Crônica I
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Eu já tentei transformar minha garagem num grande picadeiro e meus amigos na minha trupe. Seria eu a malabarista incrível e meu irmão, o palhaço. Nenhum dos meus planos deram certo.
Como moradora de cidade pequena, tenho o privilégio de ir todos os anos nos circos que se estalam aqui. Embora não muito grandiosos, cada um é autêntico e possuidor de um segredo próprio. Lembro do meu décimo terceiro aniversário. Comemorei em um circo. Vi um garoto de sete anos equilibrar-se sobre rolinhos brilhantes e uma tábua que mal comportava seu pé. Papai o parabenizou ao fim do espetáculo, todavia, eu quis conhecer melhor aquele guri que tão pequeno já conseguia feitos assombrosamente maravilhosos.
Não só o miúdo, mas todo o circo e os artistas. Bisbilhotei cada canto possível da área e fingi ir ao banheiro só para ver as incríveis casas móveis com cortinas amarelas nas janelas. Quem dera eu pudesse ter tido a oportunidade de conversar com alguns deles naquele dia. Outrora, papai não teria deixado.
Fui embora faminta pela vida no circo. Anos mais tarde eu pude rever o menininho e comprovar que ele melhorou muito mais. Seu irmãozinho seguiu os mesmos passos o que me levou a saber que desde muito pequenos, os da trupe são postos a treinar as mais variadas proezas. Até mesmo oito anos já é considerado velho para aprender – o que fez-me esmorecer de vez por saber que eu, em tamanhos dezessete anos, nunca poderia ser malabarista.
O que mais tinha vontade de saber era porque os circos que sempre fui não usavam animais para seus números como nos desenhos animados que via. Já crescida, mamãe explicou-me que havia uma lei em nosso país que proibia essa prática. Entretanto, queria eu poder ver um leão em pleno picadeiro.
E, de tudo do circo, nunca vou esquecer-me da magia que realmente acontece, afinal, conseguem fazer com que saiamos de lá animados e cheios de folguedos quando na verdade estramos tristes. Até mesmo uma dupla de palhaços com apitos na boca faz-te gargalhar até pedir redenção. O legal de pessoas do circo é que elas são comuns como nós – exceto por mudarem de escola frequentemente ou terem uma casa com quatro pneus –, mas mesmo assim, te fazem nutrir os sonhos mais intrínsecos.
Quem dera eu ser de um circo. E você... Já quis ser?
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Crônica II↬❀Mais como ela mentia! Não mentir do tipo dizer que vai para um lugar ao invés de outro ou acusar outra pessoa do seu feito. Doralice era uma ótima inventora de histórias aos quais ela pregava ser verdade. Houve um dia em que me contou seriamente da sua viagem a Marrocos onde quase casou-se com um muçulmano rico. O dote não era de fato o que ela valia, assim justificou. Outra vez proseou suas aventuras na casa de doces da sua avó. Dormiu até numa cama de pão de mel!Doralice sabia entreter. Convertia-se numa garota extremamente comunicativa e tagarela assim que via as pessoas. Ao contrário de mim que não dizia mais que cinquenta palavras por dia. Mesmo com personalidades adversas, éramos melhores amigas.Interessante mesmo foi o dia que narrou a maior e mais bem elaborada história que já ouvi: ela conseguia voar. Era sábado e Doralice es
Parte 2 do Conto "Aquelas Janelas"↬❀Faz uma semana desde que eu saí pela primeira vez de casa em seis meses. O motivo? Júlia. Quando eu a vi chorar, algo me impulsionou a correr até ela. Entretanto, tudo isso é novo para mim. Tanto o sentimento que me fez quebrar as barreiras do meu auto-isolamento, quanto fazer outra coisa que não seja dormir e jogar vídeo game. Claro que eu assistia aula pela internet, afinal, preciso concluir o ensino médio, mas eu nunca me preocupei com outra vida a não ser a minha. E, repentinamente, eu virei um stalkeador secreto da casa ao lado. Quer dizer, não tão secreto.Nesse mesmo dia em que fui ao portão de Júlia, ela me encarou bem no fundo dos meus olhos, como se soubesse o tempo todo que eu a observava por mais de quatro meses. Depois disso, exp
Crônica III↬❀Lembro de cortar corações. Não os de carne, expressamente dito – a propósito nunca cortei ou partiu o coração de ninguém, o processo sempre foi inverso, – mas sim de papel. Ajudava alguns colegas na decoração do dia dos namorados no ano passado. Jarli, garota pelo qual tinha tanto apresso e admiração, embora pequena, costumava chamar atenção pelo carisma traduzido numa gostosa gargalhada. Ela era incrível.Não só como aluna, mas como escritora. Ah, se pudessem ler suas histórias, cairiam rendidos aos seus pés. Tamanha façanha arrendara-lhe uma faculdade de jornalismo – não conto as horas para ler uma matéria sua ou ver seu rosto indígena na televisão, emocionando-me.No entanto, o real propósito dessa lembrança é contar o que ela falou de uma professora que compartilhávamos – ela, em Literatura e Gramát
↬❀É sobre o meu primeiro dia de vida. Ainda lembro muito bem dele. Dizem que o bebê chora para abrir os pulmões, mas eles estão enganados. Simplesmente soltamos o choro que guardávamos a nove meses por não ver o rosto da mamãe. Por isso eu chorei, mas logo me acalmei porque eu vi minha mãe e ela era tão linda, até deixou uma lágrima escapulir. Eu também quis fazer isso para não a deixar sozinha naquele momento tão emocionante, no entanto, meu estoque de lágrimas já havia acabado. Sabe como bebês tem um pouco de tudo.No entanto, o que mais me surpreendeu quando descobri o novo mundo é que existia uma pessoa que me amava tanto quanto minha mãe. Era meu pai. Meus olhinhos fraquinhos quase não viram, mas pude sentir seus beijos na minha pele ainda molhada de não sei o quê. Estava eu e mamãe num "passeio" pelo hospital quando ele nos abordou. Ah, como eu amei o papai naquele momento (ainda amou, claro).
Conto IV↬❀A miúda passou a festa inteira sacudindo as sete moedas na mão. Seus quatro reais eram importantes de mais, pois iriam conferir o bilhete para o show de sua banda preferida. Não via a hora de toda aquela liturgia eclesiástica acabar e o jantar ser pulado. Nada podia arrancar-lhe o sorriso ou o entusiasmo.Exceto uma chuva.O céu, vermelho como os cabelos do Chapeleiro Maluco, não lhe fez temer. Os relâmpagos e trovões não lhe assustaram. Ela já tinha tomado a decisão de ir até mesmo na chuva, custasse o que custasse. Entretanto, água torrencial fez com que o show fosse cancelado.E ali, ilhada com algumas pessoas da festa debaixo de uma barraca, pela primeira vez a guria esmoreceu-se.Não bastasse isso, seus amigos que foram impedidos pelos pais de a acompanharem no "passeio
Crônica V↬❀Não sei onde e nem como nasci. Meus pais, desconheço. A única coisa que entendo é que sou um cão de rua.Cresci entre os carros e as ruas, vendo toda espécie de bichos diferentes. Alguns voavam, ou grunhiam, outros tinham patas traseiras compridas e pegajosas e olhos esbugalhados. Conheci muitos como eu que eram bondosos. Quando era apenas um cãozinho, vi alguns deles me ajudarem a virar latas de lixo, mas também apanhei de alguns que nem sequer me deixavam chegar perto de suas "comidas".Virei um cão adulto, magrelo e de olhos tristes, pelo menos foi o que ouvi de uma velhinha na rua 9. Entrei para um bando, quer dizer, não era bem um "bando", estava mais para uma matilha de três cachorros esfomeados.Senti muita fome, passei muito frio. Levei tantos pontapés de pessoas na rua que perdi a
Conto V↬❀Era verão.Clarice abanava o rosto tênue com as mãos tentando aliviar o efeito do calor. Olhava o relógio de pulso a cada momento esperando a hora de partir. Reajustou os óculos no nariz alongado e fingiu ouvir tudo o que o professor dizia.O tempo correu. A turma saiu. Como no seu hábito, esperou a sala esvaziar para só então perambular pela escola, porquanto odiava ouvir o arrastar dos pés daquela massa juvenil vagarosa. Suportaria ser espremida por corpos suados e fedidos, mas não aguentaria ouvir sequer um resvalar de sapatos e chão. Nisso, jogou a mochila nas costas levemente curvas enquanto ganhava o pátio. Fez-se presente, então, uma figura muito engraçada, porém bonita, de um garoto grandalhão. O espinhento surpreendeu Clarice que pensou estar sozinha
Conto VI↬❀Era verão, mas chovia fracamente.Arthur abriu a porta com cautela com medo de que Camila estivesse dormindo, deu a volta na enorme cama e ajoelhou-se de fronte a ela. Os olhos pequenos da moça encontravam-se fechados para o mundo e abertos para uma explosão de emoções. Seu nariz, vermelho como morango, fungava desmanchando totalmente sua farsa de dormência. Mantinha a mão direita embaixo do travesseiro como no seu hábito. Sem pressa, encarou o rapaz, chorosa.Como reação, Arthur ofereceu um singelo sorriso não apenas para alegrá-la, como também por lembrar que Camila insistira tanto em comprar as cochas de cama amarelas que, naquele momento, se encontravam no chão, rejeitadas. Como era possível ela se afadigar tão rápido das coisas, menos dele?Como amava aquela miúda. Lembrou-se de quando