Capítulo 3

O tempo passou sem que eu percebesse. Depois de um banho revigorante e um tempo para me organizar, desci para o jantar, sentindo o aroma reconfortante da comida caseira se espalhando pela casa.

A mesa estava posta na sala de jantar, e Helena conversava animadamente com Diogo sobre algum problema na fazenda. Bernardo, ao lado do irmão, participava ocasionalmente da conversa, mas parecia mais interessado na comida do que em qualquer outra coisa.

— Você vai gostar do ritmo daqui, Laura. O Rio de Janeiro é muito barulhento — Helena comentou, lançando-me um olhar cúmplice.

Dei de ombros, tentando manter a neutralidade.

— Ainda estou me acostumando. Mas é um lugar agradável.

— Não é a sua primeira vez aqui, Laura, mas acredito que será a primeira vez que passará mais do que um fim de semana com a gente. — Diogo comentou.

Assenti levemente, pegando o copo d’água à minha frente.

— Algumas coisas me lembram a fazenda do meu avô. Não é igual, claro, mas tem um clima parecido.

Helena sorriu, satisfeita, e Bernardo finalmente ergueu os olhos do prato.

— Bom saber que você gosta daqui. Talvez isso signifique que vá ficar um pouco mais.

A forma como ele disse aquilo, com um sorriso despreocupado, fez com que eu o encarasse por um instante, tentando entender se havia um significado escondido ali.

— Isso depende de algumas coisas — respondi, sem me comprometer.

Ele não insistiu, apenas sorriu de canto antes de voltar a comer.

A conversa seguiu de forma leve, com Helena contando sobre alguns de seus novos projetos na fazenda e Diogo trazendo algumas observações sobre o andamento das colheitas. Em determinado momento, quando o jantar terminou, saí para a varanda para aproveitar a brisa fresca da noite.

O ar ali era diferente, mais fresco, carregado pelo cheiro da terra úmida. Apoiei-me no parapeito e respirei fundo, apreciando o silêncio.

Estava imersa em meus pensamentos quando ouvi passos atrás de mim.

— Então, você acha que vai se adaptar bem à rotina daqui?

A voz de Bernardo me pegou de surpresa, mas não me virei de imediato. Apenas soltei um suspiro antes de responder:

— Acho que sim.

Ele parou ao meu lado, segurando uma garrafa de cerveja.

— Sabe, quando a Lena disse que você viria, fiquei curioso. Nunca nos encontramos antes, mas eu já tinha ouvido falar de você.

Arqueei uma sobrancelha, finalmente virando o rosto para encará-lo.

— Ah, é?

— Sim. — Ele tomou um gole da cerveja, me estudando. — Mas, confesso, imaginei que você fosse diferente.

Cruzei os braços, intrigada.

— Diferente como?

— Não sei… mais reservada, talvez. Imaginei que fosse bonita, mas você é linda, Laura.

Revirei os olhos, sentindo meu rosto aquecer levemente. Não que eu fosse do tipo que se impressionava fácil, mas o jeito casual com que ele dizia essas coisas me irritava um pouco. Como se tivesse plena certeza do efeito que causava.

— Você sempre j**a charme assim ou sou um caso especial?

Ele inclinou a cabeça, observando-me com um meio sorriso.

— Talvez um pouco dos dois.

Soltei um suspiro exagerado.

— Isso explica porque você nunca se prendeu a ninguém, ou porque nunca ficou aqui. Pelo menos nas raras ocasiões que estive aqui.

Ele me olhou por um instante antes de murmurar:

— Engraçado você dizer isso. — Sua expressão se fechou um pouco, como se minha observação tivesse atingido um ponto sensível. — A maioria das pessoas aqui tem essa impressão sobre mim. Mas, no fim das contas, eu sou tão dono desse lugar quanto o Diogo.

Franzi o cenho, tentando entender o que ele queria dizer com aquilo.

— Como assim?

Ele se virou para mim, e dessa vez seu sorriso de canto parecia mais contido.

— Metade dessas terras também são minhas. Pelo menos tecnicamente.

Minha respiração vacilou por um instante.

— O quê?

A informação me pegou de surpresa, e acredito que ele percebeu isso, porque riu baixo, balançando a cabeça.

— Aposto que ninguém te contou essa parte.

— Definitivamente, não.

Uma parte de mim quis perguntar por que diabos ele parecia tão distante da administração da fazenda se tinha tanto direito quanto o irmão, mas antes que eu pudesse falar, ele continuou:

— Pois é. Eu sempre fui o irmão que ficou mais afastado dos negócios daqui. Mas, dessa vez, decidi voltar para ajudar o Diogo com algumas questões que estavam saindo do controle.

Havia algo no tom dele que me fez querer perguntar mais. O jeito como olhava para além da varanda, como se aquilo tudo fosse mais complicado do que parecia.

— E pretende ficar?

Ele soltou um riso curto, sem humor.

— Essa é a pergunta que todo mundo faz. — Ele tomou outro gole da cerveja. — Sempre fui o irmão que saiu, que foi viver a própria vida longe daqui. Meu pai nunca me viu como alguém que pudesse administrar esse lugar, então deixou tudo nas mãos do Diogo. Mas a verdade é que eu tenho tanto direito a isso quanto ele.

Notei a amargura em sua voz e me peguei observando-o de forma diferente. Até aquele momento, Bernardo parecia apenas um cara charmoso e convencido, mas havia mais ali.

— E Diogo vê dessa forma?

Ele desviou o olhar para o horizonte, parecendo considerar minha pergunta.

— O Diogo é… prático. Ele sempre levou esse lugar nas costas e se acostumou com isso. Mas eu sei que, no fundo, ele acha que eu não vou durar muito por aqui.

A sinceridade nas palavras dele me pegou de surpresa.

— E você? O que acha?

Ele me olhou por um momento antes de dizer:

— Ainda não decidi. Mas talvez tenha encontrado um bom motivo para isso.

A forma como disse aquilo, o olhar firme em mim, fez meu estômago revirar.

— Ah, é? — perguntei, mantendo o tom indiferente.

Ele sorriu de lado.

— Sim. Você acredita em coincidências, Laura?

Inclinei a cabeça, desconfiada.

— Não.

Ele riu baixo.

— Então acho que preciso descobrir sua opinião sobre o destino.

Soltei uma risada curta.

— Boa sorte com isso.

Bernardo apenas sorriu, como se estivesse gostando do desafio.

E, naquele momento, soube que ele não pretendia parar tão cedo.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, apenas ouvindo os sons da noite. O vento soprava suave, carregando o cheiro de terra molhada e madeira. A presença de Bernardo ao meu lado era confortável e, ao mesmo tempo, inquietante.

Eu não gostava da forma como ele me olhava, como se estivesse tentando me decifrar. E, pior, não gostava do fato de que eu estava começando a querer decifrá-lo também.

— Então, Laura — ele quebrou o silêncio, apoiando os cotovelos no parapeito da varanda. — O que te trouxe para cá dessa vez?

— Vim passar um tempo com minha prima. — respondi sem rodeios.

Se o Diogo me ligou dizendo que estava tendo problemas no casamento, então certamente o Bernardo saberia.

Suspirei, desviando o olhar para além da varanda.

— Talvez eu só precisasse de um tempo longe do Rio.

— Fugindo de alguma coisa?

Voltei a encará-lo, e havia algo desafiador no jeito que ele me olhava, como se estivesse me testando.

— Não sou do tipo que foge.

Ele sorriu de canto.

— Isso é bom. Mas às vezes, se afastar é necessário.

— Você fala como alguém que já fez muito isso.

— E fiz. — Ele tomou um gole da cerveja, pensativo. — Mas, no fim das contas, sempre acabei voltando.

O jeito como disse aquilo, com um toque de frustração, me fez sentir uma pontada de curiosidade. Bernardo era um mistério que eu ainda não tinha decidido se queria desvendar.

— E o que te fez voltar agora? — perguntei, cruzando os braços.

Ele me observou por um momento antes de dar de ombros.

— Talvez eu tenha percebido que algumas coisas daqui ainda valem a pena.

Revirei os olhos, mas não pude evitar um pequeno sorriso. Bernardo tinha esse efeito. Era irritante, mas ao mesmo tempo… envolvente.

— Se sua intenção é me deixar curiosa, sinto dizer que não está funcionando.

— Tem certeza? — Ele inclinou a cabeça, me analisando.

Fiz um esforço para parecer indiferente.

— Sim.

Ele riu baixo, terminando a cerveja e deixando a garrafa sobre o parapeito.

— Bom, acho que vou ter que me esforçar mais, então.

— Vou subir, estou cansada — avisei, já me afastando de Bernardo.

Ele não tentou me impedir, apenas me seguiu com o olhar, como se soubesse que aquilo estava longe de ser o fim daquela conversa.

E, de alguma forma, eu também sabia.

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