Clarisse Grigio
No princípio custei a acreditar, contudo, isso realmente estava acontecendo? Encarei a mão solitária de Alfonso repousando no ar enquanto aguardava a minha resposta. “Prometo acompanhar você até o altar” — refleti sem desviar os meus olhos do seu par de safiras que apesar da tonalidade, para mim, os seus olhos se assemelham a ondas durante uma tempestade em alto mar. Levo algum tempo para decidir qual seria a melhor decisão a se tomar naquele momento, pois, independente da minha escolha nenhuma das alternativas era favorável e se tratando de Alfonso, não havia segurança de que no final, o resultado seria satisfatório para mim. Respiro fundo e apertei o tecido do vestido em meus dedos. — Que garantia tenho que você vai cumprir com sua palavra? — questionei por impulso, Alfonso sorriu torto. — A sua única garantia é a minha palavra e como disse, sou um homem que cumpre suas promessas. — Alfonso retrucou. Seus músculos da face se contraem enquanto engulo seco tentando avaliar melhor o cenário. A contragosto, preciso concordar em aceitar sua proposta. Mesmo que houvesse motivos ocultos em suas palavras camufladas pela incerteza, esta é a minha oportunidade de sair do quarto e fugir. Uma fagulha de incerteza esvai pelo vapor liberado pelos meus lábios. — Muito bem, Alfonso… leve-me até o altar. — não vacilei em alcançar a sua mão, contudo, o arrependimento domina o meu corpo quando Alfonso decide reagir a minha iniciativa receosa. Reivindicando meu corpo para si, nossos corpos se chocam pelo ímpeto do movimento. Os olhos afiados me encaram de uma forma opressora, contudo, nenhum de nós profere palavra. Os seguranças que estavam no quarto deixaram o local, de soslaio, acompanhei as sombras de moverem uma a uma até que restasse somente Alfonso e eu no quarto. Não tenho consciência do período que nos mantivemos naquele conflito, porém, Alfonso foi o primeiro a deixar o quarto e eu o imitei, seguindo logo atrás dele. “O que exatamente estou fazendo?” — questiono enquanto sigo os passos de Alfonso rumo ao destino desconhecido. Mesmo que já tenha estado na mansão, não tinha noção da profundidade e extensão do lugar, como a quantidade de corredores que mais se assemelham a um labirinto cujo objetivo é tragar o indivíduo em seus caminhos tortuosos e enigmáticos. Assim como a atmosfera opressora contribui para construção desse cenário desconfortável. Os seguranças, assim como eu, seguem o trajeto traçado por Alfonso que caminha alguns metros à nossa frente. Conforme o meu corpo se move, tento não pensar muito em Alfonso, ao invés disso, busco disfarçadamente por alguma brecha para que eu possa correr, contudo, antes que eu pudesse me dar conta, os meus passos são interrompidos, pois havíamos chegado ao nosso destino. Sem nenhum esforço Alfonso abriu as portas duplas à sua frente. Mesmo que no começo eu não estivesse verdadeiramente interessada nas palavras de Alfonso, a partir de agora, seria diferente. Se antes eu especulava que ele havia passado dos limites, agora tenho certeza, pois a imagem diante dos meus olhos são a prova viva que Alfonso havia estipulado todos os limites, possíveis e inimagináveis. — O que significa isso? — foi uma pergunta retórica, eu sei, porém, foi feita sem consciência. A alguns metros à minha frente estava o meu irmão mais velho, Gabriel, de joelhos ao lado de um altar com dois homens mantendo-o no lugar. Minhas sobrancelhas caíram pelo desespero ao ver o seu corpo coberto por feridas e hematomas. Seu rosto, mesmo estando distante era possível perceber o corte em seu cílio, como os demais machucados que faziam o meu rosto virar para não contemplar. O cenário era perturbador e pela primeira vez na vida, temi pelos desdobramentos a seguir. Pois dependendo das minhas ações, tinha certeza que seria o fim do meu irmão como também o meu. Se alguma vez houve dúvidas, hoje já não existem! Pelo pavor os meus joelhos vacilaram e meu corpo sucumbiu ao chão. — Te disse ser um homem de palavra Clarisse e cá estamos. — Alfonso retrucou sem se afastar. Uma sensação ruim atinge o meu coração e levo minha mão ao peito — Recentemente descobri que o seu irmão estava roubando a minha fazenda e ironicamente, essa oportunidade surgiu como um presente em minhas mãos. O amargor em minha garganta fez a minha saliva deslizar com dificuldade. — Oportunidade? — rangi os dentes erguendo minha cabeça para encará-lo mesmo de joelhos ao chão — Você está dizendo que o estado do meu irmão é o fruto dessa oportunidade? Alfonso pareceu divagar por alguns segundos e assentiu abaixando o corpo diante da minha face. — Você se lembra daquela noite? — Alfonso segurou meu queixo com certa força. Seu polegar apertou meu queixo com prescrição, marcando bem o local — Me recordo de ter deixado claro o meu desejo por você e que não mediria esforços para ter você. — Seu… — Por bem, ou por mal. — liberando o meu queixo, Alfonso se afastou. Acompanhei seus sapatos italianos, um após o outro, Alfonso caminhou se aproximando de Gabriel. A atmosfera angustiante ao meu redor me engoliu. Em meus ouvidos não conseguia ouvir nada além da voz rouca de Alfonso. Meus lábios tremeram conforme minha mente me afligia com as memórias de todos os esforços de Alfonso nesses últimos meios e agora, ao chão contemplava o meu irmão que mal conseguia respirar. Parado de costas para mim e com as mãos aos bolsos, Alfonso encarava o estado deplorável de Gabriel. Havia algo que pudesse ser feito? Conclui que não. Durante o percurso até a mansão me lembro de ter respirado fundo e observar que o veículo seguia pela estrada sem movimentos bruscos, resultando na única resposta: ninguém estava seguindo o veículo, nem Nicolas ou a polícia. Ou seja, ninguém virá nos salvar. Recolhendo as migalhas do meu orgulho eu as engolir uma a uma. Em silêncio desviei o meu olhar de Gabriel, pois caso contrário, não conseguiria fazer o que precisava ser feito. Parada ao lado de Alfonso, observei ele fazer sinal para um dos seus seguranças da mansão que, parado a porta deixou o lugar. — Estou satisfeito que você tenha optado pela melhor escolha. — sua voz soou como sarcasmo aos meus ouvidos. — Depois disso quero que liberte o meu irmão, afinal terá o que tanto deseja. — retruquei forçando os meus lábios a se manterem fixos no lugar, assim como as lágrimas para não deslizarem como cascatas. De repente a porta à nossa direita é aberta surgindo um homem alto de fios brancos que eu infelizmente conhecia perfeitamente bem. O senhor Edgar arregalou os olhos conforme se aproximava do altar à nossa frente, porém o olhar de Alfonso o fez seguir em silêncio. — Devo aguardar mais alguém ou posso dar início à cerimônia? — Edgar questionou com hesitação, sua voz ecoando no silêncio carregado da sala. O ar estava pesado de emoções não ditas e o peso do momento me pressionava como uma tempestade prestes a eclodir. De soslaio percebi Alfonso me encarando, seu olhar cheio de intensidade, mas não lhe dei o prazer de corresponder ao seu movimento. Em vez disso, tentei reunir a coragem necessária para enfrentar o que estava por vir. O coração batia descompassado e uma onda de incerteza invadiu minha mente. — Entendo. — Edgar engoliu em seco e abriu a pasta em suas mãos, suas folhas amareladas refletindo a luz fraca do ambiente. — Vamos dar início à cerimônia de casamento entre Alfonso Albuquerque e Clarisse Grigio. Aquelas palavras reverberaram em meu peito como um sino de alerta. Uma mistura de ansiedade e expectativa me envolveu e o que deveria ser um momento de alegria parecia mais uma armadilha. O que realmente significava dizer “sim” a Alfonso? Enquanto Edgar começava a recitar as palavras formais, meu olhar vagou novamente para Alfonso. Havia algo em seu sorriso que não me parecia certo, uma sombra de segredos que pairava entre nós. E naquele instante, enquanto a cerimônia prosseguia, uma pergunta inquietante surgiu em minha mente: será que eu realmente conhecia tudo sobre Alfonso ou havia algo além dos rumores? Quem realmente era o homem com quem estava prestes a me unir? Será que havia algo mais obscuro escondido? A sensação de que algo estava prestes a acontecer me deixou em alerta. Afinal, em um mundo onde as aparências podem enganar, eu precisava estar pronta para o inesperado.Clarisse GrigioAdentro o quarto com o misto de sentimentos conflitantes em meu coração. No momento que o juiz de paz declarou que Alfonso e eu estávamos casados, quis que um abismo fosse aberto debaixo dos meus pés.Como se a ansiedade não fosse suficiente, precisava me preparar para a consumação do casamento.Deslizei as alças do vestido sem dificuldade pelos meus braços. Mesmo que agora o ideal fosse receber ajuda, não é de uma pessoa para me despir que necessito e pelo contrário, preciso de forças para seguir adiante.Encaro o anel de diamantes no meu anelar e o peso desse objeto faz o meu coração pesar. Não era dessa maneira que planejava encerrar esta noite, não, era para Nicolas e eu estávamos embarcando em uma viagem de lua de mel para Fernando de Noronha, mas agora, preciso encarar minha nova realidade. Nisto preciso focar de agora em diante.— Se acalme Clarisse… tudo dará certo! — digo em voz alta tentando me convencer que Nicolas agora é passado, mesmo que os meus planos f
[ALGUNS MESES ANTES]Clarisse GrigioAmanheceu nublado como no dia anterior. Por um instante posso desfrutar dessa sensação refrescante antes de retornar a rotina. Com os meus olhos fechados, aprecio os segundos, antes que eu retorne para a minha programação original.A brisa aconchegante que vem do corredor esvoaça os meus fios que caem como cascata em meus ombros. Por impulso, pego uma das minhas mechas e as levo até o nariz, um ato simples que sempre me faz pensar no meu amado, Nicolas.— Crianças, o intervalo terminou! — escuto uma voz bem distante, provavelmente da coordenadora do turno da manhã anunciando o final do recreio das crianças. Sorrio pensando nos pequenos que sempre retorcem a face em frustração e volto a caminhar pelo local.Cumprimento algumas crianças que me reconhecem enquanto sigo o meu caminho rumo a sala dos professores. Porém, antes que eu consiga girar a esquerda observo uma movimentação estranha, como um vulto alguns metros à minha frente.Impulsionada pela
Clarisse Grigio— Clarisse? — Sabrina me chamou. Eu a encaro e os seus olhos estão repletos de curiosidade e expectativa.— N-Nada. — desconversei levantando da cadeira. Era hora de ir embora ao invés de dar lugar a rumores que nada tem a ver comigo ou com a minha família — Preciso ir para casa, até amanhã meninas.Me despeço como o habitual enquanto envio uma mensagem para Nicolas, mas ele não responde. Provavelmente por estar envolvido com os assuntos do escritório de contabilidade do seu pai.Após a formatura eu consegui arrumar um trabalho como professora na escola do fundamental I, enquanto Nicolas seguiu os planos da família que é atuar como contador, dando seguimento aos negócios do seu pai que possui uma empresa de contabilidade no centro de Campos.Peço um carro no aplicativo que rapidamente chega e me deixa em frente a minha casa. Um prédio comercial de quatro apartamentos que consigo pagar dividindo as despesas com o meu irmão.Quando os nossos pais faleceram, ficamos eu e
Clarisse GrigioAcordo de repente com uma sensação angustiante em meu peito. Levo minhas mãos até o rosto para ter certeza que o realmente o local onde estou é real.— Foi um sonho. — digo em voz alta tentando me convencer de que as sensações ainda presentes em minha pele e em minha mente não são reais.Eu estava presa completamente absorta nas mãos de homens estranhos. Eles me levavam para um lugar muito longe e frio, eu não queria estar lá e por mais que eu quisesse gritar, eu não tinha voz para clamar por socorro.Levanto e rapidamente adentro o banheiro do meu quarto. Ligo o chuveiro deixando a água gelada cair por todo o meu corpo, lavando os meus fios longos que cobrem meus ombros como um véu.A água gélida cai sobre minha pele como pequenos cubos de gelo, levando embora consigo o medo incrustado em minha pele por conta do pesadelo vivido.Não demoro mais do que o suficiente debaixo da água, pois preciso trabalhar. Pesadelos vêm e vão, mas não posso deixar que isso atrapalhe a m
Clarisse GrigioEnquanto me perdia em pensamentos, a lascívia se infiltrou em minha mente como uma sombra indesejada, despertando uma curiosidade ardente que eu mal conseguia compreender. O meu coração palpitante se afundou no cenário à minha frente. Levo minha mão aos lábios por impulso, pensando se era assim que me sentia ao estar nos braços de Nicolas. A sensação de querer explorar o desconhecido se tornava um pensamento intrusivo, dançando entre a inocência e o desejo. Eu me perguntava como seria sentir a pele de Nicolas contra a minha, o sussurro de suas palavras carregadas de promessas e a eletricidade do seu toque incendiando todo o meu ser. Por que eu não tenho esse tipo de experiência com ele? Nós não deveríamos ter esse grau de intimidade? Será que o meu corpo não é atrativo o suficiente para Nicolas?O mero pensamento me assolou por completo.Em minha mente, uma luta interna entre o desejo reprimido e a pureza que eu tanto tentava preservar pareceu se perder por conta de
Clarisse Grigio— Clarisse! — Isabella abriu os braços correndo na minha direção. O nosso abraço foi tão prazeroso que fez parecer que nós não nos encontrávamos há anos.— Isa… eu também senti saudades. — proferi quase sem fôlego pelo seu abraço de urso.— Vem! Eu estava esperando você chegar, tenho algo para te contar… — Isa proferiu com uma voz baixa e misteriosa.— Mas… e a livraria? Só tem nós duas aqui? — Isabella assentiu caminhando até a porta do local — Amiga, mas e os seus pais? — questionei preocupada. Mesmo que a loja seja um empreendimento pessoal, não quero que ela se prejudique com a minha presença.— Relaxa amiga, a loja é minha e eu fecho quando quiser. — Isabella retrucou piscando um dos olhos.Maneio a cabeça em sinal de negação, mas isso não é o suficiente para parar Isabella Baltazar. Após virar a placa indicando — fechado para almoço! — seguimos para o interior da livraria.— Como foi a viagem até São Paulo? Conheceu o seu honorável web namorado? — perguntei cheia
Alfonso AlbuquerqueCom um olhar desdenhoso, me encosto na parede, observando a cena diante de mim como um espectador entediado em um teatro de excessos.A atmosfera pulsa com a energia frenética dos corpos se entrelaçando, mas para mim, tudo não passa de um espetáculo repetitivo e previsível. A minha arrogância transborda em cada movimento, como se a minha simples presença fosse suficiente para elevar a banalidade da presente orgia a algo mais intrigante.Enquanto os gemidos e risos ecoam ao meu redor, eu me sento como um príncipe em um reino de plebeus, alheio à entrega desenfreada que me cerca, pois estou perdido em meus próprios pensamentos sobre o que realmente tem valor.Atravesso os corpos ao meu entorno, conforme caminho rumo a varanda do térreo. A lua resplandecente reina diante da noite profunda e estrelada. O céu em sua profundidade esconde a verdade escondida nas mentes dos meros mortais durante o crepúsculo.— Senhor. — a voz de Rys me desperta dos meus devaneios — Devo e
Clarisse GrigioA escuridão envolvia o meu corpo como um denso manto, e eu estava perdida em um pesadelo que parecia se estender para sempre. Corria por um corredor interminável, cada passo mais pesado que o anterior, enquanto a sensação de que alguém me seguia se tornava cada vez mais opressiva. Densas lágrimas escorrem por todo o meu rosto conforme o eco de passos atrás de mim ressoava em meus ouvidos e uma onda de pânico se arrasta pela minha espinha. O ar estava denso, quase impenetrável e o meu coração batia descompassado, como se quisesse escapar do meu peito. Eu olhava para trás, mas a escuridão parecia engolir tudo, impossibilitando ver quem — ou o que — estava me perseguindo. Então, de repente, um barulho ensurdecedor cortou a névoa do meu sonho, como um trovão em um céu claro. Meu corpo estremeceu, e eu acordei com um sobressalto, o coração ainda acelerado, enquanto o eco do estrondo reverberava em minha mente. O som vinha da sala, uma batida forte e insistente que me fez s