O tempo passou sem que eu percebesse. Depois de um banho revigorante e um tempo para me organizar, desci para o jantar, sentindo o aroma reconfortante da comida caseira se espalhando pela casa.
A mesa estava posta na sala de jantar, e Helena conversava animadamente com Diogo sobre algum problema na fazenda. Bernardo, ao lado do irmão, participava ocasionalmente da conversa, mas parecia mais interessado na comida do que em qualquer outra coisa. — Você vai gostar do ritmo daqui, Laura. O Rio de Janeiro é muito barulhento — Helena comentou, lançando-me um olhar cúmplice. Dei de ombros, tentando manter a neutralidade. — Ainda estou me acostumando. Mas é um lugar agradável. — Não é a sua primeira vez aqui, Laura, mas acredito que será a primeira vez que passará mais do que um fim de semana com a gente. — Diogo comentou. Assenti levemente, pegando o copo d’água à minha frente. — Algumas coisas me lembram a fazenda do meu avô. Não é igual, claro, mas tem um clima parecido. Helena sorriu, satisfeita, e Bernardo finalmente ergueu os olhos do prato. — Bom saber que você gosta daqui. Talvez isso signifique que vá ficar um pouco mais. A forma como ele disse aquilo, com um sorriso despreocupado, fez com que eu o encarasse por um instante, tentando entender se havia um significado escondido ali. — Isso depende de algumas coisas — respondi, sem me comprometer. Ele não insistiu, apenas sorriu de canto antes de voltar a comer. A conversa seguiu de forma leve, com Helena contando sobre alguns de seus novos projetos na fazenda e Diogo trazendo algumas observações sobre o andamento das colheitas. Em determinado momento, quando o jantar terminou, saí para a varanda para aproveitar a brisa fresca da noite. O ar ali era diferente, mais fresco, carregado pelo cheiro da terra úmida. Apoiei-me no parapeito e respirei fundo, apreciando o silêncio. Estava imersa em meus pensamentos quando ouvi passos atrás de mim. — Então, você acha que vai se adaptar bem à rotina daqui? A voz de Bernardo me pegou de surpresa, mas não me virei de imediato. Apenas soltei um suspiro antes de responder: — Acho que sim. Ele parou ao meu lado, segurando uma garrafa de cerveja. — Sabe, quando a Lena disse que você viria, fiquei curioso. Nunca nos encontramos antes, mas eu já tinha ouvido falar de você. Arqueei uma sobrancelha, finalmente virando o rosto para encará-lo. — Ah, é? — Sim. — Ele tomou um gole da cerveja, me estudando. — Mas, confesso, imaginei que você fosse diferente. Cruzei os braços, intrigada. — Diferente como? — Não sei… mais reservada, talvez. Imaginei que fosse bonita, mas você é linda, Laura. Revirei os olhos, sentindo meu rosto aquecer levemente. Não que eu fosse do tipo que se impressionava fácil, mas o jeito casual com que ele dizia essas coisas me irritava um pouco. Como se tivesse plena certeza do efeito que causava. — Você sempre j**a charme assim ou sou um caso especial? Ele inclinou a cabeça, observando-me com um meio sorriso. — Talvez um pouco dos dois. Soltei um suspiro exagerado. — Isso explica porque você nunca se prendeu a ninguém, ou porque nunca ficou aqui. Pelo menos nas raras ocasiões que estive aqui. Ele me olhou por um instante antes de murmurar: — Engraçado você dizer isso. — Sua expressão se fechou um pouco, como se minha observação tivesse atingido um ponto sensível. — A maioria das pessoas aqui tem essa impressão sobre mim. Mas, no fim das contas, eu sou tão dono desse lugar quanto o Diogo. Franzi o cenho, tentando entender o que ele queria dizer com aquilo. — Como assim? Ele se virou para mim, e dessa vez seu sorriso de canto parecia mais contido. — Metade dessas terras também são minhas. Pelo menos tecnicamente. Minha respiração vacilou por um instante. — O quê? A informação me pegou de surpresa, e acredito que ele percebeu isso, porque riu baixo, balançando a cabeça. — Aposto que ninguém te contou essa parte. — Definitivamente, não. Uma parte de mim quis perguntar por que diabos ele parecia tão distante da administração da fazenda se tinha tanto direito quanto o irmão, mas antes que eu pudesse falar, ele continuou: — Pois é. Eu sempre fui o irmão que ficou mais afastado dos negócios daqui. Mas, dessa vez, decidi voltar para ajudar o Diogo com algumas questões que estavam saindo do controle. Havia algo no tom dele que me fez querer perguntar mais. O jeito como olhava para além da varanda, como se aquilo tudo fosse mais complicado do que parecia. — E pretende ficar? Ele soltou um riso curto, sem humor. — Essa é a pergunta que todo mundo faz. — Ele tomou outro gole da cerveja. — Sempre fui o irmão que saiu, que foi viver a própria vida longe daqui. Meu pai nunca me viu como alguém que pudesse administrar esse lugar, então deixou tudo nas mãos do Diogo. Mas a verdade é que eu tenho tanto direito a isso quanto ele. Notei a amargura em sua voz e me peguei observando-o de forma diferente. Até aquele momento, Bernardo parecia apenas um cara charmoso e convencido, mas havia mais ali. — E Diogo vê dessa forma? Ele desviou o olhar para o horizonte, parecendo considerar minha pergunta. — O Diogo é… prático. Ele sempre levou esse lugar nas costas e se acostumou com isso. Mas eu sei que, no fundo, ele acha que eu não vou durar muito por aqui. A sinceridade nas palavras dele me pegou de surpresa. — E você? O que acha? Ele me olhou por um momento antes de dizer: — Ainda não decidi. Mas talvez tenha encontrado um bom motivo para isso. A forma como disse aquilo, o olhar firme em mim, fez meu estômago revirar. — Ah, é? — perguntei, mantendo o tom indiferente. Ele sorriu de lado. — Sim. Você acredita em coincidências, Laura? Inclinei a cabeça, desconfiada. — Não. Ele riu baixo. — Então acho que preciso descobrir sua opinião sobre o destino. Soltei uma risada curta. — Boa sorte com isso. Bernardo apenas sorriu, como se estivesse gostando do desafio. E, naquele momento, soube que ele não pretendia parar tão cedo. Ficamos em silêncio por alguns instantes, apenas ouvindo os sons da noite. O vento soprava suave, carregando o cheiro de terra molhada e madeira. A presença de Bernardo ao meu lado era confortável e, ao mesmo tempo, inquietante. Eu não gostava da forma como ele me olhava, como se estivesse tentando me decifrar. E, pior, não gostava do fato de que eu estava começando a querer decifrá-lo também. — Então, Laura — ele quebrou o silêncio, apoiando os cotovelos no parapeito da varanda. — O que te trouxe para cá dessa vez? — Vim passar um tempo com minha prima. — respondi sem rodeios. Se o Diogo me ligou dizendo que estava tendo problemas no casamento, então certamente o Bernardo saberia. Suspirei, desviando o olhar para além da varanda. — Talvez eu só precisasse de um tempo longe do Rio. — Fugindo de alguma coisa? Voltei a encará-lo, e havia algo desafiador no jeito que ele me olhava, como se estivesse me testando. — Não sou do tipo que foge. Ele sorriu de canto. — Isso é bom. Mas às vezes, se afastar é necessário. — Você fala como alguém que já fez muito isso. — E fiz. — Ele tomou um gole da cerveja, pensativo. — Mas, no fim das contas, sempre acabei voltando. O jeito como disse aquilo, com um toque de frustração, me fez sentir uma pontada de curiosidade. Bernardo era um mistério que eu ainda não tinha decidido se queria desvendar. — E o que te fez voltar agora? — perguntei, cruzando os braços. Ele me observou por um momento antes de dar de ombros. — Talvez eu tenha percebido que algumas coisas daqui ainda valem a pena. Revirei os olhos, mas não pude evitar um pequeno sorriso. Bernardo tinha esse efeito. Era irritante, mas ao mesmo tempo… envolvente. — Se sua intenção é me deixar curiosa, sinto dizer que não está funcionando. — Tem certeza? — Ele inclinou a cabeça, me analisando. Fiz um esforço para parecer indiferente. — Sim. Ele riu baixo, terminando a cerveja e deixando a garrafa sobre o parapeito. — Bom, acho que vou ter que me esforçar mais, então. — Vou subir, estou cansada — avisei, já me afastando de Bernardo. Ele não tentou me impedir, apenas me seguiu com o olhar, como se soubesse que aquilo estava longe de ser o fim daquela conversa. E, de alguma forma, eu também sabia.A casa ainda estava silenciosa quando desci para a cozinha. O sol mal tinha nascido, e um tom alaranjado banhava os móveis de madeira, criando um cenário quase acolhedor. O cheiro de café fresco preenchia o ambiente, e foi esse aroma familiar que me guiou até ali.Mas não era só o café que me esperava.Bernardo estava encostado no balcão, vestido com jeans e uma camisa de botões com as mangas dobradas até os antebraços. Era o tipo de descuido calculado que só alguém absurdamente confiante conseguia carregar.Ele ergueu os olhos ao me ver e sorriu de canto, daquele jeito preguiçoso que parecia provocar sem esforço.— Bom dia, dorminhoca. Achei que ia perder a gente saindo.Tentei ignorar a forma como aquele tom rouco soava mais intimista no silêncio da cozinha.— Não sou de acordar tão tarde — respondi, indo até a cafeteira. — Só não costumo ter motivos para madrugar.Peguei uma xícara e servi o café, sentindo o peso do olhar dele sobre mim. Bernardo observava de um jeito intenso, como
Não demorou muito para minha prima descer as escadas, ainda com os cabelos levemente bagunçados e um sorriso acolhedor no rosto. A casa começava a se movimentar à medida que a manhã avançava. Rosa já circulava pela cozinha, o cheiro de café fresco e pão assado preenchendo o ambiente. Do lado de fora, pela janela entreaberta, observei a rotina pulsante da fazenda: funcionários caminhavam apressados em direção à hípica, outros seguiam para a plantação de café, enquanto os caminhões da transportadora iam e vinham carregados de insumos. Era um mundo muito diferente da minha rotina no Rio, mas algo naquela energia movimentada me trazia uma sensação estranha de pertencimento. Lena se aproximou e se sentou ao meu lado no sofá, com uma xícara de café na mão, puxando os joelhos para perto do corpo, como fazia quando queria uma conversa mais longa. — Como foi sua primeira noite aqui? — perguntou, olhando para mim com curiosidade genuína. — Foi tranquila. Talvez esse lugar seja exatamente o q
Os últimos cinco dias tinham sido surpreendentemente tranquilos. Com Diogo e Bernardo fora, a fazenda parecia ter um ritmo mais leve, e eu comecei a me acostumar àquele ambiente. Helena e eu passamos as manhãs explorando os arredores. Caminhamos pelos cafezais enquanto ela me explicava todo o processo da colheita, algo que eu nunca tinha parado para pensar antes. Passamos um tempo na hípica, onde ela tentou, sem sucesso, me convencer a montar um cavalo. Também fomos até o pequeno vilarejo próximo para comprar algumas coisas, e eu me peguei gostando da rotina desacelerada que a vida ali oferecia. Nos momentos em que Helena estava ocupada com as responsabilidades da fazenda, eu me dedicava à minha tese. O escritório que ela disponibilizou para mim tinha uma vista linda dos campos, e pela primeira vez em muito tempo, eu conseguia trabalhar sem distrações. Foi um período de calma. Um período onde eu quase me senti em paz. Até hoje. A noite estava quente, mas a brisa que soprava
Após o passeio de cavalo com Bernardo, eu me sentia revigorada, mas ainda com aquela sensação de desconforto sobre os últimos dias. O ar fresco da fazenda, as paisagens imensas, tudo parecia diferente do que eu estava acostumada. Depois de descer da sela, dei um pequeno sorriso, tentando me convencer de que a vida aqui poderia ser boa, mas a verdade é que ainda me sentia como uma estranha neste lugar. Bernardo seguiu para a transportadora e eu subi para o meu quarto. O calor do banho foi um alívio, como se me livrasse de toda a tensão do passeio e da estranheza do lugar. Enquanto a água caía sobre mim, meus pensamentos se voltaram para o que ele havia me perguntado mais cedo. A proposta de um casamento sem amor. Só de pensar nisso, eu me sentia mais distante da ideia. Mas algo na forma como ele falou me fez refletir. Será que ele também estava pensando naquilo como algo meramente prático, sem maiores sentimentos envolvidos? Depois de me secar, vesti uma calça jeans e uma blusa de
O dia amanheceu com um céu azul claro, e o aroma de café recém-passado preenchia o casarão. Eu já estava vestida quando desci para o café da manhã e encontrei Bernardo sentado à mesa, os dedos tamborilando suavemente contra uma pasta preta de couro. Ele ergueu o olhar assim que me viu e sorriu de lado. — Bom dia, esposa. Revirei os olhos e puxei uma cadeira. — Ainda não sou sua esposa. — Detalhes. — Ele tomou um gole do café, como se aquilo fosse apenas um pequeno contratempo. - Onde está a Lena e o Diogo? - Pergunto me servindo de uma xícara de café. - Saíram cedo pra transportadora. Será que podemos conversar no escritório quando você terminar de comer? - Ele pergunta e assinto pegando uma fatia de bolo. O escritório de Bernardo na fazenda era um espaço amplo, com estantes repletas de livros e documentos sobre a administração das terras. A madeira escura dos móveis e o aroma amadeirado do ambiente tornavam o lugar acolhedor, mas ainda assim carregado de seriedade.
Me viro na cama ao som insistente do celular. Atendo sem olhar quem é. — Alô? — Laura, desculpa te acordar. — A voz de Diogo ressoa do outro lado da linha. Meu cérebro ainda está despertando, mas algo no tom dele me faz sentar na cama, alerta. — O que aconteceu? — É a Helena… Você é psicóloga e nossa amiga. Eu preciso de você aqui. Estou vendo meu casamento desmoronar e não sei o que fazer. Minha mente ainda luta para processar as palavras. — Diogo, o que exatamente está acontecendo? — Vou viajar para a pecuária, e não quero deixar a Helena sozinha. A fazenda tem funcionários, claro, mas ela precisa de alguém próximo. Solto um suspiro, coço os olhos. Não faz sentido discutir pelo telefone. — Ok. Quando eu chegar, entendo melhor. — Obrigado, Laura. O silêncio se instala depois que a ligação é encerrada. Olho as horas no celular. 5h25. Muito cedo. Tento deitar novamente, mas o peso do pedido de Diogo não me deixa relaxar. Ele não é o tipo de pessoa que pede ajuda
Helena e eu decidimos ir conversar na varanda e aproveitar um pouco do ar fresco. Ela me falava sobre sua rotina na fazenda quando o som de um carro se aproximando chamou nossa atenção. O motor desligou, e em poucos segundos a porta do veículo se abriu. Diogo foi o primeiro a sair, ajeitando a aba do chapéu enquanto subia os degraus da varanda com a postura rígida de sempre. O olhar atento percorreu a cena diante dele antes de se fixar em mim. — Olha só quem resolveu aparecer — comentou, e sorriu - estou feliz que tenha vindo, Laura. A Lena sempre comenta o quanto sente sua falta. Antes que eu pudesse responder, a outra porta se abriu. E então eu o vi. O homem que desceu do carro tinha uma presença marcante, algo difícil de ignorar. Era alto, de ombros largos e porte elegante, mas sem a rigidez do irmão. Sua expressão trazia um ar de confiança descontraída, como alguém acostumado a ser notado sem fazer esforço. O cabelo escuro, ligeiramente bagunçado, dava a impressão de que