Capítulo 06

Não conseguia concentrar sem pensar no Heitor quando subia ao terraço. Me perguntava por onde ele estava, o que fazia. Queria vê-lo mais uma vez, nunca vi ninguém com olhar tão intenso. Talvez ele não lembrasse de mim, mas eu nunca esqueceria dele.

Penso em Ethan.

Não falamos sobre o beijo, mas ontem depois da minha apresentação ele me puxou novamente, dessa vez foi mais demorado, as mãos dele chegaram a descer ate minha cintura, elas estavam mais frias e tremulas que as minhas, foi o momento mais quente que já vivi ate agora. Vicent apareceu estragando tudo. Fizemos como antes: fingir que nada aconteceu.

Hoje Gisele faria o tal aborto, o médico viria como um cliente então faria tudo em um dos quartos. Eu sentia medo por ela, durante essas semanas parecia feliz enquanto eu pensava em todas as possibilidades de dar errado.

— Finalmente te encontrei. — Gisele aparece no terraço com um cigarro entre os dedos.

— Que susto, Gisele. — Levo a mão ate o peito.

Ela sorrir. Entao se aproxima de mim, se posicionando ao meu lado olhando para o nada. Suponho que o terraço virou seu lugar favorito também.

— É hoje. Está com medo?

— Já passei por tanta coisa que não consigo sentir medo de mais nada. — Ela b**e o indicador no cigarro fazendo as cinzas caírem no chão. — Essa vai ser apenas mais uma parte da minha vida.

— Sinto muito.

Ela sorrir com pesar.

— Não gosto que sintam pena de mim. — Tragou o cigarro puxando tao forte que o oco em sua bochecha aumentou.

Olho para sua barriga, estava amostra, pois ela usava uma blusa curta. Já podia notar-se um pequeno relevo ali.

— É uma merda.

Assenti.

— O pai dele é aquele homem? — Pergunto.

Ela traga o cigarro e assenti sem olhar para mim.

— Um verdadeiro canalha. Às vezes esqueço que todos os homens aqui são iguais.

Penso em Ethan, ele não era igual aos monstros daqui, era doce e me lembrava diariamente que esse não era o fim da minha e sim uma parte dela.

— Gosta do faxineiro, não é? — Seus olhos azuis encontram os meus e eu desvio sentindo minhas bochechas pegarem fogo.

— Ethan. — Corrijo.

Ela revirou os olhos.

— Ethan. Tanto faz.

— É tão perceptível assim? — A encaro.

— Sua sorte é que May não ver nada a um palmo de distância de seus olhos. — Ela expira a fumaça. — Ninguém nota vocês, então fica mais fácil.

Solto um sorriso nasal.

— Você consegue ser impetuosa em qualquer situação.

Ela sorrir.

— É um dom.

Rimos fraco.

— Nos beijamos duas vezes. — Admito. — Acredito que gosto dele desde que o vi.

— Já contou a ele?

— Não? — Falo como se fosse óbvio. — Tenho medo caso não seja recíproco.

Ela j**a a bituca no chão e a esmaga com o pé.

— Aposto que já passou por coisas piores que uma rejeição. Se toca, Jade. — Seus olhos brilham — se tem a oportunidade de viver algo belo em um lugar tão feio aproveite.

Meus olhos escorreram até chegarem no chão. Gisele tinha razão, já fazia um ano que eu e Ethan éramos amigos, ele já me viu em tantas situações que o mínimo seria um fora.

Gisele pigarreia.

— Tenho que preparar o show de hoje. Pense no que eu disse.

Continuei no terraço até a casa começar a encher de gente. Hoje não cantei, por isso fiquei no bar observando o movimento. Ethan olhava-me do outro lado do salão, eu revirava o copo com água que o barman me serviu. Não saberia como dizer a ele meus sentimentos, parecia tolice em meio ao que vivemos, tantas coisas ruins, o menos esperado seria ele saber sobre os sentimentos de uma garota.

Quase tive um ataque cardíaco quando senti a respiração pesada dele atrás de mim, em seguida sentou ao meu lado ainda observando a apresentação da Gisele.

— Por que sinto como se estivesse me evitando?

Virei o copo de água nos lábios para disfarçar minha vergonha.

— N-não estou...

Sua boca se curvou em um pequeno sorriso que logo se desfez.

— Gisele engordou, não acha?

Engasguei com a água, ele me olhou preocupado.

— Está bem? — Segurou meu braço.

— Sim, estou. — Passo a costa da mão nos lábios. — Não deveria sair por aí dizendo isso.

— Não foi apenas eu, May comentou isso hoje.

Arregalei meus olhos quase engasgando com a água novamente. Por sorte já avistei o médico que faria o procedimento, pedi aos céus que Gisele finalizasse logo sua apresentação.

— Você está estranha essa semana inteira, tem algo acontecendo?

Balanço a cabeça.

— É por eu te beijar? — Perguntou direto.

— Q-quê? Não, Ethan...

— Caso seja desconfortável para você me diga.

Viro para a mesa do bar tentando esconder minhas bochechas vermelhas.

— Pode ter certeza que não é desconfortável. — Suspiro — tem tantas coisas acontecendo na minha cabeça.

Sinto ele se aproximar.

— Se eu pudesse a beijaria agora, isso te acalmaria?

Engulo a seco.

Afirmo com a cabeça e ele sorrir.

Gisele sai do palco indo direto para o colo dos homens, percebo em sua expressão que ela parecia nervosa, senti necessidade de apertar sua mão e dizer que ficaria tudo bem, mas nem eu tinha certeza disso.

•  •  •

O médico — um homem calvo, baixo de pele parda — esperava impaciente pela Gisele, o vi tomar suas margaritas enquanto ignorava as meninas sentando em seu colo. Monitorei todos os seus passos, para ter certeza que ele não iria embora. Provavelmente seria o último cliente da Gisele hoje.

Olhava para a porta que Gisele entrou há quase meia hora e de relance para ele. Minha respiração apertou quando eu o vi pegar sua maleta e levantar. Corro até ele.

— Não pode ir agora. — Peço.

— Já estou aqui há horas, sua amiga não parece estar tão interessada. — Respondeu ele bravo.

Seguro seu braço, ele olha para a minha mão com o cenho franzido.

— Por favor, não vai demorar mais, eu prometo.

Vemos ela dobrando a esquina vindo na nossa direção com uma expressão nada boa.

— Ali está ela! — Aponto em sua direção.

Gisele soltou um longo suspiro.

— Vamos logo, tenho plantão ao amanhecer. — Murmurou o médico.

— Boa sorte. — Digo a Gisele.

Ela agarra minhas mãos.

— Venha comigo, preciso de você agora.

— Mas...

Vejo seus olhos brilharem.

— Não vou conseguir se não for comigo.

Ethan nos observava enquanto limpava uma mesa. Voltei minha atenção para Gisele, seus olhos vermelhos... então assenti. A boate era composta por andares, escolhemos o quarto mais distante, pois o médico disse que seria o melhor para abafar seus gritos. O suor da mão dela entrava em contato com o meu enquanto a mesma me puxava para o quarto. O médico pediu que ela deitasse e então começou a tirar algumas coisas afiadas de dentro da sua maleta.

— Preciso ficar a sós com a paciente.

Gisele olhou para mim assustada.

— Mas ela é importante para mim...

Seguro as mãos dela para acalma-la.

— Tudo bem. Vou ficar do lado de fora, entrarei logo que ele terminar, eu prometo.

Saí da sala preocupada. Nós sabíamos os riscos que ela corria, caso algo acontecesse eu me culparia para sempre. Encostei minhas costas na parede sentando no chão sem muito o que fazer, com as mãos atadas.

Os primeiros gritos de Gisele foram os mais calmos, depois foram minutos torturantes de gritos estéricos, não sabia o que fazer, a ouvia chorar por isso chorava com ela, andava de um lado para o outro me perguntando se deveria invadir a sala e pedir que ele parasse. Uma hora depois o médico saiu do quarto segurando uma maleta, olhei para as mãos dele, havia sangue.

— Ela precisa de repouso e parar de usar drogas por alguns dias. — Ele me entrega um frasco com comprimidos — isso é para se caso haja infecção de bactérias. Suponho que ela vai ficar bem.

— Você supõe?!

Ele deu de ombros.

— O lugar é um centro de bactérias, meu equipamento não estava aqui. Não pude fazer milagre.

Passo por ele empurrando seu ombro para trás. Entro no quarto e a vejo deitada sobre a cama ensanguentada, Gisele estava desacordada com os lábios brancos, completamente pálida.

Corri até ela, levei a costa da mão até sua testa estava fria, mas, ao mesmo tempo, ela suava.

— Gisele? — Balanço seus ombros.

Ela virava o rosto de um lado para o outro, gemendo e der repente apagou de novo. Levei meus ouvidos até seu peito, não havia batimento cardíaco.

Não sabia o que fazer, meu corpo inteiro tremia. Corri para fora do quarto, o médico não estava mais lá.

Fui em busca de Ethan, o quarto dele era mais afastado então precisei correr até não sentir mais minhas pernas.

Bati com às duas mãos em sua porta, ele abriu com cara de sono, arregalou os olhos quando viu sangue em minhas roupas.

— A Gisele, por favor, você tem que ajuda-lá!

As próximas horas foram de pura tensão, Ethan corria de um lado para o outro enquanto eu fiquei completamente paralisada, pensando em tudo que poderia acontecer por minha culpa. Gisele não dava indícios de que acordaria até que puxou o ar com força pela boca e começou a tossir. Ethan a ajudou a virar-se para o lado, ela vomitou algo escuro e depois deitou-se novamente na cama com o peito exasperado.

— Gisele, por deus! — Digo com a voz embargada.

Ela ainda aparecia fraca, mas gradualmente sua respiração ia estabilizando. Segurei suas mãos com lágrimas escorrendo pela minha bochecha.

— Por favor, não faça mais isso comigo. — Sussurrei.

Ethan averiguou se o sangramento parara, por hora estava tudo bem. Dei-lhe o remédio que o médico me deu antes de sair, troquei os panos da cama e minutos depois ela dormia. Enrolei o lençol sujo de sangue, embolei e joguei para um canto, tínhamos que dar um jeito nele antes que May descobrisse.

Saímos do quarto ainda recuperando fôlego. Ethan apoiou sua cabeça na parede sem olhar para mim, eu sabia o que ele estava pensando, que fui imprudente, que escondi dele coisas sérias que poderiam levar a morte de Gisele e a minha, era tudo verdade, mas eu estava em completo desespero.

— Se o sangramento não parar teremos que falar com a May. — Avisou ele.

— Vai parar. Tenho certeza. — Minhas unhas não existiam mais pelo tanto que foram roídas essa noite.

Ele solta um sorriso nasal.

— Hemorragia é uma coisa séria. Provavelmente ela nunca mais vai poder ter filhos. — Soprou o ar pelos dentes. — Talvez seja melhor assim.

Olho para suas mãos, ainda estavam com sangue.

— Está com raiva de mim? — Pergunto.

Sua mandíbula tenciona.

— O que você acha? — Ele vira de frente para mim — eu disse para não se meter nisso, Jade!

— Eu não podia deixá-la. Acalme-se.

Ele vira de frente para mim, minhas costas colidem com a parede atrás de mim.

— Sabe por que não deveria se meter nisso? — Seus olhos transformam-se — porque pode morrer e se você morrer eu também morro. Você é a única droga de pessoa que eu amo no mundo, não entende o peso disso?! — Ele b**e seu punho na parede ao meu lado. — Isso é egoísta pra caralho.

Não consegui respirar. Minha boca ficou seca. Ethan me deixou completamente sem palavras. Pisco algumas vezes e sinto o líquido quente escorrer pela minha bochecha.

— Ethan...

— Então não me diga para ficar calmo!

Eu o puxo para um abraço apertado, ele enterra sua cabeça em meu pescoço me apertando firme contra seu peito.

— Eu também te amo. 

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