[ALGUNS MESES ANTES]
Clarisse Grigio Amanheceu nublado como no dia anterior. Por um instante posso desfrutar dessa sensação refrescante antes de retornar a rotina. Com os meus olhos fechados, aprecio os segundos, antes que eu retorne para a minha programação original. A brisa aconchegante que vem do corredor esvoaça os meus fios que caem como cascata em meus ombros. Por impulso, pego uma das minhas mechas e as levo até o nariz, um ato simples que sempre me faz pensar no meu amado, Nicolas. — Crianças, o intervalo terminou! — escuto uma voz bem distante, provavelmente da coordenadora do turno da manhã anunciando o final do recreio das crianças. Sorrio pensando nos pequenos que sempre retorcem a face em frustração e volto a caminhar pelo local. Cumprimento algumas crianças que me reconhecem enquanto sigo o meu caminho rumo a sala dos professores. Porém, antes que eu consiga girar a esquerda observo uma movimentação estranha, como um vulto alguns metros à minha frente. Impulsionada pela obrigação e curiosidade, sigo adiante para verificar o significado daquela movimentação estranha até que encontro o significado da questão inicial. Observando as duas meninas que sorriem na minha direção, endureço o meu olhar para com elas. — Maria Eduarda e Mirela, o que acham que estão fazendo? — exclamei com seriedade. Apesar de amar a minha profissão existem situações que precisamos ser firmes e esse com certeza era um desses momentos cujo precisamos repreender com sabedoria. As duas crianças de quatro anos sorriem travessas uma para outra e ao invés de me responder, elas correm. Uma para cada direção, o que não me surpreendeu. — O que vocês estão fazendo nessa sala vazia? — questionei severamente — Não é permitido matar aula meninas, vamos agora mesmo para a sala de vocês. O recreio já acabou! — adverti. Observei as crianças correndo e antes que eu pudesse agir, as duas colidem com a diretora Ana Paula. — TIA ANA PAULA! — as duas garotas choramingam em uníssono. Neguei com a cabeça diante da cena dramática das duas. Giro os calcanhares para retornar ao meu caminho e logo me encontro com minhas colegas dialogando animadamente. — Oi, Clarisse, bom dia! — Sabrina me cumprimentou no momento que surgi a porta. As outras professoras me cumprimentam logo em seguida. Sorrio retribuindo a saudação calorosa das mesmas. Todas me tratam com muito carinho e sou muito feliz nessa escola. Mesmo que não sejamos amigas, felizmente todas nós somos colegas e é extremamente agradável a nossa relação profissional, diferente de quando trabalhei como auxiliar na recepção da biblioteca municipal, onde muitas das mulheres me ignoravam e eu sofri assédio do diretor da instituição. Comparado ao cenário anterior, eu estou nos céus e aspiro trabalhar nessa escola como professora por muitos anos até a minha aposentadoria. — Já ficou sabendo? — Gabriella perguntou chamando a minha atenção. Encarei a minha colega de trabalho um pouco perdida no assunto por estar concentrada nas mensagens do meu celular que trocava com Nicolas. Dei de ombros dando a entender não saber sobre o assunto. Gabriella sorriu bebericando seu café e continuou — Não acredito que você ainda não saiba. — Sobre? — perguntei levemente curiosa. — Sobre o retorno enigmático do nosso assassino. — o tom dramático na voz de Gabi me fez rir, pois foi muito engraçado — Alfonso Albuquerque. — Gabriella completou rindo em seguida. Ainda que eu não seja uma entusiasta sobre fofocas da cidade, ouvir esse nome gera um misto de sentimentos no meu peito. A curiosidade preencheu a minha mente e em silêncio, eu tento lembrar sobre o que conheço a respeito do mesmo: Alfonso Albuquerque. Muitos rumores giram em torno dessa história por detrás de Alfonso, contudo nunca tive interesse em aprofundar-me nesse assunto. Tudo que sei a respeito é que há alguns anos atrás, logo após o nascimento do filho de Alfonso ele assassinou não somente o bebê como também a ex-esposa. Entretanto, tudo isso é somente boato, pois a informação oficial é de que a criança e a mãe faleceram por conta de complicações no parto. Na época em que as coisas aconteceram eu ainda era criança e mesmo após alguns anos, nunca tive interesse em saber sobre essas fofocas. A última vez que me lembrei desse assunto foi quando o meu irmão conseguiu uma vaga de trabalho efetiva como veterinário na fazenda Albuquerque. — Clarisse… e então? — Luana me chamou ao mesmo que me encarou com curiosidade. — Então o quê? — retruquei conferindo os itens na minha bolsa. Luana e Gabriella se entreolharam com a sombra da malícia em seus olhos antes de me encarar novamente — O seu irmão trabalha na fazenda, não é mesmo? Com certeza ele deve saber sobre alguma coisa desse assunto, não é possível ser tudo fofoca. Afinal é como dizem: tudo tem um fundo de verdade. Assenti dando de ombros. — É verdade que as festas são regadas a drogas e orgias? — Sabrina insistiu. — O-Oi… c-como assim? — neguei com a cabeça — Que tipo de pergunta são essas meninas? Orgias? — sussurrei sem antes olhar para os lados, com medo da diretora aparecer de repente. — Eu sabia que ela não sabia de nada. — Gabriella ralhou com Luana. Eu as observei completamente perdida e ruborizada pela possibilidade. Mesmo com dezenove anos eu nunca aprofundei sexualmente a relação com Nicolas. Somos namorados desde a infância e quando chegamos aos quatorze começamos a namorar de fato, porém até hoje nunca fizemos nada além de amassos mais intensos. Mas não posso negar que a simples menção da palavra — orgia — fez a minha mente ferver. Imaginar o cenário de corpos sucumbindo à luxúria explodiu em minha mente, fazendo o meu coração palpitar. — E-Eu… não sei do que estão falando. Isso com certeza é fofoca e mesmo que fosse verdade, Gabriel não comentaria nada comigo. Eu e meu irmão não temos esse tipo de assunto. — respondi por fim. De soslaio acompanhei Luana, Gabriella e Sabrina conversarem animadas. Eu quis perguntar sobre o que exatamente elas estavam falando, porém, não foi necessário. — Fiquei sabendo que desde que o nosso assassino de esposas retornou… ocorrem festas na mansão da fazenda. Os convidados são diversos… atores, atrizes e políticos frequentam a mansão praticando todo o tipo de promiscuidade. — com os lábios transbordando de desejo, Luana se debruçou sobre a mesa e as outras meninas sorriram. Finjo não estar interessada enquanto elas continuam murmurando, mas é impossível me manter distante enquanto elas aprofundam a conversa. Chicotes, algemas e sexo grupal? Que absurdo! — Será que Gabriel sabe algo? — penso em voz alta. Não, se isso fosse verdade, o meu irmão saberia algo desse assunto, mas ele é apaixonado pela minha cunhada… e ele não faria nada que pudesse chatear a minha cunhada. Certo? Os pensamentos intrusivos dominam a minha mente. — Clarisse?Clarisse Grigio— Clarisse? — Sabrina me chamou. Eu a encaro e os seus olhos estão repletos de curiosidade e expectativa.— N-Nada. — desconversei levantando da cadeira. Era hora de ir embora ao invés de dar lugar a rumores que nada tem a ver comigo ou com a minha família — Preciso ir para casa, até amanhã meninas.Me despeço como o habitual enquanto envio uma mensagem para Nicolas, mas ele não responde. Provavelmente por estar envolvido com os assuntos do escritório de contabilidade do seu pai.Após a formatura eu consegui arrumar um trabalho como professora na escola do fundamental I, enquanto Nicolas seguiu os planos da família que é atuar como contador, dando seguimento aos negócios do seu pai que possui uma empresa de contabilidade no centro de Campos.Peço um carro no aplicativo que rapidamente chega e me deixa em frente a minha casa. Um prédio comercial de quatro apartamentos que consigo pagar dividindo as despesas com o meu irmão.Quando os nossos pais faleceram, ficamos eu e
Clarisse GrigioAcordo de repente com uma sensação angustiante em meu peito. Levo minhas mãos até o rosto para ter certeza que o realmente o local onde estou é real.— Foi um sonho. — digo em voz alta tentando me convencer de que as sensações ainda presentes em minha pele e em minha mente não são reais.Eu estava presa completamente absorta nas mãos de homens estranhos. Eles me levavam para um lugar muito longe e frio, eu não queria estar lá e por mais que eu quisesse gritar, eu não tinha voz para clamar por socorro.Levanto e rapidamente adentro o banheiro do meu quarto. Ligo o chuveiro deixando a água gelada cair por todo o meu corpo, lavando os meus fios longos que cobrem meus ombros como um véu.A água gélida cai sobre minha pele como pequenos cubos de gelo, levando embora consigo o medo incrustado em minha pele por conta do pesadelo vivido.Não demoro mais do que o suficiente debaixo da água, pois preciso trabalhar. Pesadelos vêm e vão, mas não posso deixar que isso atrapalhe a m
Clarisse GrigioEnquanto me perdia em pensamentos, a lascívia se infiltrou em minha mente como uma sombra indesejada, despertando uma curiosidade ardente que eu mal conseguia compreender. O meu coração palpitante se afundou no cenário à minha frente. Levo minha mão aos lábios por impulso, pensando se era assim que me sentia ao estar nos braços de Nicolas. A sensação de querer explorar o desconhecido se tornava um pensamento intrusivo, dançando entre a inocência e o desejo. Eu me perguntava como seria sentir a pele de Nicolas contra a minha, o sussurro de suas palavras carregadas de promessas e a eletricidade do seu toque incendiando todo o meu ser. Por que eu não tenho esse tipo de experiência com ele? Nós não deveríamos ter esse grau de intimidade? Será que o meu corpo não é atrativo o suficiente para Nicolas?O mero pensamento me assolou por completo.Em minha mente, uma luta interna entre o desejo reprimido e a pureza que eu tanto tentava preservar pareceu se perder por conta de
Clarisse Grigio— Clarisse! — Isabella abriu os braços correndo na minha direção. O nosso abraço foi tão prazeroso que fez parecer que nós não nos encontrávamos há anos.— Isa… eu também senti saudades. — proferi quase sem fôlego pelo seu abraço de urso.— Vem! Eu estava esperando você chegar, tenho algo para te contar… — Isa proferiu com uma voz baixa e misteriosa.— Mas… e a livraria? Só tem nós duas aqui? — Isabella assentiu caminhando até a porta do local — Amiga, mas e os seus pais? — questionei preocupada. Mesmo que a loja seja um empreendimento pessoal, não quero que ela se prejudique com a minha presença.— Relaxa amiga, a loja é minha e eu fecho quando quiser. — Isabella retrucou piscando um dos olhos.Maneio a cabeça em sinal de negação, mas isso não é o suficiente para parar Isabella Baltazar. Após virar a placa indicando — fechado para almoço! — seguimos para o interior da livraria.— Como foi a viagem até São Paulo? Conheceu o seu honorável web namorado? — perguntei cheia
Alfonso AlbuquerqueCom um olhar desdenhoso, me encosto na parede, observando a cena diante de mim como um espectador entediado em um teatro de excessos.A atmosfera pulsa com a energia frenética dos corpos se entrelaçando, mas para mim, tudo não passa de um espetáculo repetitivo e previsível. A minha arrogância transborda em cada movimento, como se a minha simples presença fosse suficiente para elevar a banalidade da presente orgia a algo mais intrigante.Enquanto os gemidos e risos ecoam ao meu redor, eu me sento como um príncipe em um reino de plebeus, alheio à entrega desenfreada que me cerca, pois estou perdido em meus próprios pensamentos sobre o que realmente tem valor.Atravesso os corpos ao meu entorno, conforme caminho rumo a varanda do térreo. A lua resplandecente reina diante da noite profunda e estrelada. O céu em sua profundidade esconde a verdade escondida nas mentes dos meros mortais durante o crepúsculo.— Senhor. — a voz de Rys me desperta dos meus devaneios — Devo e
Clarisse GrigioA escuridão envolvia o meu corpo como um denso manto, e eu estava perdida em um pesadelo que parecia se estender para sempre. Corria por um corredor interminável, cada passo mais pesado que o anterior, enquanto a sensação de que alguém me seguia se tornava cada vez mais opressiva. Densas lágrimas escorrem por todo o meu rosto conforme o eco de passos atrás de mim ressoava em meus ouvidos e uma onda de pânico se arrasta pela minha espinha. O ar estava denso, quase impenetrável e o meu coração batia descompassado, como se quisesse escapar do meu peito. Eu olhava para trás, mas a escuridão parecia engolir tudo, impossibilitando ver quem — ou o que — estava me perseguindo. Então, de repente, um barulho ensurdecedor cortou a névoa do meu sonho, como um trovão em um céu claro. Meu corpo estremeceu, e eu acordei com um sobressalto, o coração ainda acelerado, enquanto o eco do estrondo reverberava em minha mente. O som vinha da sala, uma batida forte e insistente que me fez s
Nicolas AbreuO relógio na parede marcava os últimos minutos do meu expediente, e a luz suave do pôr do sol filtrava-se pelas persianas, lançando sombras longas sobre a mesa de trabalho. O cheiro do café frio ainda pairava no ar, misturado ao odor de papéis amarelados e a leve essência de notas de contabilidade, que sempre me lembravam dos dias intermináveis passados naquele escritório. Olhei em volta, observando o caos organizado de relatórios e formulários que dominavam minha mesa, cada um deles representando horas de trabalho árduo e a pressão constante de atender às expectativas do meu pai. Era um ambiente que, embora familiar, começava a se sentir sufocante, como se as paredes estivessem se fechando ao meu redor. A ideia de deixar tudo isso para trás me fazia sentir uma mistura de alívio e culpa; enquanto muitos sonhavam em herdar o legado da família, eu ansiava por algo diferente, algo que me permitisse respirar livremente. Com um último olhar para a tela do computador, onde as
Clarisse Grigio Minha cabeça parece que a qualquer momento será arrancada por um algoz ou submergirei mar adentro, contanto, nenhuma dessas brilhantes possibilidades aconteceriam.— Cara… tô morrendo de dor de cabeça. — Gabriel resmunga sentado na mesa da cozinha. Os meus olhos se fixam na minha própria caneca de café, sem querer encarar ambos diante de mim.— Tem remédio na pia do banheiro. — digo sem tirar os dedos do meu celular. Gabriel se levanta levando sua xícara consigo, deixando para trás Nicolas e eu que nos mantivemos em silêncio.Depois da noite passada, foi impossível adormecer e agora, preciso encarar outro dia de trabalho. Seus olhos avermelhados não passam despercebidos por mim, mesmo que de soslaio eu o tenha reparado, não tenho coragem para iniciar qualquer diálogo ou muito menos perguntar qualquer coisa.Um longo silêncio pairou sobre nós. Nunca estivemos em uma situação como essa, contudo, hoje estamos sentindo o gosto amargo e a sensação cruel desta situação des