Contrato de Amor com o Fazendeiro
Contrato de Amor com o Fazendeiro
Por: Marcela Lima
Capítulo 1

Me viro na cama ao som insistente do celular. Atendo sem olhar quem é.

— Alô?

— Laura, desculpa te acordar. — A voz de Diogo ressoa do outro lado da linha.

Meu cérebro ainda está despertando, mas algo no tom dele me faz sentar na cama, alerta.

— O que aconteceu?

— É a Helena… Você é psicóloga e nossa amiga. Eu preciso de você aqui. Estou vendo meu casamento desmoronar e não sei o que fazer.

Minha mente ainda luta para processar as palavras.

— Diogo, o que exatamente está acontecendo?

— Vou viajar para a pecuária, e não quero deixar a Helena sozinha. A fazenda tem funcionários, claro, mas ela precisa de alguém próximo.

Solto um suspiro, coço os olhos. Não faz sentido discutir pelo telefone.

— Ok. Quando eu chegar, entendo melhor.

— Obrigado, Laura.

O silêncio se instala depois que a ligação é encerrada. Olho as horas no celular. 5h25. Muito cedo. Tento deitar novamente, mas o peso do pedido de Diogo não me deixa relaxar. Ele não é o tipo de pessoa que pede ajuda à toa.

Levanto, tomo um banho rápido e visto uma roupa confortável. Sem saber quanto tempo ficarei lá, jogo várias peças na mala, junto com sapatos, produtos de higiene e maquiagem. Quando termino, já são 7h30. Pego o celular e mando uma mensagem para Nicolas avisando que passarei na empresa.

No Estacionamento da Empresa

Meia hora depois, estaciono e vejo Nicolas sair do carro ao mesmo tempo. Ele é bonito, loiro, alto, olhos escuros — o sonho de consumo de qualquer mulher. Mas sua postura fechada me lembra por que nosso “caso” nunca passou disso.

— Laura, acabei de ver sua mensagem. — Ele enfia as mãos nos bolsos, recostando-se no carro. Nenhuma intenção de um abraço, um beijo.

— Só passei para avisar que estou indo para Minas. Não sei quando volto.

Ele me observa por um instante, pensativo.

— Você não precisava ter vindo só para isso.

— Eu sei…

— Laura, esse tempo longe vai ser bom para a gente.

Franzo a testa.

— Hã?

— Acho que você está confundindo as coisas. O que temos é legal, mas você está se apegando.

Fico séria por um segundo antes de soltar uma risada curta.

— Nicolas, eu não estou me apegando. Só quis avisar porque achei necessário. Mas se você quer terminar por causa da sua paranoia… — Dou de ombros. Ele continua impassível. — Bom, pelo visto já decidiu.

Entro no carro e saio dali sem olhar para trás.

A estrada se estendia à minha frente, cortando o verde intenso das fazendas e das montanhas ao fundo. O céu nublado parecia refletir a névoa dos meus próprios pensamentos. Dirigir por horas a fio me dava uma sensação estranha de liberdade e isolamento ao mesmo tempo. Talvez fosse essa a minha essência: livre demais para pertencer a alguém, distante demais para ser verdadeiramente alcançada.

Nicolas. Pensei nele por um instante e ri sozinha. De onde ele tirou essa ideia de que eu estava me apegando? Homens são engraçados. Passam a vida fugindo de sentimentos, com medo de serem capturados, mas são os primeiros a levantar uma barreira imaginária contra algo que nem sequer existe. Eu e Nicolas? Aquilo nunca foi nada além de sexo, uma distração conveniente. Ele era bonito, gostoso, sabia o que fazia na cama e, acima de tudo, não exigia nada além disso. Era uma troca simples, sem demandas, sem expectativas, sem o peso emocional que arrasta tantas pessoas para a ruína.

Mas agora ele decidiu acabar com tudo porque supostamente eu estava me apegando. Como se isso fosse possível. Como se eu, Laura, estivesse suscetível a essa farsa chamada amor.

Amor…

Suspirei, apertando o volante entre os dedos.

Se eu tivesse que definir o amor, diria que ele é um truque sujo da mente. Uma ilusão criada por um cérebro desesperado por conexão, por propósito. Uma muleta emocional para os fracos. Sempre vi pessoas ao meu redor se destruindo por esse sentimento – ou pela falta dele. Minha mãe, por exemplo, passou anos sendo a esposa perfeita, acreditando que tinha um casamento sólido, até meu pai decidir que preferia homens. Foi um escândalo, uma tragédia familiar, e no fim, ela ficou com as sobras emocionais de algo que nunca foi real. Eu aprendi muito com isso.

O destino. Outra piada sem graça.

As pessoas adoram dizer que as coisas acontecem por um motivo, que tudo está escrito. Que patético. Se tudo estivesse escrito, por que gastaríamos anos estudando, trabalhando, tentando moldar o nosso próprio caminho? Quem acredita que um único ser humano foi feito exclusivamente para si não passa de um egoísta em busca de um conto de fadas para justificar suas próprias decisões erradas.

E então havia Helena. Minha prima.

Helena, que largou tudo para viver uma história de amor.

Passei os últimos anos sem manter muito contato com ela. Nossa infância foi marcada por cumplicidade, segredos compartilhados e risadas intermináveis, mas crescemos. Ela decidiu seguir um caminho que eu jamais seguiria. Amor, casamento, fazenda, família. Um roteiro previsível que tantas mulheres aceitam sem questionar. E agora, depois de quatro anos, algo estava errado. O próprio Diogo me ligou às cinco da manhã pedindo ajuda.

O que aconteceu com o conto de fadas dela?

Paro o carro em frente ao enorme casarão da Fazenda Bela Vista e saio, sentindo o ar pesado de chuva prestes a cair. A paisagem continua bonita, como sempre, mas tudo parece diferente.

Talvez fosse apenas um pressentimento.

Ou talvez fosse mais uma prova de que, no final das contas, o amor nunca vence.

Desliguei o motor e saí do carro, os saltos afundando levemente no chão de terra batida. Nunca entendi como Helena se acostumou a viver aqui. A cidade sempre me pareceu um lugar mais lógico, mais coerente com a vida moderna. Mas para ela, essa fazenda era um sonho. O cenário perfeito para sua história de amor.

Quando cheguei à varanda, a porta da frente se abriu, e uma funcionária que eu reconheci de outras visitas apareceu. Uma mulher robusta, de avental e cabelos presos em um coque apertado.

— Dona Laura, que surpresa! — Ela limpou as mãos no avental e me lançou um olhar curioso.

— Oi, Rosa. A Helena está?

Ela balançou a cabeça.

— Ela foi no povoado, mas deve estar a caminho. O patrão também saiu cedo para a transportadora. Só estamos nós por aqui.

- Oh, certo. - Falo observando o movimento da fazenda, os funcionários, a hípica, trabalhadores no cafezal que ficava na propriedade.

A fazenda estava viva com sua rotina de sempre. Funcionários iam e vinham, alguns lidando com os cavalos na hípica, outros concentrados no cafezal ao longe, onde o trabalho nunca parava. O sol já começava a descer no horizonte, lançando sombras compridas sobre o terreiro.

— Quer que eu prepare um café? — Rosa perguntou, puxando minha atenção de volta.

— Não precisa, obrigada. Acho que só vou esperar por aqui.

Ajeitei a bolsa no ombro e caminhei um pouco pela varanda, observando tudo ao redor. Havia algo quase reconfortante naquela movimentação—diferente da agitação da cidade, era um ritmo próprio, constante, como se cada pessoa ali soubesse exatamente seu papel.

Aproximei-me do parapeito e apoiei as mãos na madeira lisa. Um dos cavalariços guiava um cavalo castanho pelo cercado, e mais adiante, um grupo de trabalhadores conversava perto dos galpões.

— A senhora quer entrar?

Virei-me para Rosa, que continuava na porta, esperando. Ela era sempre muito gentil e simpática, muito agradável.

— Pare de me chamar de dona e de senhora, Rosa. - Reclamo e ela sorri. - Apenas Laura, okay? E sim, vou entrar.

Ela abriu espaço para que eu passasse, e entrei no casarão com passos tranquilos, sentindo o cheiro familiar da madeira e do café fresco. A casa parecia a mesma de sempre—impecável, acolhedora, com o som distante de alguma rádio tocando na cozinha.

Tirei os óculos de sol e os deixei sobre a mesa de centro antes de me sentar. Agora era só esperar Helena chegar.

Fiquei ali por alguns minutos, observando a decoração da sala, que misturava móveis rústicos de madeira com peças modernas. A casa era imponente, mas aconchegante, carregando um pouco da personalidade de Helena—e, claro, o toque impecável de quem administrava tudo aquilo.

O barulho de um carro parando do lado de fora me tirou dos pensamentos. Levantei-me no instante em que ouvi passos na varanda, seguidos pelo som da porta se abrindo.

Helena entrou.

E, como sempre, estava impecável. Seus cabelos escuros e lisos estavam soltos, caindo suavemente sobre os ombros. Os óculos escuros davam um ar sofisticado ao rosto de traços bem definidos. Vestia um macacão bege de linho, elegante e minimalista, com sandálias discretas e uma bolsa pequena pendurada no antebraço. Se eu não a conhecesse bem, diria que nada poderia abalar sua postura impecável.

Assim que me viu, um leve espanto cruzou seu olhar antes de ser rapidamente substituído por um sorriso caloroso.

— Laura! — Ela tirou os óculos e veio na minha direção.

— Oi, Helena. — Sorri também, recebendo o abraço apertado que ela me deu.

— O que faz aqui? — Ela perguntou, se afastando um pouco para me olhar melhor.

— Diogo me ligou de manhã e pediu que eu viesse. Disse que você precisava de uma amiga.

O sorriso dela vacilou por um instante, mas logo se recompôs.

— Ele sempre exagera… — murmurou, balançando a cabeça. Depois suspirou, um pouco mais sincera. — Mas fico feliz que tenha vindo.

— Achei que estava na hora de aparecer.

Helena me observou por um momento, inclinando a cabeça de leve.

— E como você está?

— Eu? Ótima. — Dei de ombros. — Mas e você? Você parece… cansada.

Ela soltou um riso curto, passando a mão pelo cabelo.

— Bem, a vida na fazenda pode ser exaustiva às vezes.

— Não me engana, Helena. — Cruzei os braços, encarando-a com atenção. — O que está acontecendo?

Ela hesitou por um momento antes de dar um meio sorriso.

— Vamos conversar direito mais tarde. Agora, me deixa aproveitar um pouco a sua companhia antes de estragar o clima com os meus problemas.

Assenti, respeitando o tempo dela.

— Justo. Como foi no povoado?

— Agitado, como sempre. Fui resolver umas coisas na cooperativa e acabei passando na confeitaria.

— Ah, aquele lugar ainda existe?

— Existe. E continua com os melhores biscoitos amanteigados da região.

Sorri com a lembrança.

— Bom saber que algumas coisas não mudam.

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