(Atenção: esse capítulo contém tema sensível)
Um círculo. Havia um halo na lua da silenciosa noite de 14 de novembro de 1977. Um perfeito círculo que formava um anel prateado cintilava no céu, como se Deus olhasse a desgraça logo abaixo. Sob essa luz, haviam corpos. Estavam no estábulo dos Morris. Era o senhor Morris e sua filhinha, Anna de cinco anos. Tudo começou com uma relação peculiar entre um padre e uma devota da cidade. Eles costumavam se encontrar todo domingo, e não era para assistir à missa. Mesmo que soubessem ser errado fazer o que faziam detrás das curtinas da igreja, mantinham uma relação de muita intimidade, até o dia que Gayle Gardner ficou grávida. Ela não esperava aquilo, apesar das aventu-ras sexuais, não acreditava que no auge de seus qua-renta anos pudesse dar à luz a outra criança. Boris Cales, padre e cuidador de idosos da Santa Casa de Misericórdia, não gostou nada da notícia. Para ele, era um sinal de que deveriam ter dado um fim àquela rela-ção. Vindo de um homem que se dizia especial e conhecedor das leis de Deus, Gayle não esperava que ele sugerisse aborto. Ele dissera, com toda convicção, que não cuidaria do fruto de seus pecados, e que ela, como mãe e mulher — ele sempre se demonstrou abertamente machista —, deveria sumir da cidade, ou dar um fim ao bebê, ou ele mesmo faria.
Gayle Gardner não teve escolha senão pros-seguir com a gravidez, longe dos olhos amargos do Padre Cales. Um mês após dar à luz ao bebê, ela foi até um posto de combustível que havia próximo a sua casa, em busca de cigarros. Foi quando reparou em um casal que parecia feliz. Estes eram Emma e Richard Morris (dois conhecidos na cidade por terem terras férteis e propícias ao plantio de qualquer grão).Com sua pequena filha Anna nos braços, Gayle se encaminhou até o banheiro. Ela parecia ter mudado seus planos no fim daquela tarde. Gayle olhou seu reflexo algumas vezes, chorou e gritou consigo mesma, na intenção de matar aquela que ela jamais queria ter sido um dia. Não demorou muito para Emma entrar naquele ambiente e questioná-la sobre o que estava acontecendo. Não tinha como ser totalmente verdadeira sobre aquela situação, isso só a deixaria mais rancorosa consigo mesma, então Gayle disse algo que Emma jamais esqueceria: “minha filha não merece ter eu como mãe”. O merecimento é uma espécie de sentimento admirável em certas pessoas, mas para Gayle, tal sentir estava distante da imagem que ela criou de si mesma e da relação com o Boris.Emma não esboçou reação. Parecia preocupada, vez ou outra, inquieta, mas uma sensação dentro dela começou a crescer, e ela sabia ser o certo cuidar do bebê, pois, se aquela mãe tinha coragem de entregar sua própria cria, era porque duas coisas poderiam fazer sentido: ou ela estava passando por sérios problemas ou ama a criança o bastante para poupá-la de sua própria mísera história.Ela decidiu aceitar a criança. Aquela fresca tarde de primavera não parecia ter o clima perfeito para uma despedida repentina e Gayle saiu da loja de conveniências, daquele posto de combustíveis na Avenida Alabama, 187, com uma angústia que não cabia dentro de seu peito e que a consumia interna-mente, lenta e voraz, como uma doença fatal. Talvez ela e o padre Boris Cales não saberiam, em suas pequenas concepções do mundo, que sua filha, que se chamaria, agora, Beatrice Morris, em seu aniversário de oito anos, venceria o diabo.Os Morris tinham uma garota de sete anos. Seu nome era Samara. A menina mais doce do mundo. Costumavam chamá-la gota d'orvalho, carinhosamente por ela sempre ser pacífica como as manhãs agradáveis na fazenda onde moravam. É difícil de dizer quando Samara começou a mudar sua personalidade, mas a nova irmãzinha lhe trouxe muito mais receio do que amor, e o que era para ser o início de uma nova relação, se tornou algo desgastante e sombrio.
Samara tinha poderes telepáticos e telecinéticos, e seus pais ignoravam ou fingiam não ver, mas as pessoas da cidade já haviam percebido algo estranho e todo mundo sabe como é ser diferente em cidades pequenas, ou melhor, em qualquer outro lugar. Você é tratado desigual. Diferentemente mal, e Samara sabia, mas ela não se importava. Ela mesma se intitulava estranha.A relação das irmãs Morris começou a melhorar apenas no quinto ano em diante. Samara já não se sentia tão enciumada e a criança se sentia, desde sempre, parte da família. Desta vez, Emma começava a ver que elas poderiam se entender, mas a verdade é que havia uma desordem muito maior naquele ambiente. Era uma espécie de fagulha de caos interno, este, que se expandia como um vírus, contaminando a todos, incluindo Richard. Ele começou a beber diariamente e quando não estava trabalhando ou enchendo a cara, estava espancando Emma, que se via condenada a viver aquilo por não compreender haver possibilidades de um novo recomeço.No oitavo aniversário de Beatrice, Emma decidiu fazer um bolo de cenoura que aprendera majestosamente com sua mãe. Talvez, sem sombra de dúvida, o mais gostoso que a pequena Beatrice e sua irmã, Samara, que agora tinha dezessete anos, poderiam ter provado. Richard detestava gastos, mesmo que fossem um simples bolo e isso o deixou furioso. No que era para ser um momento de felicidade, acabou numa confusão que endureceria o coração de Samara. Ela estava começando a sentir-se enfurecida com tudo e todos.Naquela mesma noite, Samara concentrou-se em atormentar a mente de seu pai. Ela sabia como fazer aquilo. Fizera muitas outras vezes, até mesmo com os animais que haviam no estábulo da fazenda onde moravam. Apenas costumava deixa-los confuso e Samara não endentia extamente como fazia, mas fazia mesmo assim. Costumana pensar que se ela imaginasse algo e pensasse em algum outro animal, ela poderia compartilhar a imaginação com este. Funcionava com os cães e com os cavalos não era diferente. Ela treinava a habilidade nova todo dia. Via como eles ficavam incomodas ao ver algo que ela mesma criara. Um monstro feio que batizou de Danze. Danze conversava com Samara às vezes e ela chegou a dúvidar que ele pudesse de fato existir, e se assim fosse, que não acessasse o mundo dela, senão, saberia estar em apuros. No último teste em imprimir a imagem de Danze na mente dos cavalos, eles ficaram tão assustados que saírem correndo. Eles arrebentaram a cerca do estábulo e fugiram para nunca mais serem encontrados. Eram cinco. Desde então, Richard não criou mais cavalos. Nem qualquer outro bicho.Samara via seus poderes mentais como uma especie de lavagem cerebral forçada, onde ela conseguia entrar na mente das pessoas e bichos e criar o que quisesse. A garota compreendia que se enlouquecesse o pai, como fez com os cavalos, ele poderia ter o mesmo fim. Ele poderia deixá-las em paz. Ela desejava isso mais que tudo. Especialmente naquela noite. Em sua cama, com toda sua fúria e confusão mental, Samara iniciou o processo que mudaria as coisas para sempre. Richard estava em seu quarto quando viu o Danze, que aceitavelmente chamou de demônio. O primeiro choque do susto o deixou pálido. A coisa era tão escura e feia que só de olhar para seu semblante, você poderia ficar cego e eternamente marcado. Richard não sabia exatamente o que era aquilo, mas tremia e pedia para que fosse embora. Na cama, ele tateou a mesinha de cabeceira, a procura do cordão do abajur. Entretanto, o movimento trêmulo de suas mãos despertou a atenção da besta, que fez uma careta, como um cão feróz, prestes a atacar. Os pelos da nuca de Richard levantaram, como se quisessem sair correndo e se ele fosse esperto o bastante, deveria fazer o aquilo naquele momento. A coisa avançou para cima dele e Richard pulou para o outro lado da cama, procurando o que era preciso para matar aquela fera. Achou um machado amolado que costumava guardar próximo à cama (só Deus sabe o porquê). Não viu outra alternativa a não ser acertar o cão-dos-infernos com aquilo, partindo sua cabeça em duas partes, mas ele ainda podia sorrir. Um sorriso estranho e frio. Um sorriso de tanto-faz. Richard deu mais uma machadada, com um impacto que estremeceu seus braços. O sangue preto como piche escorreu grosso pelos braços de Richard, queimando suas mãos. Os olhos de Richard se tornaram pura escuridão, como se ele estivesse sendo possuído pela coisa. Logo, ele soltou o machado e a fera caiu no chão, mas ela tinha outra forma agora. Uma forma que gritou antes de um silêncio inquietante. Danze estava no canto do quarto, não havia sido atingida. Richard tinha sob seus pés, o corpo desfalecido de sua doce Emma. Ele entrou em transe. A coisa que o possuíra, se isso fosse possível, agora o controlava. Ele recolheu o machado do chão e saiu do quarto.Em seu quarto, Samara desmanchou o sorriso que tinha no rosto e voltou sua atenção aos barulhos que escutava vindo do cômodo vizinho. Eram machadadas. Eram machadadas na parede. Ela via a casa estremecer. Sentia a poeira cair sobre seus braços. Por fim um silêncio agudo. Um grito rompeu o silêncio. Era Beatrice. Samara se levantou da cama e foi em direção à porta de seu quarto quando ouviu um disparo de uma arma de fogo. O som preencheu todo o ambiente, e pôde-se ouvir um gemido, como um rosnar de cão ou porco. Quem seriam os dois ao mesmo tempo. Rapidamente, sem pensar duas vezes, a Samara entrou debaixo de sua cama. Ouvia-se passos lentos e pesados. Samara prendeu a própria respiração, mas sabia que naquele momento algo de muito errado estava acontecendo. Os passos pareciam mais próximos. Emitiam um som vazio sobre o chão de madeira de sua casa e ecoavam de forma hipnótica. Não eram passos conhecidos. Samara conhecia as passadas de seus pais, mas aqueles passos pareciam ser de uma fera. Uma fera com cascos de cavalo. Naquele momento, a porta de seu quarto abriu devagar. Ela conseguia ouvir uma respiração pesada, como um animal selvagem. Era Danze. Ele tinha pés de cavalo e cabeça de lobo. Ele não era mais um pensamento. Era uma fera real e sanguinária. Samara tentou imaginar algo diferente, como se quisesse evitar que o pior acontecesse, mas era tarde. Os pés já estavam próximos à cama e ela conseguia sentir o cheiro. Fedia a animal morto. Talvez dezenas deles. Samara fechou os olhos e tentou imaginar algo. Tinha que funcionar. Era assim que aquilo funcionava. Pensar em um coelho! Pensar em um pintinho pequeno e desemgonçado... como eles eram mesmo, ela não sabia exatamente, mas era tarde. Quando Samara abriu os olhos, a cabeça da fera foi a única coisa que ela viu, antes de suas garras trazê-la para uma grande abocanhada. Era o fim de todos da família Morris, exceto de Beatrice.Bill gostava do cheiro da lasanha de frango que Eva costumava preparar às terças, porque o fazia lembrar do dia em que eles saíram juntos para a lanchonete do Ed, quando acidentalmente ela queimou o que seria uma torta salgada. Talvez se a torta não tivesse queimado, eles não teriam saído, se divertido e aprendido uma nova receita. Bill acreditava que certas coisas aconteciam por um proprósito e aquele em especial, era o melhor deles. — Nada de celular à mesa — disse Eva, limpando a boca em um guardanapo e encarando-o. Ela estava preocupada com ele. Tinha recebido a notificação do colégio acerca da briga e um telefonema da senhora Bailey informando que ele esteve lá na casa dela, quebrando as coisas do Edward. Ele não estava na melhor das fases. Eva estava no limite e uma mãe no limite sempre faz algo que se arrepende depois, mas não por ser ruim ou má educadora, mas por querer poupar os filhos de desgraças quase inevitáveis.— Eu sei que estou de castigo, mas já terminei de comer —
Nos corredores do colégio, Bill percebeu que todos estavam fantasiados de algo, mas até onde ele se lembrava, o dia das bruxas seria em dois dias.— Doces ou travessuras? — Frank, o amigo beijoqueiro o surpreendeu por trás, mostrando uma cesta vazia. Ele estava vestido de Frankenstein — original...— Você não está um pouco grandinho para isso, Frank? — Bill indagou, olhando para a cara dele. Ele ainda mantinha a cesta estendida, como se esperasse um doce.— Você veio de quê? Diretor Evans? A cara você já tem, falta só o bigodinho... — Frank zombou, olhando para os outros alunos e suas fantasias esquisitas. — Não sabia que você estava tão distante. Hoje é sexta-feira! É dia de festa de halloween do colégio. Olha para a Elle. Ela está de coelhinha sexy.— E daí?— E daí que isso é um sinal. Coelhinhos trepam, zé mané. E muito. Ela sabe como me passar bons sinais — Frank era um retardado na maioria das vezes, até quando estava falando de sua própria namorada.— Isso é estranho — Bill olho
Na avenida Richard Bells, 122, Bill e Edward esperaram em pé. Cada um carregava uma mochila onde colocaram o que acreditavam ser essencial. Bill com a lanterna mágica e um par de estilingue e Edward, uma bombinha de asma e um óculos de mergulho — na verdade, nem ele sabia o que fazia com uma mochila nas costas.Eles esperaram por trinta minutos até se cansarem e se sentarem no chão da calçada frente ao velho posto de combustíveis, onde ainda era possível ver as bombas cobertas por poeira e casas de aranha, também havia uma grande placa onde estavam os preços dos combustíveis há sete anos — eles mudaram consideravelmente.Vez ou outra, Bill olhava para o relógio de pulso e pensava se aquele atraso seria parte da peça em que possivelmente Adam e John estavam prestes a pregá-los.— Olha lá, Bill! — Edward exclamou, cutucando repetidas vezes o braço do amigo e o chamando a atenção para o que estava prestes a acontecer em seguida. Bill estava preparado para o que quer que acontecesse, mas i
Quando o sol não está mais presente no céu e as estrelas são as únicas criaturas a preenchê-lo, brilhando como pequenos insetos luminosos, cheios de alegria pela satisfação da reprodução e execução de suas minúsculas e importantes atividades, é nesse momento, entre a beleza da vida e os mistérios da morte, que coisas estranhas acontecem. Ninguém pode prever o futuro e mesmo se previsse, certamente a vida arrumaria um jeito de mudar tudo, porque a verdade da existência sempre pende ao mistério, mesmo que seja doloroso, feio e assustador. Bill depositara umabomba-relógio sentimentaldentro dele — alguns costumam chamá-laculpa—. Esse sentimento é como um verme que se instala debaixo de sua pele e vai te devorando devagar. Primeiro começa como uma coceira, para depois se espalhar, e quando menos você espera, abre um buraco necrosado e em car
Avenida Clyde, 340 — Liontown. Residência dos Bayer. Melissa estava em seu quarto, arrumando algumas roupas que estavam sobre uma cadeira. Tinha a mania de organização e os dias na cama a deixavam maluca. Fazer aquilo ainda lhe causava uma sensação de controle. Ela estava melhor — assim ela falava, para si mesma, num mantra positivo —. Sentia-se bem em relação às dores que a incomodavam com hora marcada, mas via-se obrigada a tomar remédios para aliviá-las, ainda que não gostasse da ideia. A faixa na cabeça não lhe caia muito bem, mas ela achava até confortável em certos momentos. O silêncio de sua casa quando seus pais e irmãos não estavam mais presentes, era uma espécie de estado emocional da qual ela só vivenciava em raros momentos da vida. Ela podia ouvir o silêncio da rua e como os carros pareciam distan
"Aqueça-se com o calor do bem e jamais sentirá o frio da maldade." — Magno Novaes Bill apertou a mão de John de maneira firme, no fim daquele dia de aula, como se quisesse realmente passar a impressão de que ele desconsiderava qualquer tipo de atitude que o comparsa de Adam Wason, fizera com ele e com os fracotes do colégio Doctor John Dalton. Se ele pudesse dizer em palavras, mandava ele ir tomar banho no rio Wax, e depois mandava ele ir tomar lá mesmo, por ser cuzão por tanto tempo. Bill só esboçou um meio sorriso antes de sair e admirar o céu acinzentado que fazia fora da instituição. O frio se intensificou, mas ainda que ele procurasse, não conseguiu ver um floco de neve cair do céu e tocar sua pele. Ele gostava da sensação da neve tocando sua pele, pois de certa maneira, lembrava do Pirulito, quando ele encostav
Bill chegou em sua casa andando tranquilamente. Ele estava aéreo. Pensava sobre o anel, tanto quanto qualquer outra coisa. Incluindo o envelope que recebera. Mas desta vez, a caixinha dos correios foi como dar um sopro de memória. Ele puxou sua mochila para a frente e abriu o zíper, pegando o envelope amarelo e o analisando com mais atenção. Ele o abriu. "Levei tempo demais pensando se escreveria esta carta ou não. Talvez tempo suficiente para comprovar que o que sinto é real, mas a verdade é que eu possa, até certo ponto, compreender o que você faria se soubesse disso. Então... bem, eu não sei se eu chegarei a entregar esta correspondência, mas caso aconteça, peço que tente entender. Eu gosto de você. Desde aquele dia no colégio... Bom, você sabe onde me encontrar. Com amor, Samara."
(Atenção: Este capítulo contém conteúdo sensível) Um dia após o desaparecimento de Edward Bailey O pai de Adam Wason retirou do fundo de sua velha camionete, os troncos de lenha que comprou com desgosto, de Kevin Conington, na Johnson com a Avenida Alabama, depois do estádio municipal. Ele não tinha opção a não ser fechar negócio com velho rabugento. Era isso ou morrer de frio. Mas, Conington tinha a mania de subir o preço das toras de madeira, mais que o dobro, naquela temporada, o que irritava o senhor Wason e seus cem outros clientes. Adam largou o pedaço de sanduíche que comia e correu para fora para ajudar o pai, antes que ele gritasse seu nome, como de costume. — Cuidado com os espetos — o