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Com Amor, Samara
Com Amor, Samara
Por: MAGNO NOVAES
PARTE 01: A SESSÃO

Na varanda dos Lewis havia uma mosca-varejeira que ia de lá para cá em rodopios sincronizados. Ela saiu do porão tão rápida, que não parecia um inseto, senão um pequeno e maquiavélico fantasma de barata, pronto a embocar alguém rapidamente. A animalesca criatura voadora chegou à sala atraída por um foco de luz que piscava cintilante, iluminando os jovens que ali estavam — era a luminosidade da TV e estava exibindo o filme clássico de terror: Nosferatu, de 1922.

A mosca chegou ao cômodo naturalmente, como se não se importasse de ser apanhada inesperadamente — era o que costumava acontecer quando insetos de sua infeliz categoria eram visto por humanos — Desengonçada, repousou sobre o pedestal de um abajur branco de seda, que a senhora Lewis ganhara do seu melhor amigo, o carteiro da cidade, Daniel Smith. A mosca esfregou suas patinhas como se estivesse arquitetando um plano maléfico e deu um pequeno pulo, no mesmo instante que os jovens gritaram com a cena de terror que viram na tevê. Ainda inquieta em sua curta vida, subiu mais um pouco no mastro do objeto e como se quisesse beijar a lâmpada que a aquecia, ela voou até ela, se queimando e caindo dura, ali mesmo…

— Filmes de terror antigos são tão exóticos… — disse Melissa, baixo, talvez ao ponto de ser um desabafo para si mesma. Ela falou aquilo apertando o cobertor que cobria seu corpo. De todos ali presente, talvez fosse a única que sentia sensações desagradáveis em uma sessão de horror. Ela era a mais velha do grupo, mas não se importava em demonstrar se sentir amedrontada.

— Bill! Olha para os dentes do desgraçado! Esse deve ser o filme de terror mais tosco e gostoso que eu já vi — acrescentou, Edward, um dos garotos, chamando a atenção do outro que quase cochilava no sofá.

— Ah! Os dentes... Isso, Edward, são realmente feios — respondeu ele, confuso, quase se reconectando ao mundo real. Bill Lewis cedia a casa para os amigos fazerem sessão de filmes clássicos de terror quase todo final de semana. Apesar de ter 17 anos, os pais sempre confiaram no garoto e as viagens de final de semana costumavam dar ao jovem dois dias de pura privacidade e liberdade, virtudes das quais ele tinha orgulho.

— Se você se deitar mais um pouco nesse sofá, você acabará dormindo… — reclamou Edward, jogando uma almofada no amigo e fazendo-o se endireitar. Edward era um nerd amigável e de poucos amigos, mas que sempre se mostrou corajoso em relação a filmes de terror, mas demasiadamente frouxa com os valentões do colegial. Ele usava óculos com lentes grossas e um aparelho extrabucal. Adquirira na última vez que esteve no consultório do Dr. Menezes, dentista esse, que ele odiou logo de cara, afinal de contas, o bullying no colégio triplicou.

No canto do grande sofá, quase que imperceptíveis, dois adolescentes se agarravam, como duas lagartixas na época do acasalamento. Eram Julia e Frank, o casal do grupo de amigos. Juntos, formavam o não muito peculiar grupo de bobões do Colégio Doctor John Dalton, a instituição de ensino mais velha de todo o condado de Delaware.

— Dá para se comer em outro canto? Eu posso ouvir a língua de vocês fazendo contato e isso me dá ânsia de vômito — resmungou Melissa, mas eles não ligaram. Talvez ela estivesse um pouco enciumada, afinal, todos sabiam que Melissa Bayer tinha uma quedinha pelo Frank.

— Vocês estão sentindo esse cheiro? — perguntou Frank, parando por um momento a pegação desenfreada e prestando atenção no silêncio daquela noite de outono. Julia colocou a mão frente a boca e soltou o ar, de modo a checar seu hálito, mas não era sobre isso que Frank se referia.

— A única coisa que posso sentir são os salgadinhos fedidos que Melissa está comendo. Por Deus, eles fedem a mijo de cachorro — retrucou Edward, sorrindo e exibindo seus dentes amarelados e fixos às hastes de metal de seu aparelho. Talvez os salgadinhos da Melissa malcheirosos fossem menos podres que a boca suja do fedelho.

A garota atirou uma almofada na cara dele, retirando com o impacto, os óculos que repousavam sobre seu narigão. Ele recebeu aquilo inesperadamente, quase torcendo o pescoço em noventa graus.

— Dá para parar, vocês dois? — Bill tomou a almofada que Edward tinha em mãos, pronto para arremessar de volta — agora eu estou sentindo…

O anfitrião se levantou do sofá e calçou suas pantufas que tinham um formato de vaquinhas orelhudas, em seguida caminhou até a parede onde havia o interruptor. Tateou até finalmente alcançá-la e por fim, ligá-la, quase na intenção estúpida e irracional de sentir melhor o cheiro.

— Ah! Eu não estou sentindo nada! — Edward disse, tragando o ar para seus pulmões. Suas narinas se dilataram ao puxar o oxigênio.

— Isso sim, definitivamente, é estranho… — Melissa disse me deboche, olhando para o nariz do amigo. Ela se levantou em seguida, sentindo com mais intensidade —, fede a carniça. Talvez um rato morto.

— Que droga! Vou ter que procurar… — resmungou Bill, já se abaixando e olhando debaixo do sofá. De todos os lugares da casa onde se poderia encontrar alguma coisa morta, quase sempre estava debaixo do sofá. É um submundo de poeira e restos de insetos mortos.

— Parece que vêm de outro cômodo — acrescentou Julia, indo até o corredor que dava acesso aos demais cômodos da casa do Bill — sim, talvez da cozinha.

— Vamos até lá então. — Melissa disse, chegando até Julia que agora, evitava puxar o ar para seus pulmões, pois estava cada vez mais fedido.

Os cinco jovens caminharam até a cozinha, com a sensação quase iminente de que o odor estava realmente mais intenso naquela parte da casa. Não era nada agradável...

— E… Vem do porão… — Julia balbuciou suas palavras com uma cara de nojo. Ela detestava porões e com certeza o do Bill não diferiria dos demais

— Que droga! O cheiro aqui tá mais intenso — falou Bill, com desgosto, colocando a manga do seu pijama sobre o nariz na intenção pouco favorável de impedir o mau cheiro, mas ainda era possível senti-lo. Aquilo fedia a podridão, tão malcheiroso como da última vez em que Bill encontrou uma vaca morta na estrada que dava acesso à fazenda de sua avó, ao norte da cidade.

— Vamos lá! Desce lá e veja o que tem — pediu Edward. Bill olhou para o amigo, ainda próximo à porta do porão, com uma cara de quem precisava de coragem e isso ele tinha, mas lhe faltava quando recém assistia filmes de terror, como o que acabara de ver.

— Se eu encontrar o Drácula lá embaixo, eu vou ter um treco — brincou ele, abrindo a porta. O fedor de carniça aumentou. Como a cebola podre que fazia olhos saudáveis implorar por água fresca.

— Urgh! Por Deus, você esconde um cadáver aí embaixo? — Edward debochou, tapando o nariz e a boca com as duas mãos. Se ele prendesse a respiração por mais alguns segundos, com certeza o Bill teria um cadáver em sua casa.

— Que merda! O Pirulito. — Bill falou em desaponto. Ele conseguia ver no final da escada, seu cachorro de estimação, estendido próximo ao último degrau da escada.

— Fala sério! Você se esqueceu do seu cão no porão? — Julia falou aquilo como se condenasse antecipadamente o amigo, pela morte do bicho de estimação.

— Não... Tá louca? Ele estava aqui na cozinha, mais cedo. Não sei como ele foi parar lá embaixo. Ele estava velho e adoentado — Bill lamentou a morte, soltando o ar num suspiro miúdo de culpa por não ter feito muito pelo velho amigo.

— Mais cedo? Ele parece estar há dias aí — Frank retrucou e Bill apertou a mente para tentar se lembrar. A única lembrança era do Pirulito lambendo seu rosto ao acordá-lo de manhã.

.....

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