CLARISSE: ENTREGUE NAS MÃOS DO TIRANO
CLARISSE: ENTREGUE NAS MÃOS DO TIRANO
Por: Zoe Fernández
PRÓLOGO

Clarisse Grigio

Meu coração palpitante junto em meio a consciência da situação começou a se infiltrar lentamente na minha mente.

O aroma predominante do local desconhecido misturava-se a uma sensação de apreensão. O toque macio do lençol em contato com a minha pele não me fez sentir aquela sensação aconchegante previsível, pelo contrário, o ar gélido do tecido em meus braços desnudos me lembrava da cruel realidade que me oprimia. Tentei me mover, porém, meu corpo não respondia como deveria. Minhas pernas pareciam feitas de chumbo e meus braços, ímãs de ferro.

De repente as lembranças do rapto invadiram minha mente eletrizando todo o meu corpo.

— CLARISSE! — a voz de Nicolas gritando em plenos pulmões fez o meu corpo retesar. Buscando forças de um lugar desconhecido consigo encolher as pernas e me abraçar.

Agora, quando posso visualizar melhor ao meu redor, percebo estar em um lugar conhecido. Esse é um dos quartos da mansão Albuquerque, não havia dúvida.

— Ele cumpriu a sua promessa. — sussurrei tentando me convencer da realidade. Em minha mente ninguém conseguiria cometer tamanha atrocidade como a infligida a mim. Não trocamos promessas de amor ou nos perdemos em luxúria, sendo assim, por qual motivo Alfonso insistia em reivindicar-me? Se o seu interesse era somente sexo, que ele buscasse em outros corpos, pois o meu já havia sido prometido a outro homem. Assim como o meu coração só poderia amar uma pessoa, o meu noivo, Nicolas.

— Preciso sair daqui. — encorajei a mim mesma a descer da cama na qual estava. 

De pé consigo perceber que continuo usando o meu vestido de noiva. O vestido que antes era como um sonho realizado, agora servia como uma armadilha em meu corpo. Aquele tecido que havia pertencido a minha mãe, agora faria parte de um dos piores momentos da minha vida. Apesar do enorme desconforto como também a sensação forte de sufocamento, caminho pelo local tentando encontrar a saída. Não iria esperar por Alfonso, precisava fugir o mais rápido possível daquele lugar.

— Inacreditável. — meus lábios se movem conforme os meus olhos percorrem por todo o quarto. 

Giro meu corpo para alcançar as maçanetas da porta dupla da entrada do quarto. Com força giro-as, mas nada acontece, repito o movimento, porém o resultado é o mesmo.

— É claro… ele jamais deixaria a porta destrancada. — murmurei puxando as maçanetas.

Cansada de fracassar, começo a esmurrar as portas que estremecem com o meu esforço.

— ALGUÉM! P-POR FAVOR! — meus gritos ressoavam pelo quarto preenchendo cada centímetro — SOCORRO! QUERO SAIR DAQUI… ALFONSO! ME SOLTE AGORA MESMO… CHEGA DISSO! ALFONSO ALBUQUERQUE ME TIRE DESSE QUARTO! — esbravejei contra o meu algoz. Assim como Alfonso não teve pudor em me sequestrar, assim deveria continuar a sua motivação para me encarar pessoalmente e terminar esse circo.

Seu interesse por mim sempre pareceu excessivo, sufocante, porém agora, ultrapassou todos os limites. Cansada de esmurrar a porta e não obter resposta, desisto.

Ainda que eu estivesse visualizando com os meus próprios olhos o cenário, era difícil acreditar que realmente havia sido sequestrada por aquele homem… inclino minha cabeça repousando na porta atrás de mim e fecho os meus olhos para refletir.

* * *

Não demora muito para o fôlego e a determinação preencham novamente os meus pulmões e agora com os olhos abertos novamente, posso visualizar o espaço ao meu redor com clareza.

O local ao meu redor é deslumbrante, digno de um quarto de luxo transitando entre o clássico e o moderno. As paredes revestidas de seda em um tom suave de creme abraçam o espaço, enquanto as molduras de estuque, meticulosamente trabalhados, contrastam com as linhas limpas e minimalistas dos móveis contemporâneos. O teto alto possui um lindo lustre de cristal que reflete a luz fascinantemente, que me faz lembrar de palácios antigos.

Uma chaise longue de veludo profundo no tom carmesim se destaca em um canto. As cortinas de linho caem elegantemente até o chão e nesse momento me recordo das janelas por trás e corro na sua direção. Contudo, a decepção se faz presente quando afastei as cortinas revelando as janelas amplas totalmente fechadas com grades e uma espécie de cimento que as cobre completamente, impossibilitando a minha fuga.

— Ah! — um grito de frustração atravessou a minha garganta. Eu era assim tão patética? Questionei a mim mesma. Realmente teria que viver aquela situação, justo agora quando os planos de uma vida seriam concretizados? Isso é tão injusto!

Desde o começo estava translúcido em seus olhos afiados, não é amor. 

Na verdade, tudo isto não passa de ganância por possuir algo que não é seu. 

Ainda assim, eu não faria parte do seu orgulho e luxúria, eu resistiria até o fim.

Procuro por todo o quarto qualquer coisa que possa utilizar para escapar daquele lugar.

Não tenho a dimensão do tempo que passei desacordada, o que faz aumentar o meu desespero. Talvez tenham se passado horas, dias ou até mesmo semanas. 

Uma porta me chama atenção durante a minha procura. Giro a maçaneta e o local se revela um banheiro. Adentro o local na esperança de encontrar alguma forma de fugir, nem que seja por uma janela pequena, mas novamente, encontro outra janela bloqueada por uma espécie de material denso que se assemelha ao cimento.

Com os olhos lacrimejantes penso em Nicolas e as lembranças do momento invadem a minha mente.

A forma desesperada que ele correu atrás de mim me deixou completamente devastada. A palpitação no meu peito aumenta e conforme a sensação de sufocamento preenche o meu corpo, sinto lentamente a força esvai do meu corpo, que sucumbe ao chão e conforme o tempo passa, lágrimas começam a deslizar pelo meu rosto.

Alfonso não tinha o direito de fazer o que estava fazendo comigo. Eu ainda sou uma pessoa, o que exatamente ele pretendia fazer comigo agindo dessa maneira? 

Será que em sua cabeça distorcida ele ansiava que agindo dessa maneira eu começaria a corresponder os seus avanços? Ou pior, Alfonso verdadeiramente prospectou que essa atitude alteraria a sua figura no meu imaginário? 

Espero que ele não esteja aguardando por uma declaração de amor, isso nunca! 

De repente, sombras se movimentam por debaixo da porta e eu percebo passos de pessoas.

— Senhor! — uma voz grave certamente masculina faz todo o meu corpo retesar e eu reconheço como sendo um dos homens que me raptou diante da Catedral Santíssimo Salvador.

Meu ventre ficou tenso conforme as vozes se acumulavam e o barulho de chave na fechadura preencheu o ambiente. Forças surgem do meu âmago me fazendo ficar de pé, totalmente em alerta para o que seguiria.

— Clarisse. — a forma que Alfonso pronunciou meu nome fez um misto de sentimentos explodir em meu coração. 

Alfonso adentrou a sala junto aos seus homens. Usando um dos seus ternos de luxo que parecia ter sido esculpido em seu corpo alto e esguio, suas mãos deslizaram até os bolsos da calça e seus olhos se fixaram nos meus.

Por um longo tempo o silêncio reinou entre nós, até que umedecendo os lábios Alfonso sussurrou algo para o homem à sua esquerda que se curvou e deixou o local.

Novamente, os olhos índigo encontraram os meus, porém agora, eles cintilam como se escondesse algo que eu ignoro. Odeio essa arrogância que ele exala, mas é inegável: Alfonso é arrebatador.

— Alfonso Albuquerque. — exclamei chamando sua atenção. Com os punhos cerrados no tecido do meu vestido, não me acovardei — Quero sair deste lugar. Não sou um animal que você possa caçar e manter em cativeiro. — declarei sem vacilar.

O sorriso torto nos lábios grossos e rosados de Alfonso irritaram todo o meu corpo, fazendo todos os fios da minha cabeça eriçarem.

— Mas você irá… é exatamente por este motivo que estou aqui. — Alfonso afirmou.

Semicerrei os olhos sem compreender o significado das suas palavras.

— Você me sequestrou no dia do meu casamento e quer que eu acredite em você? Por qual motivo em acredita em qualquer coisa que saia da sua boca? — questionei com desdém. 

Mesmo que a minha situação não seja das melhores, não poderia seguir em silêncio. 

Abrindo o botão do seu terno com elegância, sua mão direita pousou no ar para que eu a envolvesse. Ele queria que eu segurasse a sua mão mesmo depois de tudo que ele havia feito? O encarei incrédula.

— Você sabe que não sou um homem volátil Clarisse e eu cumpro todas as minhas promessas, então creia quando digo que vim buscar você. — a declaração de Alfonso me deixou desconfortável. Prevendo a minha dúvida, dando dois passos na minha direção, Alfonso me encarou. O Seu olhar profundo e afiado fez meu coração palpitar outra vez.

Antes que eu pudesse proferir qualquer palavra, Alfonso declarou:

— Não se perca com pensamentos desnecessários Clarisse. — Alfonso fez uma pausa e seus lábios se curvaram em um sorriso misterioso — Prometo acompanhar você até o altar. Então venha comigo e segure em minha mão. 

Contudo, antes que eu pudesse decidir, uma pergunta pairou no ar: será que eu realmente poderia confiar em Alfonso?

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