Capítulo 5

Não demorou muito para minha prima descer as escadas, ainda com os cabelos levemente bagunçados e um sorriso acolhedor no rosto. A casa começava a se movimentar à medida que a manhã avançava. Rosa já circulava pela cozinha, o cheiro de café fresco e pão assado preenchendo o ambiente. Do lado de fora, pela janela entreaberta, observei a rotina pulsante da fazenda: funcionários caminhavam apressados em direção à hípica, outros seguiam para a plantação de café, enquanto os caminhões da transportadora iam e vinham carregados de insumos. Era um mundo muito diferente da minha rotina no Rio, mas algo naquela energia movimentada me trazia uma sensação estranha de pertencimento.

Lena se aproximou e se sentou ao meu lado no sofá, com uma xícara de café na mão, puxando os joelhos para perto do corpo, como fazia quando queria uma conversa mais longa.

— Como foi sua primeira noite aqui? — perguntou, olhando para mim com curiosidade genuína.

— Foi tranquila. Talvez esse lugar seja exatamente o que eu estou precisando. Me desconectar um pouco, respirar ar puro e, claro, focar na minha tese de mestrado. — Respondi, girando distraidamente a xícara de café entre as mãos.

— E o seu consultório terapêutico no Rio? — ela perguntou, inclinando a cabeça levemente.

Soltei um suspiro leve antes de responder.

— Já faz algum tempo que dei uma pausa nos atendimentos para me dedicar exclusivamente ao mestrado. Mas o consultório continua funcionando. Tem outras psicólogas por lá, e a Cristina está cuidando de tudo. — Dei um meio sorriso ao mencionar minha amiga.

Cris e eu nos conhecemos na faculdade e, desde então, nossa amizade só se fortaleceu. Quando decidimos abrir o consultório juntas, sabíamos que seria um desafio, mas ela sempre foi a pessoa mais organizada e confiável que eu conhecia. Se alguém podia manter tudo sob controle na minha ausência, era ela.

Lena assentiu devagar, apoiando o queixo na palma da mão.

— Acho que fez bem em tirar esse tempo para si. A vida no Rio é uma loucura, e aqui as coisas acontecem num ritmo completamente diferente. Pode ser bom pra você.

Olhei pela janela novamente, acompanhando o movimento dos trabalhadores. Era um mundo tão distante do que eu estava acostumada, mas, de alguma forma, não parecia errado estar ali. Talvez Lena estivesse certa. Talvez esse tempo na fazenda realmente fosse necessário para mim.

Mas então, minha mente, como um relógio desregulado, me traiu e voltou para a conversa que tive com o Bernardo há menos de uma hora. A lembrança do toque sutil de Bernardo afastando meu cabelo, do tom provocador da sua voz e da forma como suas palavras ainda ecoavam na minha cabeça.

“Espero que tenha uma resposta pra me dar quando eu voltar, Laura.”

Engoli em seco. Por mais que eu tentasse afastar aquilo da minha mente, sabia que, mais cedo ou mais tarde, teria que encarar o que aquela proposta realmente significava para mim.

Lena suspirou, mexendo distraidamente na borda da xícara de café. A manhã seguia seu ritmo na fazenda, o cheiro de café fresco misturando-se ao ar levemente frio. Mas algo na expressão dela me dizia que aquela conversa tomaria um rumo mais sério.

— A fazenda demanda muito do Diogo, sabe? E agora com a transportadora crescendo, ele vive na estrada ou no escritório. Às vezes, sinto que passamos mais tempo nos organizando do que realmente juntos. — Ela sorriu sem humor. — Acho que isso acontece com todo casal, não é?

Fiquei em silêncio por um instante. Eu não era a melhor pessoa para falar sobre relacionamentos, e Lena sabia disso. Mas era evidente que ela não queria um conselho técnico, apenas alguém que a ouvisse.

— O que você quer dizer com “se organizando”? — perguntei, observando-a com atenção.

Ela apertou os lábios, desviando o olhar para a varanda, onde a movimentação da fazenda seguia como se o mundo lá fora não tivesse espaço para crises conjugais.

— Tentamos ajustar horários, encontrar tempo um para o outro, mas… sei lá. Parece que tem alguma coisa errada. Ele anda distante, às vezes desconcentrado. Não sei se é só o trabalho ou se tem mais alguma coisa.

A palavra não dita flutuou no ar entre nós.

Desconfiança.

Cruzei as pernas e respirei fundo. Parte de mim queria dizer que era isso que acontecia quando alguém confiava demais em outra pessoa, quando se entregava ao conceito abstrato e ilusório do amor. Lena tinha sido essa pessoa — se apaixonou, casou, acreditou que construiria uma vida sólida com alguém. Agora estava ali, insegura, sentindo que algo escapava por entre os dedos.

E, no fim das contas, talvez escapasse mesmo.

— Você já conversou com ele sobre isso? — perguntei, mantendo meu tom neutro, ainda que internamente eu achasse tudo aquilo uma perda de tempo.

Ela riu sem humor.

— Já tentei. Ele sempre diz que estou imaginando coisas, que estou cansada e que tudo vai melhorar. Mas não melhora.

Observei minha prima por um instante. Ela estava diferente. Havia algo na forma como falava, na forma como segurava a xícara, como se temesse que a qualquer momento fosse soltar e quebrar tudo.

— E o que você sente? Quero dizer, o que sente quando está com ele?

Ela franziu a testa, pegando minha pergunta de surpresa.

— Sinto que ele não está completamente ali. A voz dela saiu em um sussurro quase hesitante, como se admitir aquilo em voz alta tornasse a situação mais real do que gostaria.

Lena mexeu na alça da xícara, o olhar perdido em algum ponto da mesa, e eu percebi que ela não estava apenas contando sobre um problema conjugal. Estava confessando um medo.

— Eu amo o Diogo, Laura. Mas às vezes me pergunto se ele ainda sente o mesmo por mim… ou se apenas se acostumou comigo.

Minha primeira reação foi revirar internamente os olhos. Não porque não me importasse com ela mas porque a situação era óbvia para mim: o amor era uma ilusão bem-intencionada. No fim das contas, tudo se resumia a conveniência, rotina e necessidade.

Cruzei os braços, escolhendo as palavras com cuidado.

— Você acha que ele poderia… — hesitei, mas decidi ir direto ao ponto — estar interessado em outra pessoa?

Lena ergueu os olhos para mim rapidamente, surpresa com minha franqueza.

— Eu não sei. — A confissão veio quase como um suspiro, e ela passou as mãos pelo rosto. — Nunca pensei nisso de verdade, mas às vezes… às vezes tenho a sensação de que ele está distante demais, de um jeito que não parece apenas cansaço.

Inclinei-me levemente na cadeira, tentando entender por que aquilo me incomodava tanto. Talvez porque reforçasse tudo o que eu já acreditava: o amor era apenas um ciclo, e no final, alguém sempre ficava sentindo que algo estava errado.

— E se você estiver certa? O que faria?

Lena me encarou por um momento, seus olhos cheios de dúvida.

— Eu não sei, Laura. Não sei se quero saber a resposta para essa pergunta.

E ali, naquele silêncio carregado, tive certeza de que Lena amava Diogo mais do que deveria. E que isso, inevitavelmente, um dia custaria caro.

Lena desviou o olhar, brincando com a borda da xícara de café entre os dedos. Eu a observei, sentindo uma mistura de pena e frustração. Ela estava presa a essa ideia de amor, investindo em algo que claramente a estava corroendo aos poucos. E o pior? Ela nem queria enfrentar isso de verdade.

— Você já tentou conversar com ele? — perguntei, mais por obrigação do que por acreditar que isso resolveria alguma coisa.

— Já… mas sempre acabamos nos desviando do assunto. Ele fala do trabalho, da transportadora, dos problemas da fazenda, e quando percebo, estamos falando de tudo, menos do que realmente importa.

Eu suspirei. Esse era o problema de basear a vida inteira em um relacionamento. Um dia, a paixão inicial se esgotava, e tudo o que restava eram duas pessoas dividindo o mesmo espaço, tentando não admitir que algo tinha se perdido pelo caminho.

— Talvez seja isso, Lena. Talvez ele esteja apenas focado no trabalho. A rotina pesa, desgasta. É natural.

Ela sorriu de lado, mas seus olhos estavam distantes.

— Você sempre tem essa visão prática das coisas, né?

— Porque é a única que faz sentido. — Cruzei os braços. — Não dá para esperar que as pessoas nos completem ou nos façam felizes o tempo todo. É exaustivo demais.

Lena ficou em silêncio por um tempo, pensativa. Eu sabia que ela não concordava comigo, mas também não tinha forças para rebater. Talvez, no fundo, uma parte dela começasse a se questionar também.

Ela bebeu um gole do café e mudou de assunto, mas sua mente ainda parecia presa na conversa anterior. E eu? Bem, eu só confirmei o que sempre soube: o amor não passava de uma promessa bonita, mas insustentável.

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