Impasses todo dia

KESIA MUNIZ

O ignorei e dirigi para fora do estacionamento. Quando sai na rua, acelerei, fingindo que ele não estava ali. Mas podia sentir minha pele

queimando sob seu olhar felino.

— Você gosta de carros? — perguntou tentando puxar assunto, o ignorei e concentrei na avenida pouco movimentada.

— Não vai...

Fellipo ia começar a falar de novo, mexi num botão e uma música que eu não conhecia começou a tocar, aumentei bastante o volume, assim não ouviria sua voz.

Olhei de relance e o vi me encarando, levantei uma sobrancelha e voltei a atenção para frente.

A viagem foi feita toda em silêncio, a não ser pelas músicas aleatórias que tocava. Eu dirigia o mais rápido possível para sair logo de perto dele,

mas a chuva não facilitava tanto.

Quase dez da noite cheguei em casa. Desliguei o motor.

O que faço agora? Não vou agradecer. Afinal, ele me forçou a isso.

Abri a porta do carro e simplesmente sai. Não sou obrigada a ser gentil com uma pessoa que me machucou fisicamente e manteve em um

lugar contra minha vontade.

Entrei pelo portão que dava acesso a escada que levava para nossa casa no segundo andar, sem olhar para trás subi correndo. No topo, empurrei a porta, e vi primeiro meu pai e Hugo com roupas de sair e com a chave do carro em mãos, prestes a irem atrás de mim.

— Cheguei família! — Anunciei forçando um sorriso, enfim em casa.

— Onde você estava?! — Hugo perguntou preocupado me analisando dos pés a cabeça.

— Por aí. — Menti — E o Angelo? — tentei passar por eles para essa conversa acabar logo.

— Por aí onde? — Hugo insistiu, que droga!

— Não devo satisfação da minha vida para você maninho. — disse seca.

Não estou defendendo o Fellipo, na verdade, estou livrando-o de muita coisa, se minha família souber o que fez, nem sei o que aconteceria.

Caminhei saindo da sala de estar indo para o corredor do meu quarto.

— Kesia! — Hugo berrou — Deixa. — Ouvi meu pai falar. — Ela é de maior, sabe o que faz da vida. Vimos que está bem e é o que importa.

Hugo as vezes era sufocante. Mas meu irmão tem um motivo, foi ele quem me encontrou nua, ensanguentada, quase morta no meio do mato,

jogada a própria sorte. Não pense nisso Kesia, passou.

Entrei com cuidado no quarto, Angelo dormia encolhido na cama com o rostinho vermelho, banhado por lágrimas secas. Meu peito inchou e

o choro veio.

Ele era a melhor coisa da minha vida. Não importa como foi gerado, meu pequeno me ama e eu o amo de volta, faria tudo para protegêlo.

Tirei a roupa e segui para o banheiro. Liguei o chuveiro e a água quente caiu sobre o meu corpo cansado levando embora as lágrimas e os

sentimentos ruins, já tinha passado dessa fase.

Depois do banho relaxante, vesti somente uma camisa grande e deitei ao lado do meu bebê, o aninhando nos braços para que não sentisse

frio ou a minha falta, ele resmungou algo incompreensível, sorri e fechei os olhos.

A imagem do senhor Fellipo Messina veio na mente. Mas logo tratei de expulsa-la. Não vou deixar ninguém me machucar, na minha vida e coração só tinha lugar para o Angelo.

◆ ◆ ◆

Chamei um Uber pelo aplicativo.

Pedi ao meu pai que deixasse o Angelo na escola, já que estava sem minha moto. Eu dependia inteiramente dela para trabalhar, ou seja, não havia outra opção além de ter que voltar na Construtora Messina.

O Uber não demorou a vir e logo chegamos.

A moto se achava no mesmo lugar que tinha deixado, mas o capacete não.

Que droga!

Enraivada chutei o ar igual uma maluca.

Me vendo furiosa e sem escolha, entrei. De primeira avistei Hugo parecendo uma estátua do salão da recepção.

— Oi maninho. — Tentei ao máximo mascarar o pequeno surto que tive a pouco. Ele virou, estreitando os olhos, tão sério de terninho preto, ri

da cara dele.

O mesmo estreitou os olhos sabendo da minha piadinha interna.

— Oi Keke. O que faz aqui, veio me ver? — perguntou com ar desconfiado. — Espero que não tenha vindo procurar confusão.

Bufei me fazendo de ofendida.

Eu não sou assim!

— Claro que não. — ri — Vim resolver coisas do trabalho. — Murmurei indo rumo ao balcão antes que ele questionasse mais.

Me vendo se afastar, ficou parado, não sei se comprou minha resposta ou se desistiu de questionar

— Oh garota. Meu capacete você viu? — a criatura loira arqueou a sobrancelha.

— Não sou babá de capacete queridinha. — Ela disse com deboche olhando para as unhas.

— Não disse que é.

— Só por que tá dando para o chefe não quer dizer que manda aqui. — dando para o Fellipo? — Aliás, não sei o que ele viu em você. Nem mulher parece, mal educada, pobre... Não sei mesmo. — ela riu, parecia uma hiena engasgada.

Será que seria estranho ele estar apaixonado? Alguém algum dia iria se apaixonar de verdade por mim do jeito que eu sou?

Que se dane. Tenho meu filho, família e emprego, está tudo completo.

— Não preciso sair dando por aí para fazer alguém se apaixonar, não sou do seu tipo. E meus peitos são de verdade. — Provoquei com uma piscadinha no final.

— O que? — se indignou, vermelha de raiva. — Meus peitos são de verdade sim! — os apalpou para enfatizar sua afirmação, falaria mais

coisas, pena que o telefone tocou.

Ela me fuzilou com os olhos e atendeu.

— Construtora Messina.

Botei as mãos nos bolsos da minha calça jeans azul, passei os olhos pelo salão procurando meu capacete. Tive a ideia de ir no "achados e perdidos", talvez alguém deixou lá.

Queria logo sair daquele lugar tóxico, além de estar atrasada. Antes de "conhecer" esse tal Fellipo Messina, minha vida era normal e feliz, nada acontecia, nunca tinha atrasado um dia no trabalho.

— Sim senhor. — Ouvi a loira falar com desgosto.

— O que foi linda, chupou limão? — alfinetei antes de me afastar.

— O senhor Messina mandou você subir. — Mandou uma ova!

Dei uma gargalhada vivida. Ele me quer fazendo todas suas ordens, mas comigo não é bem assim.

— Não obrigado. — Enxuguei uma lágrima falsa.

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