Meu pé quase vacilou diversas vezes enquanto eu subia a escada que dava acesso ao terraço da casa noturna. Cheguei no em cima com meus cabelos sendo levados para trás pelo vento.
Antes de estar com os pés no parapeito eu segurei firme no único poste de luz que iluminava o ambiente.O vento frio ardia nas minhas bochechas.Olhei fixo para todo o movimento na cidade, por estar no centro havia muitos prédios, podia ver os carros na rua, as pessoas pareciam formigas.Me perguntava se iria me arrepender segundos antes do meu corpo colidir com o chão, ou se minha vida passaria pelos meus olhos como Ethan me disse certa vez. De qualquer modo, não teria muito para ver dos meus 20 anos.
Respiro fundo.A determinação para me jogar estava esgotando, mas se eu saísse com vida daqui, May daria um jeito de me matar depois do que fiz.Não olhei mais para o chão, foquei meus olhos na lua, ela parecia linda essa noite, parecia que o céu inteiro estava pronto para me receber, guardaria aquela noite na minha memória.
Suor frio descia pela minha espinha, com a mesma intensidade das lágrimas na minha bochecha.
As batidas fortes do meu coração tiravam todo o silêncio do lugar, passei a contá-las, a medida que eu me inclinava mais para frente elas aceleraram me fazendo perder a conta.Fechei meus olhos com firmeza.
Era a hora de acabar com tudo.Suspirei e comecei a soltar meus dedos um por um, minha pele parecia estar sendo picada por mil agulhas. Antes que eu soltasse o último dedo alguém saiu pela porta que dava acesso ao terraço. Eu agarrei às duas mãos no poste cambaleando para trás.Um homem de terno preto invadiu o terraço, ele não notou minha presença, pois simplesmente andou em outra direção.Segurei minha respiração.Ele se encostou no parapeito e olhou para algo lá embaixo, parecia estar sem ar assim como eu. O observei por alguns instantes, apesar de só ter suas costas para olhar, ele era grande e robusto, provavelmente nunca tinha o visto na boate.Tentando arrumar a posição de meus pés no parapeito para não cair acidentalmente, chuto uma pedra no chão fazendo barulho suficiente para ele notar minha presença. O mesmo rapidamente vira para mim, pude ver seu rosto, era bonito, talvez o homem mais bonito que eu já vi. Ele olha-me e depois para meus pés.Meu coração dispara novamente.— N-não ouse se aproximar, se não vou me jogar! — Aviso.
Ele levanta as mãos a altura de sua cabeça.
— Não vou. — Sua voz atravessou meu estômago, era forte. — Prometo que não.
Então ele lentamente apalpou seus bolsos, de lá tirou um isqueiro e baseado, acendeu, tudo de forma lenta, intercalando os olhares de minha mão no poste e meu rosto, certificando de que eu não me jogaria. O homem foi até o parapeito e se apoiou lá mais uma vez a quase 1 metro de distância de mim, tragou o cigarro e depois soltou a fumaça pelas narinas.
Eu não sabia o que poderia acontecer ali, então não tirei os olhos dele.— Qual seu nome? — Perguntou de maneira estoica, não parecia que alguém iria cometer suicídio a qualquer momento na sua frente.
— Por que quer saber?
Ele suspira e umedece os lábios.
— Preciso dizer aos policiais quem é a garota que se esborrachou no chão. — Me lançou um olhar divertido.
Desvio ligeiramente. Ele não parecia ser um salvador, acredito que tampouco se importava comigo.
— Me chamo Jade. — Vejo ele assentir e colocar o baseado mais uma vez nos lábios. — E você?
— Não acho que vá se lembrar de mim. Não faz diferença. — A fumaça sai de seus lábios a medida que ele falava.
Observo suas mãos, seu carpo estavam vermelho, parecia ter distribuído socos por aí, ele percebe e olha para o local movimentando os dedos.
— Eu odeio velhos soberbos bêbados. — Resmungou.
— Com certeza eu odeio mais que você.
Ele coça a têmpora com o dedo mindinho, vejo um anel, aquele homem não parecia ser um qualquer, esse anel indicava isso.
— Acho que conheço você — ele estreita os olhos —, não é a garota que estava cantando lá embaixo?
Assenti.
— Sua voz é bonita, a melhor que já ouvi.
— Quando não estou triste ela é mais bonita.
Ele balança a cabeça.
— Acho que a melancolia deixa tudo mais belo. — Seu olhar apertado parecia querer me consumir. — Soou mórbido demais para você?
— Não tente me impressionar, já vi mais que pensa.
Ele mostrou um sorriso torto. Encostei minhas costas na parede atrás de mim, mas sem dificultar meu salto.
— Se não veio me salvar, o que faz aqui?
Pensou por alguns instantes, desviou apoiando mais uma vez os antebraços no parapeito.
— Precisava respirar. Lá dentro as pessoas estavam me sufocando. — Seus olhos voltam para mim — e você, por que resolveu tirar sua vida?
Olho para meus pés. Como eu lhe explicaria que enfiei um lápis na coxa do meu primeiro cliente?
— Me viu cantar. Eu apenas cantava aqui, até hoje. — Mordo o lábio inferior com força. — Essa noite a dona do estabelecimento arrumou um freguês para mim. Um velho horroroso.
— Vocês... — deduziu gesticulando.
— Não! — Faço careta. — Eu enfiei um lápis na coxa dele antes de qualquer coisa aconteceu. Depois vim correndo para cá.
Ele balançou a cabeça lentamente sorrindo, a tatuagem de cruz na sua têmpora se contraiu.
— Não me parece ser tão perigosa.
Dei de ombros.
— Se está aqui sei que é como um deles.
Seu sorriso se transforma em uma gargalhada sarcástica.
— Não preciso pagar para garotas transarem comigo, Jade. — Ele abre a boca para dizer mais algo, der repente para e repensa — caso desça daí posso te ajudar, mas se for se j**ar desejo-lhe boa sorte no inferno. — Ele j**a o resto cigarro, observamos a bituca cair na calçada. — Deve ser doloroso.
Continuo olhando o chão lá embaixo, mesmo sentindo o olhar dele queimando sobre a minha pele. Não sabia porquê sentia verdade nas suas palavras, mas poderia ser apenas uma forma dele me convencer a descer, talvez eu quisesse descer.
Miro meus olhos nos seus, percebo que os dele são azuis, quase escuros e também percebo que ele se aproximou de mim enquanto conversávamos, agora apenas dois passos nos separava.— Como posso confiar em você? Nem ao menos sei seu nome.
Ele balança a cabeça de um lado para o outro e tira as mãos do bolso de suas calças.
— Me chamo Heitor. — Sua mão estende na minha direção. — Pode me chamar Heitor.
Engoli o ar pelos dentes. Criei coragem para soltar o poste ao meu lado, minha mão foi trêmula de encontro com a dele, ao contato quente de sua mão fez uma onda de eletricidade atravessou meu corpo. Quem era aquele homem?
— Me dê a outra mão, Jade. — Pediu.
Olhei para baixo mais uma vez, me perguntei onde estava a coragem para pular de minutos atrás.
— Olhe para mim. Fixe nos meus olhos.
Volto minha atenção para Heitor, não parecia assustado, na verdade, ele todo exalava confiança.
Afrouxei minha única mão que ainda segurava o poste, mas antes que eu pegasse sua outra mão, meu pé escorregou do parapeito.Eu gritei enquanto ele me segurava meu braço com às duas mãos, usando toda a força em seu corpo para me puxar de volta para o terraço, minha vida passou pelos meus olhos.Ele conseguiu me puxar para cima novamente, então eu empurrei o parapeito com meus pés descalços, caímos no chão.— Por deus — seu peito descia e subia —, não faça mais isso.
Após nos recuperamos, saí do colo dele e sentei no chão, me arrastando para trás até minhas costas colidirem com a parede.
Passei minhas mãos trêmulas pelo meu rosto. Meu coração pulsava firme no peito.Olhei para Heitor, ele estava sentado no chão com os braços apoiados nos joelhos, olhando diretamente para mim.— Está bem? — Se aproxima de mim.
Recolhi minhas pernas ainda assustada. Ele ergueu as mãos e voltou para o lugar onde estava, acendendo mais um baseado.
— Não deveria fumar tanto, é idiotice.
Ele me lança um olhar malicioso, apertando ainda mais os olhos âmbar.
— Não era eu que estava pendurado no parapeito. — Ele leva o cigarro até os lábios. — Da próxima vez não vou estar aqui.
— Não terá próxima vez.
— É bom que seja verdade.
Ele olhou para meu rosto, parecia estar preocupado com meu estado. Então parei de me fechar, meu coração já estava desacelerando.
— É bom que cumpra o que prometeu. — Digo.
Ele sorrir.
Ethan passava um pano úmido sobre as feridas que May deixou nas minhas costas, não havia apenas nas costas, onde quer que seu chicote tenha pegado deixou rastos de feridas por todo meu canto. Teve um momento que ela subiu a mão, então a ponta de couro atingiu minha bochecha, marcando minha face.Após eu voltar do terraço, May ordenou que Vicent arrancasse minha roupa na frente de todos, usei as mãos para cobrir meu corpo nu em completa vergonha. Então ela pegou seu temido chicote, eu gritei apenas na primeira chicotada, depois me joguei no chão em posição fetal protegendo meu rosto com as lágrimas nos olhos, pedindo que aquele inferno tivesse fim, porem como todas às vezes não teve, nenhum anjo desceu do céu para me buscar.May só parou de me bater quando Vicent pediu, depois de muito tempo.Seguro firme na borda da cama, a dor me fazia querer gritar, mas eu não tinha forças para isso. Sei que Ethan usava toda a delicadeza que tinha nas mãos, porém parecia não adiantar.— Desculpe...
As outras meninas que trabalhavam na boate não eram como eu. Algumas delas já eram prostitutas no seu país, outras eram sem-teto — como eu —, e por não terem escolhas acabaram se acostumando com essa vida, apesar das constantes humilhações o dinheiro era gordo, então elas teriam bastante quando voltassem. Uma pequena parcela delas eram naturais daqui o resto era de outros países. Maria era do Uruguai, Gisele era norte-americana, Viviane e Marta ambas eram da Colômbia, no geral havia meninas de todas as partes do mundo.O que tínhamos em comum era ter sido enganas pela mesma pessoa: May.Não havia escolhas para nós. Éramos o resto da sociedade.May ficou com raiva de mim pelo meu segundo cliente me rejeitar. Ela disse que não iria me bater por que eu era carga preciosa, enquanto meu corpo cicatrizava subiria ainda mais meu valor, me dando tempo para pensar em uma forma de escapar desse lugar.Às vezes, após as apresentações eu costumava subir no terraço, antes meus pensamentos não exis
Tocava Toxic ao fundo enquanto Gisele fazia seu show de sensualidade, ela deslizava pelo pole dance com agilidade, rebolava como se fosse invertebrada, às vezes ia até à extremidade do palco para os homens colocarem notas altas dentro de seu sutiã, às vezes até na sua calcinha. Me perguntava como ela não caía usando botas tão longas, ou se o seu cabelo molhado grudado em seu rosto não atrapalhava sua apresentação.Ethan observava o espetáculo de braços cruzados ao meu lado, olhava de relance para ele às vezes, me sentindo incomodada.Dado momento ela desceu do palco e sentou no colo de um homem estranho, só por ela ter rebolado em seu colo, ele colocou um bolo de notas no meio de seus seios. Depois ela saiu e se aproximou de nós dando uma piscadela para Ethan. Ele sorriu, por que ele tinha que sorrir?— Tem baba no canto dos seus lábios, Ethan. — Passo o dedo sobre a borda meu lábio.Ele balança a cabeça.— Não sei do que está falando.Olho para ele incrédula.— Não seja sonso.Ele vi
— Você fez o quê?! — Perguntou Ethan após eu mencionar tudo o que ocorreu na noite anterior.— Ela precisava de ajuda, eu não podia deixá-la.Ele me puxa para o canto.— Não deve confiar na Gisele, em ninguém aqui!— E em você? Devo não confiar? — Cruzo os braços.Ethan suspira e desvia o olhar, ele sempre fazia isso quando sabia que eu tinha razão.— Se eu não confiasse não o teria. — Minhas bochechas pegam fogo quando ele sorrir sutilmente de canto. — A questão é, eu só ajudei ela ontem, não estou dizendo que somos melhores amigas.Ele pensa por alguns instantes e suspira.— Certo. Se você diz.Teve uma pequena parte que não disse a ele, Gisele estava grávida de um de seus clientes, se May soubesse daria cabo dela assim como fez com Amanda.Mordo o lábio inferior.Não sabia como ela iria resolver essa questão e me sentia brava por ainda pensar em ajuda-lá, ela nunca faria isso por mim.— Tem mais algo?— Hum?— Você parece pensativa desde cedo.— Ter visto ela tão fragilizada me lem
Não conseguia concentrar sem pensar no Heitor quando subia ao terraço. Me perguntava por onde ele estava, o que fazia. Queria vê-lo mais uma vez, nunca vi ninguém com olhar tão intenso. Talvez ele não lembrasse de mim, mas eu nunca esqueceria dele.Penso em Ethan.Não falamos sobre o beijo, mas ontem depois da minha apresentação ele me puxou novamente, dessa vez foi mais demorado, as mãos dele chegaram a descer ate minha cintura, elas estavam mais frias e tremulas que as minhas, foi o momento mais quente que já vivi ate agora. Vicent apareceu estragando tudo. Fizemos como antes: fingir que nada aconteceu.Hoje Gisele faria o tal aborto, o médico viria como um cliente então faria tudo em um dos quartos. Eu sentia medo por ela, durante essas semanas parecia feliz enquanto eu pensava em todas as possibilidades de dar errado.— Finalmente te encontrei. — Gisele aparece no terraço com um cigarro entre os dedos.— Que susto, Gisele. — Levo a mão ate o peito.Ela sorrir. Entao se aproxima de
No dia seguinte, a noite anterior parecia nunca ter acontecido. Gisele tentava agir de forma natural enquanto eu não conseguia disfarçar que quase a vi morrer. Essas coisas só reforçavam que temos de fugir daqui. Não seria a última vez que isso ocorreria, mas eu prometi a mim mesma não me envolver mais, pois tenho certeza que não suportaria outra noite como a de ontem.Sua pele ainda estava pálida, assim como os lábios secos, mas ela continuava sem expressão.Ethan parecia mais preocupado que eu, ele mal prestava atenção nos copos que limpava, diversas vezes quase os deixou cair.May aparece no salão usando óculos escuros de oncinha e um vestido vermelho verniz, seu gosto era questionável. Ela olha para Gisele e puxa os óculos a altura do nariz.— Gisele, querida, você está bem?Ela assentiu depois de muito tempo.— Parece que está morta. — Olho para Ethan. — Hum! Suponho que você precisa de uma folga, trabalhou duro esses dias.Vejo Gisele serrar os dentes tencionando a mandíbula.—
May levou Gisele para o hospital após muita insistência minha, não consegui contar toda a história, mas o que disse foi suficiente para May me olhar como se quisesse nos matar. E ela iria.Não consegui fechar os olhos na noite anterior, a cama dela ainda estava suja com seu sangue, a imagem dela permanecia na minha cabeça, mal pensei no que seria de mim a partir de agora, só queria que Gisele ficasse bem. Apenas isso.As meninas pareciam não entender o que aconteceu, nem eu entendia direito também, mesmo que Gisele não aparentasse estar bem eu preferia acreditar que tudo iria se encaixar, mas não foi o que aconteceu.— Jade? — Maria me chama.— Oi? — Olho para ela.— Está bem? Estou falando com você há tempos...Passo as mãos no rosto.— Não é nada. Estou cansada, a noite foi conturbada.Ela olha para os lados.— Sabe o que aconteceu com a Gisele? — Perguntou.Só de falar em seu nome eu sentia vontade de chorar, a culpa estava me consumindo, estávamos sem notícias há horas.— Eu não s
— Vamos, levanta daí! — Ordenou uma voz, pareceu tão interna que pensei ser coisa da minha cabeça.A claridade fez meus olhos arderem, eu mal conseguia enxergar quem estava na porta. Senti mãos segurando em meus braços, não tive forças para reagir. Quando finalmente abri meus olhos vi Vicent, ele estava me carregando, me levando para fora daquele quarto após mais de uma semana presa.Tentei me soltar, porém, ele me domava com facilidade.— Para onde está me levando? — Perguntei.— Não faça perguntas, canário.Passamos pela porta onde ficava o quarto das meninas, depois pelo salão, estávamos indo para o escritório da May. O que eles fariam comigo agora? Terminariam o serviço, com certeza, e depois eu seria jogada no mesmo buraco que jogaram Amanda e Ethan. Ethan... diversas vezes eu o vi dentro daquele quarto imundo comigo, me dizendo que não morrera e que viria me salvar, porém, era um delírio, de certa forma foi menos doloroso.Voltei a me debater, tentei por diversas vezes socar Vic