para quem gosta.

Ele apoiou a xícara na pia e me olhou por um instante, como se avaliasse se devia ou não continuar.

— Na verdade, estou indo por um motivo um pouco diferente.

Arqueei uma sobrancelha.

— Ah, é?

Ele hesitou por um momento, depois cruzou os braços.

— Preciso resolver algumas pendências da minha parte da herança.

A surpresa me fez parar por um segundo, o calor do café entre meus dedos sendo a única coisa que me ancorava.

— Como assim?

Bernardo riu baixo.

— Parece surpresa.

— Porque estou. Você falou como se tivesse que… provar algo para receber essa herança.

Ele inclinou a cabeça, o olhar brilhando com algo indefinido.

— Você é perspicaz.

O silêncio se instalou por um momento, e eu percebi que ele estava esperando minha reação antes de seguir.

— Basicamente, meu pai deixou uma cláusula no testamento. Para eu ter direito à minha parte da herança, preciso me casar.

Engoli em seco, sentindo um leve incômodo no peito que não soube identificar.

— Casar?

— Isso mesmo. Um casamento de verdade, não algo temporário.

Houve um instante de silêncio entre nós. Bernardo parecia relaxado demais para alguém que falava sobre um assunto tão sério. Como se já tivesse aceitado o destino sem se preocupar muito.

Mas eu me perguntei se era só pose.

— E você já namora? — Minha pergunta saiu antes que eu pudesse pensar melhor.

Ele segurou meu olhar por um segundo longo demais antes de responder:

— Ainda não.

Por algum motivo, minha garganta ficou seca.

Ele apoiou os cotovelos no balcão e sorriu de canto.

— Mas talvez esteja na hora de mudar isso.

O modo como ele disse aquilo, baixo e tranquilo, fez meu estômago revirar. Me obriguei a manter a expressão neutra, a ignorar o calor estranho que subiu pelo meu pescoço.

— Boa sorte com isso.

Coloquei minha xícara na pia e fiz menção de sair, mas, antes que pudesse dar um passo, ele falou:

— Eu vou precisar.

Seu olhar encontrou o meu, e pela primeira vez naquela conversa, senti que havia mais ali do que apenas charme jogado ao vento.

Fui para a varanda, mas o Bernardo me acompanhou.

- Laura, a Helena já tinha me falado sobre você quando o Diogo comentou que você viria passar uns dias aqui. - Bernardo falou.

O que será que a Lena tinha falado?

- É mesmo?

- Ela comentou que você era uma pessoa cética, não acreditava em destino, não acredita no amor.

Dei de ombros, não era algo que eu saia falando por aí, mas também eu não escondia de ninguém.

— Eu sou realista, só isso — respondi, tentando desviar a atenção do assunto.

Bernardo sorriu, como se tivesse gostado da minha resposta, e se aproximou um pouco mais da varanda, apoiando-se na grade.

— Eu entendo. Mas às vezes, Laura, a vida tem uma forma de surpreender a gente. O destino tem suas maneiras de agir, mesmo quando a gente não acredita nele.

Olhei para ele, absorvendo aquelas palavras, e, por algum motivo, meu coração acelerou. Não sabia se era o tom da conversa ou algo mais, mas havia algo nele, algo na forma como ele falava, que mexia comigo. Tentei disfarçar, mantendo a postura tranquila.

— E você acredita nisso? — perguntei, meio desafiadora, tentando desviar minha mente das sensações estranhas que ele despertava em mim.

Ele riu, um riso baixo e quase melancólico.

— Eu não sou tão cético quanto você. Não completamente. A questão é que estou em uma situação… complicada.

Fiquei atenta, meus olhos se estreitaram.

— Complicada como?

Bernardo olhou ao redor, como se quisesse garantir que ninguém estava ouvindo, e depois se virou para mim com uma expressão mais séria.

— Eu preciso me casar. Por questões da minha família. E talvez eu precise de alguém que não tenha expectativas, alguém que aceite que a relação entre a gente não vá passar de um acordo formal.

Ele fez uma pausa, esperando minha reação, e eu senti o peso de suas palavras.

— Um acordo formal? — repeti, sentindo meu coração bater mais rápido, confusa sobre o que ele estava sugerindo.

Bernardo assentiu, com uma leveza na voz.

— Isso mesmo. Não estamos falando de amor, Laura. Não precisamos disso. Só precisamos que as coisas sigam o rumo certo. Eu preciso da minha parte da herança, e você… bem, você precisaria de algo que pudesse mudar sua vida também. Talvez essa seja uma solução simples para ambos.

— Mudar minha vida? Bernardo, olha, eu não preciso de dinheiro. Não vejo como isso poderia ser vantajoso pra mim. Não estou interessada. — Falei com firmeza, começando a me afastar, mas, antes que eu pudesse dar um passo, ele segurou minha mão com uma suavidade inesperada.

Eu congelei por um instante, sentindo o calor de sua mão sobre a minha. O toque dele não era agressivo, mas havia algo nele que me desconcertava, me fazendo questionar por que eu não conseguia simplesmente afastá-lo. Ele parecia tão calmo, tão certo de si, como se já soubesse o que eu ia dizer antes mesmo que eu abrisse a boca.

— Sabe o que eu acho? — Ele perguntou, a voz suave, quase como um sussurro, mas com uma intensidade que me fez parar.

Franzi a testa, confusa.

— Eu não leio pensamentos, Bernardo.

Ele sorriu, com uma expressão que eu não consegui decifrar, e o olhar dele se manteve firme no meu.

— Que você está com medo de se apegar, se apaixonar por mim. — Ele disse com um tom desafiador, e eu revirei os olhos, tentando disfarçar a sensação desconfortável que tomou conta de mim.

— Isso é ridículo — respondi, tentando soar indiferente, mas a verdade era que ele tinha acertado em cheio. Eu estava sentindo uma mistura de emoções que não sabia lidar.

Bernardo manteve o sorriso, como se esperasse exatamente essa reação de mim.

— Eu sei. É sempre mais fácil negar do que admitir, não é? — Ele deu um passo à frente, e a proximidade dele fez meu coração bater mais rápido. — Mas você sabe o que mais? Eu não vou te pressionar. Eu só queria que você soubesse da minha proposta. E, se quiser pensar sobre isso enquanto eu estiver fora, é o seu direito. Quando eu voltar, podemos conversar com calma.

Eu não sabia o que pensar, mas a ideia de ele ter a audácia de tocar nesse ponto, de me desafiar dessa forma, mexia com algo dentro de mim. Havia algo nele, uma confiança imensa que eu não conseguia ignorar. Ao mesmo tempo, isso me incomodava profundamente. Eu não queria ser uma mulher que cedia tão facilmente a qualquer provocação, mas, ao mesmo tempo, não sabia se conseguiria resistir a essa força magnética que ele tinha sobre mim.

— Você não me conhece, Bernardo. E eu não preciso provar nada pra você. — Tentei me afastar do tema, mas as palavras saíram mais fracas do que eu gostaria.

De repente, ele fez algo inesperado. Bernardo afastou uma mecha de cabelo minha, e, com o movimento, seus dedos roçaram a minha pele, um toque tão leve, mas que parecia incendiar por dentro. Ele estava tão perto que pude sentir o calor de sua respiração, e a sensação de seus lábios raspando levemente pelo meu rosto me fez estremecer. Meu corpo reagiu sem que eu quisesse, e aquele cheiro do perfume dele me envolveu, tornando tudo ainda mais intenso, mais real.

— Exatamente, não precisa me provar nada. — Ele sussurrou em meu ouvido, e sua voz parecia carregada de uma mistura de desafio e compreensão. — Mas não acha que precisa provar a si mesma?

Eu fiquei em silêncio, tentando processar as palavras dele, que pareciam mais uma verdade incômoda do que uma provocação. O que ele queria dizer com isso?

Antes que eu pudesse formular qualquer resposta, uma voz familiar interrompeu o momento.

— Bom dia, Laura. Como vai? Estamos indo agora pra Pecuária, voltamos em alguns dias. Espero que aproveite a fazenda com a Lena. — Diogo apareceu na varanda, com aquele sorriso acolhedor, completamente alheio à tensão que eu sentia no ar.

Eu respirei fundo, tentando me recompor, e virei o rosto para ele, buscando esconder a confusão interna que Bernardo tinha me causado.

— Bem, Diogo. — Respondi, tentando soá-la natural, mas sabia que minha voz estava carregada de algo que ele não poderia perceber. — Aproveitarei sim. Espero que tenham uma boa viagem.

- Vamos, Bernardo? - Ele chamou o irmão que assentiu.

Diogo foi na frente caminhando em direção a caminhonete e Bernardo ainda ficou na varanda me observando.

— Espero que tenha uma resposta pra me dar quando voltar, Laura. Até mais. — Ele disse, com um sorriso enigmático nos lábios, e então se afastou, caminhando até onde Diogo estava.

Eu fiquei ali, estática, os olhos fixos na figura deles indo embora, mas a mente vagando para um turbilhão de pensamentos. O som da caminhonete se afastando ainda ecoava em minha cabeça, mas o que realmente me atormentava era a sensação de que eu já havia me entregado de alguma forma. As palavras dele, o toque sutil, a forma como ele me observava… tudo isso me deixava com um nó no peito.

Bernardo foi embora, mas ele deixou algo mais em mim do que apenas o cheiro de seu perfume no ar. Ele me deixou com um dilema, uma escolha que, no fundo, eu sabia que teria que fazer.

Sigue leyendo en Buenovela
Escanea el código para descargar la APP

Capítulos relacionados

Último capítulo

Escanea el código para leer en la APP