É estranho quando alguém me pergunta: "Para onde você vai?" E eu respondo: "Para casa." Eu não estou indo para casa, porque eu não moro em uma. Depois que nasci, papai comprou um apartamento em um bairro mais moderno e seguro. Ele queria me proporcionar um bom lugar para crescer. Então eu não deveria dizer "estou indo para casa", mas sim "estou indo para meu apartamento"? É tão estranho as convenções linguísticas que nós temos. Eu nunca entendi. Como quando chamamos de Doutor Samuel o vizinho que mora no andar debaixo. Ele é só médico, não tem doutorado em alguma coisa, então deveria ser chamado de Médico Samuel, não?
Mamãe me manda parar com essas tolices de querer saber o porquê de todas as coisas, mas é mais forte que eu. Se eu vejo algo desconhecido, devo querer saber sua procedência, correto? Ora, vamos lá, eu sou uma criança e mereço ser curiosa!
O ar daquela noite sobrepujava o hálito da felicidade de qualquer outra. Não era muitas as vezes em que eu gostava do festins que minha avó organizava em sua fazenda, este, porém, era uma exceção. Nunca entendi porque ela não fazia suas festas na casa da cidade, visto que lá era grande o suficiente para isso. No entanto, as festas de ano novo da dona Amanda exigiam uma pompa sem igual. Era por isso que todos conheciam e vinham. Ela não economizava nas bebidas e muito menos, nas comidas. Alugava um palco pequeno para os espetáculos e shows que ocorriam o dia inteiro. Sobre as cabeças, estendia varais com luzes amareladas, o que conferia um ar mais jovial a decoração retrô de fitas velhas, fotos antigas e flores brancas. Distribuia mesas redondas com toalhas creme que arrastavam até o chão e cadeiras de metal. Tudo isso no quintal gramado nos fundos da velha casa de madeira e alvenaria.
A feirinha de domingo era tão... Radiante. As frutas e legumes coloriam o espaço improvisado na praça da cidade. Alguns pombos sobrevoavam as cabeças quando alguém brincava de espanta-los. Autofalantes emitiam vozes secas e fanhas completando o ar nostálgico de domingo. Havia dias em que caminhões com suas carrocerias cheias de mangas e laranjas estacionavam na esquina da feira e anunciavam ter vindo do "Nordeste". Queria eu saber que lugar majestoso era esse de frutas tão saborosas. A barraca do seu Zé vendia melancias vermelhas e doces. A da dona Anastácia vendia mudinhas de flores e plantas medicinais – ela era uma velhinha carrancuda e mal-humorada, o que me fez temer a jardinagem por muitos anos, pois tinha medo de me tornar tão ranzinza quanto ela. Murilo, um menino pouco mais alto e mais velho que eu e que não pesava mais que uma pena, e seu pai que eu nunca soube o nome, vendiam
▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂B E M - V I N D O▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂▂"Com Amor, Mia" é o primeiro livro da coletânea de contos da escritora Mia Redwiges. Nesse livro, a cada novo capítulo você descobre uma nova história. São pessoas e situações inventadas por Mia em momentos de reflexão, quando olhava os pingos de chuva escorrer na janela e se condensar lentamente, ou quando ela estava em um dia qualquer pensando em algo qualquer. Se algo lembrar a realidade, é mera coincidência.Se você começar a ler este livro, agradeço-te muito. Não se esqueça de comentar e deixar seu comentário para incentivar essa autora que tanto te estima! E se você gostar da obra, convide um amigo para participar dessa experiência também!Com amor;Mia Redwiges
Conto I↬❀Mirtes e sua vida: sinônimo de confusão. Parecia que a realidade tinha se misturado com seus os sonhos e suas imaginações. Quando lembrava de algo não sabia se realmente havia acontecido ou se era um mero fruto do subconsciente dela.Um caos. Tudo era caos.O banco ameaçava tomar seu carro, o financiamento da casa não havia sido pago há alguns meses, seus pais cada vez mais adoeciam e ela não podia pagar o tratamento, as dívidas aumentavam...Tudo isso desabou na sua cabeça em tão pouco tempo que ela nem percebeu quão sozinha estava. Seus amigos não a ajudaram, nem seu namorado. Para ser mais exata ele a deixou alegando a frieza que surgira dentro de Mirtes. Grande desatinado! Não percebia que a moça faltava aos almoços de família no domingo porque os seus pais cada vez mais estavam doentes, ou que desmarcava um en
Conto II↬❀Não que eu seja ingrata. Claro que não! Quero dizer, as pessoas dizem que sou sortuda por ter uma família que me apoie, por sempre ser uma ótima aluna – logo concluí minha faculdade de medicina com louvor – ou por ser uma pessoa ao qual todos gostam. Dizem que tenho tudo que alguém poderia querer. Porém, sempre me faltou algo. De todos os amores que já tive, nenhum caiu-me bem. E é isso que eu mais desejo: um romance épico. Bom, não precisa ser épico, apenas vivível ao ponto de querer não viver mais para outra finalidade.Em meados dos meus tempos juvenis eu achei ter conhecido alguém que me proporcionaria isso. Achei que finalmente eu estava completa. Ele era o combustível para fazer meu coração entrar em êxtase. Foi numa manhã de domingo que se despertou aquela paixão que, inicialmente miúda e quase desprezível, com o t
Conto III↬❀A inauguração da avenida 6 estava muito movimentada naquela manhã carioca. As pessoas ficaram curiosas para olhar a nova rua que tanto falavam na cidade. Tereza Donabella observava cada detalhe atentamente.A rua era espaçosa, com quatro vias para ir e vir o quanto quisesse. No meio de cada uma delas, haviam imensos coqueiros que pareciam tocar o céu. Canteiros de gramas estavam aos pés deles. Nas margens da avenida, comércios e casas estilo portuguesas numa mistura de cores vibrantes que só o Rio de Janeiro tinha. A maioria das janelas que se abriam para os observadores, eram brancas e de madeira. Quase ninguém estava nelas a olhar o movimento. Que grande desperdício de invenção. Assim pensou Teresa. Para ela, janelas foram feitas para emoldurar a realidade assistível.As pessoas que passavam pela nova avenida vestiam roupas mais europe
Conto IV↬❀É só o meu quarto, é só a luz da televisão, são só as cortinas fechadas. Sou eu: o garoto solitário.Tenho muito dinheiro, uma casa grande e tudo que quero, contudo, em meus míseros dezessete anos, nunca tive irmãos, nem pais - quer dizer, eles estão vivos, mas passam a maior parte do tempo brigando e trabalhando - o que faz-me não ter amor. Na verdade, meu coração capenga nem sabe o que isso significa. Esmoreceu-se todos os meus sentimentos.Faz seis meses que não saio do meu grandioso quarto vazio. A luz do sol parece afetar meus olhos e as pessoas irritam-me. Ainda bem que sou filho da alta sociedade, digo, porventura é mesmo um "bem"?Exaurido, olho o relógio marcar cada segundo até ser seis horas da tarde em ponto. Por que não abrir as janelas? Há tempos que não vejo o trem cargueiro passar no fim da rua, além do mais
Crônica I↬❀Eu já tentei transformar minha garagem num grande picadeiro e meus amigos na minha trupe. Seria eu a malabarista incrível e meu irmão, o palhaço. Nenhum dos meus planos deram certo.Como moradora de cidade pequena, tenho o privilégio de ir todos os anos nos circos que se estalam aqui. Embora não muito grandiosos, cada um é autêntico e possuidor de um segredo próprio. Lembro do meu décimo terceiro aniversário. Comemorei em um circo. Vi um garoto de sete anos equilibrar-se sobre rolinhos brilhantes e uma tábua que mal comportava seu pé. Papai o parabenizou ao fim do espetáculo, todavia, eu quis conhecer melhor aquele guri que tão pequeno já conseguia feitos assombrosamente maravilhosos.Não só o miúdo, mas todo o circo e os artistas. Bisbilhotei cada canto possível da área e fingi ir ao banheiro só para ver as incríveis casas móveis com co