A madrugada estava densa, carregada de um silêncio inquietante. As luzes da casa estavam apagadas, exceto por um brilho fraco vindo do quarto principal. Anderson abriu a porta com cuidado, mas ao empurrá-la, viu a silhueta de Mariana de costas para a sua penteadeira, imóvel, como se o esperasse.
Seus olhos se cruzaram. Ela tinha um olhar determinado, e Anderson sentia uma pressão no ar. Ele esperava encontrá-la dormindo, mas ali estava ela, acordada e atenta, como se soubesse que ele chegaria naquele instante. A luz amarelada desenhava sombras em seu rosto, destacando as olheiras e a tensão na expressão. Anderson fechou a porta devagar, tentando conter o cansaço e a frustração que o dominavam desde que saíra do hospital. — Ainda acordada? — Sua voz saiu baixa, mas carregada de um peso que Mariana não ignorou. E mesmo que tentasse, daquela vez não poderia...afinal, sua esposa estava ali, e seus olhos gritavam que estava na hora de conversar sobre o que fosse que vinha os separando nos últimos dias. Ela hesitou antes de responder. — Não consegui dormir. — Mariana percebeu que a medida que se aproximava o momento de ser honesta, perdia a coragem. Pensou que talvez, fosse melhor guardar tudo para si. Anderson largou as chaves sobre o aparador junto a porta, os olhos ainda presos nela. Havia algo errado.Algo além da insônia ou da preocupação que qualquer esposa deveria sentir ao ver o marido voltando mais tarde do que o combinado do plantão no hospital. Anderson passou as mãos pelo rosto, exausto. Seu dia fora longo, cheio de casos complicados, mas a inquietação de Mariana não lhe passava despercebida. — Aconteceu alguma coisa? — Anderson questionou. Ela umedeceu os lábios, desviando o olhar por um segundo. Pequeno demais para ser notado por qualquer um, mas Anderson percebeu. — Mariana. — Inquieto, insistiu o médico. — Não. — Perdendo a coragem que nutriu até ali, a mentira deslizou da boca dela com facilidade. Ele conhecia Mariana bem demais para acreditar. Ele deu um passo à frente. Ela se levantou. Havia algo ali, invisível, mas sufocante. Uma presença fantasma entre os dois, algo que Mariana tentava esconder e que Anderson, cansado ou não, estava começando a sentir. — Mariana... — Você está cansado. — Ela cortou, forçando um sorriso. Franzindo o cenho, Anderson estranhou aquele comportamento. — Devia descansar. — Aconselhou escondendo o nervosismo. Mas ele não se moveu. Não depois de perceber a forma como os dedos dela se apertaram contra o tecido do vestido, como se segurasse um segredo que ameaçava escapar. Anderson analisou cada novo aspecto em sua linguagem corporal. Os dedos sufocando parte do vestido, a distância proposital, os olhos que não mais o encontravam d o nervosismo em sua voz. Era médico, d de longe percebia o quanto sua respiração estava pesada. Um silêncio pesado se instalou. Ele queria perguntar. No fundo, ela desejou que ele perguntasse. Mas Anderson soltou um suspiro, deixou o relógio e carteira sobre a cama e passou por ela, descendo as escadas sem mais uma palavra. Mariana permaneceu ali, imóvel, ouvindo seus passos sumirem no corredor. Somente quando fechou a porta deixada aberta, ela deixou escapar o ar que segurava. A mão sentindo o seu coração martelar forte no peito. Se Anderson tivesse ficado mais um pouco... se tivesse insistido mais um segundo... Talvez tivesse descoberto.Algumas pessoas eram terrivelmente chatas, Elizabeth pensou quando ouviu sua porta se abrir lentamente. Não era um inimigo se esgueirando na penumbra, nem alguém de quem não gostasse. Mas ainda assim, revirou os olhos. Ela já sabia quem era. Continuou deitada, o lençol amarelo cobrindo-a como um casulo, enquanto passos hesitantes se aproximavam. A figura que entrava não era misteriosa, mas trazia consigo um pressentimento barulhento, quase sufocante. Clara. Elizabeth fechou os olhos com força, fingindo não perceber. Não era uma pessoa cruel. Gostava da amiga. Mas naquela manhã, tudo o que queria era dormir. E havia sido clara sobre isso. "Não venha, Clara. Hoje eu só quero dormir até às dez. Não vou nem te prestar atenção." Mas Clara nunca fora boa em obedecer. - Liz - a voz soou suave, hesitante, carregada de algo que Elizabeth ainda não conseguia identificar. Manteve-se imóvel. - Liz . - Mais um chamado, agora mais próximo. Clara sentou-se na beirada da cama, mas hesitou a
Parada no mesmo lugar, Elizabeth observava a porta por onde sua mãe havia saído. O silêncio do corredor a envolvia como um abraço frio, e ela sentia a saudade se infiltrar em seu peito como uma faísca prestes a se alastrar."Inacreditável."A ideia de sentir falta de alguém que acabara de sair parecia ridícula, mas o aperto estranho dentro dela não cedia. Era como uma pequena rachadura se expandindo por dentro, e ela não gostava daquela sensação.Talvez Theo estivesse certo. Talvez ela fosse mesmo uma bebezona.— Liz. — A voz suave de Clara rompeu seus pensamentos, trazendo-a de volta à realidade. — Estou indo tomar café. Vem? — Questionou.Havia algo na expressão da amiga que demonstrava confusão, talvez preocupação. Elizabeth desviou o olhar do corredor.— Já vou. — Garantiu. Mas Clara não parecia convencida.— Você está bem? — Clara retornou. Estou? Elizabeth se questionou ao notar seu rosto úmido."Chorando? Mas por quê?"Ela limpou rapidamente as lágrimas, sentindo-se tola.— Sim
Elizabeth ficou estática ao ouvir o que sua amiga havia dito. Seus olhos piscaram duas vezes, tentando assimilar a informação, mas sua mente parecia se recusar a aceitá-la.Seus pais iriam se separar?Ela sabia que o casamento dos Molina não estava bem. Clara mencionava brigas, e até desabafava sobre o silêncio cortante que preenchia sua casa. Mas, ultimamente, as lágrimas tinham cessado, e Elizabeth ingenuamente acreditou que as coisas haviam melhorado. Nunca cogitou que tudo terminaria em divórcio.Clara, no entanto, não precisava dizer mais nada. Seu rosto pálido e as lágrimas que encharcavam sua pele já entregavam tudo. O corpo tremia em soluços silenciosos, como se a dor estivesse a consumindo de dentro para fora.Elizabeth sentiu um nó na garganta. Como ajudar quando nem mesmo sabia o que dizer? Tentou falar, mas as palavras falharam. Tentou novamente, e o silêncio venceu outra vez. Seu peito pesava.Então, sem alternativa, apenas a abraçou. Não sabia se fazia diferença, mas per
Elizabeth estava gastando seu tempo com coisas que sua mãe considerava demasiado improdutivas, ou seja, jogando em seu telefone até que seu pai chegou da rua trazendo consigo alguns sacos das compras que recentemente havia feito, e uma animação exagerada para quem iria apenas cozinhar. Sua filha lhe perguntou o que era, e Anderson, sem conseguir se conter, disse que faria um jantar especial para comemorar a vitória da esposa no tribunal.Aquela vitória era esperada, porém nova. Então, a menina se animou com a iniciativa do pai e logo se ofereceu para ajudar. Começaram a mexer nas panelas, aqui e ali, fazendo algum barulho que atraiu a atenção de Theo para a cozinha, que, percebendo o que era feito, também ofereceu ajuda.Então, disponíveis e com uma certa felicidade, estavam todos empenhados em fazer um jantar especial para Mariana.Faziam meses que a mulher de longos cabelos cacheados estava incansavelmente trabalhando naquele caso, tentando provar que a ex-esposa de um médico não ha
- E então, pai, o que houve? - Theo perguntou novamente, vendo Anderson se sentar. Seu rosto não tinha expressão nenhuma, e isso apenas aumentou a inquietação de Elizabeth, cuja imaginação já não lhe dava tréguas. - Papai. - Repetiu, agora impaciente e com um toque de rudeza. Não percebeu a respiração acelerada, nem o coração batendo forte no peito, mas já começava a se desesperar.A menina, conhecida como a mais pessimista da família, sentia as mãos trêmulas e suadas. O coração pulsava como se quisesse rasgar seu peito. A sensação ruim da manhã estava de volta, ainda mais forte."Calma", dizia a si mesma. "Não pensa besteira." Mas sua mente não lhe obedecia. Dentro dela, uma voz gritava, chorava, se debatia como se já soubesse o que estava por vir. Mesmo sem nenhuma certeza, o medo a sufocava.- Não sei por onde começar… não me preparei para isso. - A voz de Anderson soou baixa, cansada. Ele suspirou longo e pesado, os olhos baixos, evitando o olhar dos filhos. Para Theo e Elizabeth,