Crônica III
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Não só como aluna, mas como escritora. Ah, se pudessem ler suas histórias, cairiam rendidos aos seus pés. Tamanha façanha arrendara-lhe uma faculdade de jornalismo – não conto as horas para ler uma matéria sua ou ver seu rosto indígena na televisão, emocionando-me.
No entanto, o real propósito dessa lembrança é contar o que ela falou de uma professora que compartilhávamos – ela, em Literatura e Gramát
↬❀É sobre o meu primeiro dia de vida. Ainda lembro muito bem dele. Dizem que o bebê chora para abrir os pulmões, mas eles estão enganados. Simplesmente soltamos o choro que guardávamos a nove meses por não ver o rosto da mamãe. Por isso eu chorei, mas logo me acalmei porque eu vi minha mãe e ela era tão linda, até deixou uma lágrima escapulir. Eu também quis fazer isso para não a deixar sozinha naquele momento tão emocionante, no entanto, meu estoque de lágrimas já havia acabado. Sabe como bebês tem um pouco de tudo.No entanto, o que mais me surpreendeu quando descobri o novo mundo é que existia uma pessoa que me amava tanto quanto minha mãe. Era meu pai. Meus olhinhos fraquinhos quase não viram, mas pude sentir seus beijos na minha pele ainda molhada de não sei o quê. Estava eu e mamãe num "passeio" pelo hospital quando ele nos abordou. Ah, como eu amei o papai naquele momento (ainda amou, claro).
Conto IV↬❀A miúda passou a festa inteira sacudindo as sete moedas na mão. Seus quatro reais eram importantes de mais, pois iriam conferir o bilhete para o show de sua banda preferida. Não via a hora de toda aquela liturgia eclesiástica acabar e o jantar ser pulado. Nada podia arrancar-lhe o sorriso ou o entusiasmo.Exceto uma chuva.O céu, vermelho como os cabelos do Chapeleiro Maluco, não lhe fez temer. Os relâmpagos e trovões não lhe assustaram. Ela já tinha tomado a decisão de ir até mesmo na chuva, custasse o que custasse. Entretanto, água torrencial fez com que o show fosse cancelado.E ali, ilhada com algumas pessoas da festa debaixo de uma barraca, pela primeira vez a guria esmoreceu-se.Não bastasse isso, seus amigos que foram impedidos pelos pais de a acompanharem no "passeio
Crônica V↬❀Não sei onde e nem como nasci. Meus pais, desconheço. A única coisa que entendo é que sou um cão de rua.Cresci entre os carros e as ruas, vendo toda espécie de bichos diferentes. Alguns voavam, ou grunhiam, outros tinham patas traseiras compridas e pegajosas e olhos esbugalhados. Conheci muitos como eu que eram bondosos. Quando era apenas um cãozinho, vi alguns deles me ajudarem a virar latas de lixo, mas também apanhei de alguns que nem sequer me deixavam chegar perto de suas "comidas".Virei um cão adulto, magrelo e de olhos tristes, pelo menos foi o que ouvi de uma velhinha na rua 9. Entrei para um bando, quer dizer, não era bem um "bando", estava mais para uma matilha de três cachorros esfomeados.Senti muita fome, passei muito frio. Levei tantos pontapés de pessoas na rua que perdi a
Conto V↬❀Era verão.Clarice abanava o rosto tênue com as mãos tentando aliviar o efeito do calor. Olhava o relógio de pulso a cada momento esperando a hora de partir. Reajustou os óculos no nariz alongado e fingiu ouvir tudo o que o professor dizia.O tempo correu. A turma saiu. Como no seu hábito, esperou a sala esvaziar para só então perambular pela escola, porquanto odiava ouvir o arrastar dos pés daquela massa juvenil vagarosa. Suportaria ser espremida por corpos suados e fedidos, mas não aguentaria ouvir sequer um resvalar de sapatos e chão. Nisso, jogou a mochila nas costas levemente curvas enquanto ganhava o pátio. Fez-se presente, então, uma figura muito engraçada, porém bonita, de um garoto grandalhão. O espinhento surpreendeu Clarice que pensou estar sozinha
Conto VI↬❀Era verão, mas chovia fracamente.Arthur abriu a porta com cautela com medo de que Camila estivesse dormindo, deu a volta na enorme cama e ajoelhou-se de fronte a ela. Os olhos pequenos da moça encontravam-se fechados para o mundo e abertos para uma explosão de emoções. Seu nariz, vermelho como morango, fungava desmanchando totalmente sua farsa de dormência. Mantinha a mão direita embaixo do travesseiro como no seu hábito. Sem pressa, encarou o rapaz, chorosa.Como reação, Arthur ofereceu um singelo sorriso não apenas para alegrá-la, como também por lembrar que Camila insistira tanto em comprar as cochas de cama amarelas que, naquele momento, se encontravam no chão, rejeitadas. Como era possível ela se afadigar tão rápido das coisas, menos dele?Como amava aquela miúda. Lembrou-se de quando
Crônica VI↬❀É impressionante como um simples decair de temperatura faz a massa humana acalmar-se. Não importa o espaço-tempo. É tudo quietude.Na fila do pão, ninguém percebia isso, exceto pelo baixinho – não tão baixo, necessariamente, mas de estatura média era quanto apenas os homens – de casacas negras e pesadas com um tom de seriedade por trás do jaleco branco repousando no antebraço direito.Na padaria silenciosa, duas filas aguardavam a vez. Mas a sua parecia nem mesmo sair do lugar ao passo que a outra dispensava os clientes como mercadorias em pistas de pouso. Bem saberia dizer quanto tempo levaria até comprar o desjejum se não tivesse tão atarefado em observar aquela gente agasalhada. Todos quietos.A maioria deles já era conhecida do moço, mesmo que de vista. Senhoras com netos a tira colo.
↬❀Bem no cantinho do quarto, sobre uma mesinha, um singelo berço de ouro, quase despercebido, enfeitava. Sobre a escrivaninha, livros gastos não porque foram lidos muitas vezes, mas sim pelo tempo que permaneceram ali, inacabados. Havia também papéis de seda que um dia sonharam em ser uma rosa de origami. Uma caneca no formato do punho do Hulk cheia de canetinhas demonstrava o gosto peculiar para gibis. A cadeira giratória era desconfortável.Em duas prateleiras fixadas na parede com papel adesivo de chuva, esbanjavam porta-retratos de uma família, que somente sorria ante as câmeras, e a particularidade de cada integrante; cada qual tinha seu lugar na fotografia. Um urso de pelúcia cheio de poeira, às vezes esquecido. Não havia carpete ao redor da cama para aquecer os pés quando se levantava na madrugada.A porta do banheiro, adjacente ao closet, estava aberta, mas não deixava sequer uma fre
CrônicaVI↬❀Peixe que nada. Que nada sente. Nada constrói, nada destrói. Que nada busca, senão alimento. Que nada teme, salva-se o polido metal reluzente. Que nada sofre, ou perde. Que nada machuca. Em nada permanece, nada justifica. Nada cria, nada ama.Nas águas frias vagueia. Não se ouve sua voz, nem suas súplicas. Se chora, ninguém vê; suas lágrimas misturam-se as partículas polares e inodoras. Aquilo que o cerca é seu lar. Faz dele um peixe, conferindo-lhe seu caráter aquático. O protege, auxilia. Entretanto, essa substância, uma vez dentro de seu corpo, mata-o. A mesma, que lhe dá a vida, tira-a. Isso porque, seu organismo não está apto a receber toda a molécula de água, ao contrário, retira apenas o oxigênio. E mesmo em termos científicos e complexos, nada poderia explicar a verossimilhança entre mim e o peixe