As outras meninas que trabalhavam na boate não eram como eu. Algumas delas já eram prostitutas no seu país, outras eram sem-teto — como eu —, e por não terem escolhas acabaram se acostumando com essa vida, apesar das constantes humilhações o dinheiro era gordo, então elas teriam bastante quando voltassem. Uma pequena parcela delas eram naturais daqui o resto era de outros países. Maria era do Uruguai, Gisele era norte-americana, Viviane e Marta ambas eram da Colômbia, no geral havia meninas de todas as partes do mundo.
O que tínhamos em comum era ter sido enganas pela mesma pessoa: May.Não havia escolhas para nós. Éramos o resto da sociedade.May ficou com raiva de mim pelo meu segundo cliente me rejeitar. Ela disse que não iria me bater por que eu era carga preciosa, enquanto meu corpo cicatrizava subiria ainda mais meu valor, me dando tempo para pensar em uma forma de escapar desse lugar.
Às vezes, após as apresentações eu costumava subir no terraço, antes meus pensamentos não existiam, mas agora eu pensava em Heitor, sua promessa ainda me fazia sonhar, por mais que fosse impossível.Suspiro.Eu nunca mais o veria, nem sabia que ele era, mas depois de Ethan ele se tornou o homem mais bonito que conheci.— Não deveria estar aqui. — Ouço a voz de Ethan atrás de mim.
Viro para encará-lo.
— Você muito menos. Tem que limpar os vômitos daqueles bêbados.
Limpo o local ao meu lado, em cima de um caixote de cervejas que eu usava como banco. Ethan senta olhando para a paisagem, o amanhecer daqui era perfeito.
Meu coração acelerava quando Ethan ficava perto de mim, desde que ele chegou aqui e conversou comigo pela primeira vez. Os olhos azuis dele me encantavam, assim como seus cabelos loiros e o rosto sem um pelo sequer. Parecíamos ter a mesma idade, embora ele fosse anos mais velho.— Acho que May e Vicent não irão se importar. — Ele torce o nariz — se trancaram no escritório dela.
Reviro os olhos.
— Pelo menos ela fica de bom humor quando isso acontece.
Ele dá de ombros.
— Não percebo. May parece sempre estar prestes a matar alguém.
Ambos rimos. Só depois fui perceber estarmos olhando um para o outro. Desci meu olhar para meus pés, as unhas sujas e os dedos marcados, nenhum parte do meu corpo escapava da ira de May.
Ethan passa seu braço ao meu redor me puxando para mais perto.— Ainda dói quando toco você? — Perguntou.
Balanço a cabeça.
Me sentia confortável com seu toque, era meu único amigo naquele lugar.— Já está cicatrizando. Estou com medo, Ethan. — Deito minha cabeça sobre seu peito — às vezes penso em fazer algo perigoso de novo só pra ela me punir.
Vejo sua respiração ressaltar.
— Não imagino pelo que você deva estar passando, mas peço que não faça novamente, da última vez foi preciso o Vicent interromper. — Ethan sempre ficava sensível quando falávamos sobre isso, acredito que ele se sentia tao impotente quanto eu.
Saio de seus braços levanto e vou até parapeito.
Olho para calçada, fazia meses que eu não colocava os pés lá. Logo quando cheguei, May pagou um hotel para mim, eu cantava no bordel durante as noites e de manhã estava livre, mas depois ela mostrou sua verdadeira face e me mantém trancada nessa prisão desde então. A polícia na daqui não se importa, uma vez tentei pedir socorro a um policial, ele me deu uma tapa. Esse mesmo policial era cliente fiel da Gisele.Sinto a respiração de Ethan na minha nuca, meu corpo inteiro vibrou.— Não tenho mais para onde correr, Ethan.
— Não sabe como me senti quando Vicent disse que você iria se jogar daqui. — Sussurrou.
Fecho meus olhos controlando meus sentimentos.
— Prometi que não vou deixar nada de ruim te acontecer... — ele segura minha mão que estava ao lado do meu corpo.
— Ethan — interrompo —, não me entenda mal, estamos no mesmo barco. Vicent pode acabar conosco dois como se fossemos baratas.
Viro de frente para ele, estávamos próximos demais, a polegadas de distância. A respiração dele batia na minha face, e a minha era levada pelo vento.
Ethan segura meus braços levemente. Estremeci.— Vou dar um jeito. Eu juro pela minha vida. — Rosnou.
— Eu acredito em você. — Disse com convicção.
Meus olhos encheram-se, uma lágrima escorreu pela minha bochecha, Ethan enxugou com o polegar.
— Não chore. — Umedeceu os lábios rosados — estou aqui, sempre estarei.
Puxou-me para um abraço, tive medo que ele sentisse o quanto meu coração pulsava forte, tive medo que ele percebesse quanto eu gostava dele.
Quando ele me soltou, estávamos tão próximos e nos aproximando cada vez mais, meus lábios entreabriram sozinhos buscando os dele, mas não foi o que aconteceu. Ethan soltou meus braços afastando-se.— Não vai se jogar daí, vai? — Perguntou de costas para mim.
— Não.
— Tenho que limpar os vômitos lá embaixo. Não demore muito para dormir, já está amanhecendo.
Depois ele foi embora.
Levei as mãos até meu rosto, meu corpo inteiro estava quente, Ethan me deixava assim, acho que ele percebia, pois, sempre fugia nesses momentos. Talvez eu não o agradasse dessa forma, Ethan podia ter outra pessoa lá fora.Observei o sol nascer e desci. No quarto, algumas meninas dormiam nos colchões velhos mofados, enquanto outras ainda estavam com os clientes. Nosso quarto era pequeno, úmido e sujo, May não se importava com as condições que vivíamos.Pelo menos agora eu podia dormir nos panos no chão.• • •
Acordamos com Vicent invadindo o quarto, era costume ele invadir dessa maneira, mas hoje havia algo estranho. Todas fomos convocados a ir para o salão da boate, lá May conversava algo com Vicent. Fiquei próxima à Ethan que arrumava as cadeiras em cima das mesas, até May começar a falar.
— É com grande pesar que venho hoje dizer a vocês que Amanda não está mais entre nós.
As meninas começam a cochichar. Vejo Gisele descruzar os braços.
May leva os dedos até as têmporas e olha para Vicent.— Silêncio! — Berrou Vicent.
Nos cálamos sem pestanejar.
— Obrigada, querido. — Voltou-se para nós — Amanda teve um caso com um de nossos seguranças, então acabou engravidando. Ela morreu durante um aborto.
Gisele era a mais próxima da Amanda, elas eram melhores amigas aqui dentro. Era difícil vê-la abalada, ela parecia uma muralha, mas hoje vimos seus olhos ficarem vermelhos e a mesma saiu em disparada para longe.
May não se importou. Ela nunca se importaria.Não era a primeira vez que isso acontecia, as meninas grávidas sempre sumiam, essa era a forma deles controlarem seus meios contraceptivos.— Mais uma vez reforço a importância de tomarem todos os seus medicamentos! Agora, voltem ao trabalho.
Nenhuma das meninas foram atrás da Gisele, penso que a maioria tinha medo por conta de sua pose firme.
Olho para Ethan que limpava uma mesa com um pano imundo. Ele olhou-me e balançou a cabeça.— Nem pense nisso. — Protestou ele.
— Não viu a maneira que ela saiu daqui?
Ele espreitou os olhos azuis para mim.
— Gisele não é sua amiga, Jade.
Olhei para a direção que ela fora.
— Ela pode te ferrar mais ainda aqui dentro. — Afirmou.
Mesmo que fosse a coisa certa a fazer, Gisele me odiava, desde que cantei aqui pela primeira vez. Nunca demonstrou nenhum remorso pela vez que disse a May sobre meu telefone escondido.
De qualquer modo, eu também fiquei arrasada quando meus pais morreram, assim como meus pais eram meus únicos amigos, Amanda também deveria ser para ela.Continuei meus serviços do dia.Tocava Toxic ao fundo enquanto Gisele fazia seu show de sensualidade, ela deslizava pelo pole dance com agilidade, rebolava como se fosse invertebrada, às vezes ia até à extremidade do palco para os homens colocarem notas altas dentro de seu sutiã, às vezes até na sua calcinha. Me perguntava como ela não caía usando botas tão longas, ou se o seu cabelo molhado grudado em seu rosto não atrapalhava sua apresentação.Ethan observava o espetáculo de braços cruzados ao meu lado, olhava de relance para ele às vezes, me sentindo incomodada.Dado momento ela desceu do palco e sentou no colo de um homem estranho, só por ela ter rebolado em seu colo, ele colocou um bolo de notas no meio de seus seios. Depois ela saiu e se aproximou de nós dando uma piscadela para Ethan. Ele sorriu, por que ele tinha que sorrir?— Tem baba no canto dos seus lábios, Ethan. — Passo o dedo sobre a borda meu lábio.Ele balança a cabeça.— Não sei do que está falando.Olho para ele incrédula.— Não seja sonso.Ele vi
— Você fez o quê?! — Perguntou Ethan após eu mencionar tudo o que ocorreu na noite anterior.— Ela precisava de ajuda, eu não podia deixá-la.Ele me puxa para o canto.— Não deve confiar na Gisele, em ninguém aqui!— E em você? Devo não confiar? — Cruzo os braços.Ethan suspira e desvia o olhar, ele sempre fazia isso quando sabia que eu tinha razão.— Se eu não confiasse não o teria. — Minhas bochechas pegam fogo quando ele sorrir sutilmente de canto. — A questão é, eu só ajudei ela ontem, não estou dizendo que somos melhores amigas.Ele pensa por alguns instantes e suspira.— Certo. Se você diz.Teve uma pequena parte que não disse a ele, Gisele estava grávida de um de seus clientes, se May soubesse daria cabo dela assim como fez com Amanda.Mordo o lábio inferior.Não sabia como ela iria resolver essa questão e me sentia brava por ainda pensar em ajuda-lá, ela nunca faria isso por mim.— Tem mais algo?— Hum?— Você parece pensativa desde cedo.— Ter visto ela tão fragilizada me lem
Não conseguia concentrar sem pensar no Heitor quando subia ao terraço. Me perguntava por onde ele estava, o que fazia. Queria vê-lo mais uma vez, nunca vi ninguém com olhar tão intenso. Talvez ele não lembrasse de mim, mas eu nunca esqueceria dele.Penso em Ethan.Não falamos sobre o beijo, mas ontem depois da minha apresentação ele me puxou novamente, dessa vez foi mais demorado, as mãos dele chegaram a descer ate minha cintura, elas estavam mais frias e tremulas que as minhas, foi o momento mais quente que já vivi ate agora. Vicent apareceu estragando tudo. Fizemos como antes: fingir que nada aconteceu.Hoje Gisele faria o tal aborto, o médico viria como um cliente então faria tudo em um dos quartos. Eu sentia medo por ela, durante essas semanas parecia feliz enquanto eu pensava em todas as possibilidades de dar errado.— Finalmente te encontrei. — Gisele aparece no terraço com um cigarro entre os dedos.— Que susto, Gisele. — Levo a mão ate o peito.Ela sorrir. Entao se aproxima de
No dia seguinte, a noite anterior parecia nunca ter acontecido. Gisele tentava agir de forma natural enquanto eu não conseguia disfarçar que quase a vi morrer. Essas coisas só reforçavam que temos de fugir daqui. Não seria a última vez que isso ocorreria, mas eu prometi a mim mesma não me envolver mais, pois tenho certeza que não suportaria outra noite como a de ontem.Sua pele ainda estava pálida, assim como os lábios secos, mas ela continuava sem expressão.Ethan parecia mais preocupado que eu, ele mal prestava atenção nos copos que limpava, diversas vezes quase os deixou cair.May aparece no salão usando óculos escuros de oncinha e um vestido vermelho verniz, seu gosto era questionável. Ela olha para Gisele e puxa os óculos a altura do nariz.— Gisele, querida, você está bem?Ela assentiu depois de muito tempo.— Parece que está morta. — Olho para Ethan. — Hum! Suponho que você precisa de uma folga, trabalhou duro esses dias.Vejo Gisele serrar os dentes tencionando a mandíbula.—
May levou Gisele para o hospital após muita insistência minha, não consegui contar toda a história, mas o que disse foi suficiente para May me olhar como se quisesse nos matar. E ela iria.Não consegui fechar os olhos na noite anterior, a cama dela ainda estava suja com seu sangue, a imagem dela permanecia na minha cabeça, mal pensei no que seria de mim a partir de agora, só queria que Gisele ficasse bem. Apenas isso.As meninas pareciam não entender o que aconteceu, nem eu entendia direito também, mesmo que Gisele não aparentasse estar bem eu preferia acreditar que tudo iria se encaixar, mas não foi o que aconteceu.— Jade? — Maria me chama.— Oi? — Olho para ela.— Está bem? Estou falando com você há tempos...Passo as mãos no rosto.— Não é nada. Estou cansada, a noite foi conturbada.Ela olha para os lados.— Sabe o que aconteceu com a Gisele? — Perguntou.Só de falar em seu nome eu sentia vontade de chorar, a culpa estava me consumindo, estávamos sem notícias há horas.— Eu não s
— Vamos, levanta daí! — Ordenou uma voz, pareceu tão interna que pensei ser coisa da minha cabeça.A claridade fez meus olhos arderem, eu mal conseguia enxergar quem estava na porta. Senti mãos segurando em meus braços, não tive forças para reagir. Quando finalmente abri meus olhos vi Vicent, ele estava me carregando, me levando para fora daquele quarto após mais de uma semana presa.Tentei me soltar, porém, ele me domava com facilidade.— Para onde está me levando? — Perguntei.— Não faça perguntas, canário.Passamos pela porta onde ficava o quarto das meninas, depois pelo salão, estávamos indo para o escritório da May. O que eles fariam comigo agora? Terminariam o serviço, com certeza, e depois eu seria jogada no mesmo buraco que jogaram Amanda e Ethan. Ethan... diversas vezes eu o vi dentro daquele quarto imundo comigo, me dizendo que não morrera e que viria me salvar, porém, era um delírio, de certa forma foi menos doloroso.Voltei a me debater, tentei por diversas vezes socar Vic
Eu estava frente a frente com o homem que meses atrás me fez uma promessa, agora eu sentia um misto de sentimentos tristeza, felicidade, um pingo de esperança e muita raiva. Heitor me olhava como se eu fosse um bolo de notas altas, enquanto eu não decidi o que expressar. Ele não mudou desde que nós conhecemos, na verdade, atrás dessa mesa parecia ainda mais rígido, demonstrando seu poder, eu estava certa, ele não era qualquer pessoa.Meus olhos buscavam um ponto para concentrar enquanto o silêncio entre nós só aumentava.— Estou confusa. — levo a mão até a testa. — Você... me comprou?— Não foi exatamente o que aconteceu.Não conseguia me concentrar em respirar.Ele atrás dessa mesa parecia ainda mais rico, usando uma camisa social, provavelmente da Burberry enrolada até os antebraços e uma calça social preta. Eu comecei a prestar atenção no padrão de homens que iam à boate, sempre vestiam roupas de marca, o que diferia Heitor dos outros era a juventude.— Sinto muito pela demora, tiv
Acordei tendo a certeza de que não era um sonho, eu ainda estava na prisão vermelha que Sebastian me colocou.Se eu ficasse muito tempo parada pensava em Ethan, então comecei a desbravar os livros na estante do quarto, eram todos de capa dura com histórias conhecidas, nenhuma que me tirasse o foco.Finalmente abri a porta do banheiro, lá dentro tinha uma pia branca com espelho acima, vaso sanitário e uma banheiro, isso mesmo, uma banheira.Levei as mãos até os lábios.Pensei que fosse coisa de filme, porém ela estava bem ali na minha frente e o melhor de tudo: tinha água encanada. Na boate, para tomar um banho tínhamos que aparar água em um balde, May não gostava que tomássemos banho no banheiro dos quartos.Liguei a torneira dourada, a água começou a invadir a banheira. Levei a mão até debaixo da toneira, estava gelada, mas boa o suficiente para um banho.Fechei a porta do banheiro, tirei a camisola alça por alça, o tecido de seda escorregou pelo meu corpo, eu não tinha curvas para m