Ele é louco?

KESIA MUNIZ

Se passaram cinco anos desde aquele dia, as vezes ainda tenho pesadelos, apesar das feridas físicas terem sido cicatrizadas, a mental nunca

irá, por sorte, existem pessoas maravilhosas na minha vida que ajudam a amenizar a dor.

— Mamãe. Mamãe acorda logo. — Sou acordada com uma chuva de beijinhos molhados.

Sorrio e abro os olhos.

Meu filho lindo e amado é tudo para mim.

— Você acaba de despertar o monstro da cosquinha! — joguei ele na cama e fiz cocegas, o menino riu muito.

— Mamãe me ajuda!

Ri junto observando seu rostinho rosado por causa das risadas, cabelo bagunçados, me fez lembrar que quando pensei em desistir, fui salva de mim mesma.

Levantamos juntos e fomos tomar banho. O arrumei para ir à escolinha, com ele sempre tagarelando sobre seus amiguinhos.

Vesti calça jeans preta e a farda do restaurante.

Desde aquele dia, sou ainda mais fechada, faço de tudo para ser invisível, cortei o cabelo bem curto, nunca mais o deixei crescer, me fazialembra aquele nojento o puxando ou cheirando.

Não uso vestidos ou saias, short curto, tudo me deixa desconfortável ou com medo que vejam o que escondo embaixo das calças. E de quebra serve como uma proteção contra homens, as vezes nem percebem que sou mulher, e se percebem, pensam que sou lésbica, assim consigo os manter a uma distância confortável.

Ainda treino sempre que tenho tempo, participo de algumas lutas amadoras, mas meu sonho é o mesmo, ganhar a vida nos ringues pelo mundo, só que isso vai ter que esperar um pouco, o Angelo ainda precisa de mim.

Sentei junto com meu pequeno para tomar café da manhã com nossa família.

— Bom dia pessoal. — Cumprimentei mordendo um pedaço de pão.

— Bom dia pexual.

Todo mundo riu e respondeu, menos o viciado do Valentim, o garoto é louco por Free Fire, magro e amarelo de estar sempre trancado no quarto

jogando.

Meu pai super feliz com a Fran, sua namorada há anos, amo minha madrasta, além de achar os dois um casal lindo.

Roger foi embora faz algum tempo, casou, tem filhos gêmeos, bom emprego, a vida dos sonhos dele, só liga no natal.

Meu irmão Hugo estava lá, ridículo, vestido de terno, adoro tirar sarro, o chamo de geladeira. Mas ele precisava estar assim por causa do

trabalho na empresa daquele folgado.

Por falar no diabo, que cara mais escroto, ele me confundir com homem tudo bem, é raro mais acontece sempre, agora não pagar a própria

comida e ainda querer ter razão? Essa gente rica é sem noção.

Nossas conversas pela manhã eram sempre fervorosas, ainda bem que não temos vizinhos.

Nos despedimos de todos, arrumei a lancheira e a mochila do Angelo, descemos as escadas correndo peguei a moto na garagem e dirigi até sua escolinha. Deixei ele dentro da sala, dei muitos beijinhos e fui trabalhar.

— Amiga bom dia. — Tati uma colega de trabalho disse ao me ver.

— Bom dia Tati, cadê o café da manhã dos riquinhos? — perguntei com deboche e ela riu.

— Humor negro sempre. — Dei de ombros. — Aqui, já estão preparados.

Peguei a mochila térmica e organizei todas as refeições. Não é o emprego dos sonhos, mas é o que me mantem por enquanto.

Minha semana transcorreu tranquilamente, tudo dentro da rotina.

Quando o fim de semana acabou,segunda-feira veio de novo, precisei voltar ao trabalho.

— Pronto Kesia, essa é a última entrega, boa noite, tchau.

Feliz peguei a comida botei na mochila de qualquer jeito e sai.

Na hora de ver o endereço, senti uma sensação não tão boa, era na Construtora Messina, para o Sr. Fellipo.

Merda não quero ver a cara daquele homem de jeito nenhum, apesar de ele ser lindo... Balancei a cabeça para tirar esse pensamento bobo, dirigi bem rápido até lá.

O saguão do prédio estava meio vazio por ser quase fim de expediente. Fui direto para a recepção, aquela tal de Sara, com cara de poucos amigos, me atendeu.

— Pois não?

— Entrega para o senhor Fellipo Messina. — Ergui a sacolinha para ela ver.

— Pode subir. — negativo!

— Não vou subir. Vou deixar aqui.

— Não, ele deu ordens especificas que você deveria subir e entregar pessoalmente. — Que diabos esse cara quer?

Joguei a sacola em cima do belo balcão preto de mármore finíssimo.

— Ele tem pé e mão, pode muito bem vir buscar.

— Você é louca? - ela perguntou confusa — Tenho certeza que é paga para entregar na mão do cliente.

Zero paciência para lidar com isso. Na hora um trovão alto soou lá fora, uma tempestade me espera se não sair logo daqui.

— Olha aqui Sarinha eu não vou subir, aquele cara que desça, não sou funcionária dele. — meu tom era alto, duas mulheres que saiam do lugar me olharam estranho, e a loirinha parecia muda agora com os olhos esbugalhados, acho que ela entendeu.

Satisfeita e com recado dado, virei para sair, acabei esbarrando em um peito duro e firme, levantei a cabeça lentamente e sim, era o dono da bendita encomenda.

Evito olhar para os homens, nenhum me interessa, eu não sou lésbica, mas como disse antes, procuro sempre manter distância.

Mas a presença dele é diferente, olhos cinzas como o céu agora, cabelos na mesma cor, maxilar perfeitamente moldado, barba bem feita.

Mesmo tendo a aparência de um rei, o quero bem longe.

— Olá. — Sua voz era tão profunda que me fez fica desconfortável.

— Sua encomenda. — Foi só o que consegui dizer, virei para o balcão e estendi a sacola para ele sem ousar olhar novamente em seus olhos.

O homem não se mexeu para pegar, apenas me avaliou dos pés à cabeça. Acabei ficando mais sem jeito ainda, o silêncio estranho foi preenchido com o som forte da tempestade, merda.

— Olha moço, eu não tenho a noite inteira para ficar aqui, se não quiser a comida, levo de volta.

— Espera. — Chamou agarrando meu braço.

A mão parecia queimar minha pele, uma sensação estranhamente boa atravessou o corpo.

Assustada com esse novo sentimento, empurrei a sacola no peito dele e o mesmo a jogou no chão sem desviar os olhos de mim ou soltar-me.

Que porra é essa?

— O que pensa que está fazendo? — puxei meu braço com força, não obtendo resultado.

— Você vai pagar por isso! — explodi vendo a comida espatifada no chão

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