KESIA MUNIZ
Onde estava com a cabeça quando fui parar aqui dentro da sala desse homem? Vim porquê tive medo, está chovendo muito, então... — E quem é você? — Devolveu minha pergunta. Distraída me culpando internamente e procurando motivos para ter vindo, ouvir a voz dele foi um susto. — Ninguém. — Dei um sorriso sem mostrar os dentes, o mesmo franziu o senho. — Mentirosa. Se vamos ficar dentro dessa sala até a tempestade passar, precisamos falar de algo, que seja sobre você. — Insistiu cruzando as pernas e tomando o último gole do uísque. Quem disse que eu vou ficar? — Quis dizer ninguém que possa lhe interessar. — Expliquei sem querer me aprofundar. — É casada? — Insistiu nas perguntas. — Não sou e nunca vou ser. — Rodei na cadeira giratória enquanto o ouvia gargalhar alto. Contei uma piada? — Nunca é uma palavra muito forte. Permaneci séria e levantei, decidida a acabar de vez com aquele conversa estranha e patética, vou embora agora e ninguém vai impedir. Se passava das nove da noite, Angelo ainda estava acordado, ele não dorme antes da minha chegada. Ele levantou também. Se pensa que vai impedir minha volta para casa pela segunda vez, está muito enganado. — Onde pensa que está indo? — questionou parado na frente da porta, bloqueando a passagem. Com os nervos à flor da pele perguntei entre dentes: — Dar licença? — Ainda está chovendo. — Não sou de açúcar. — Rebati cruzando os braços. — Não interessa. Você não vai sair daqui. — Isso é cárcere privado. E você não manda em mim, não me conhece, e eu não te conheço. Sai da minha frente agora! — explodi. Quando dei por mim, estava em cima dele cutucando seu peito duro com meu dedo indicador. O desgraçado riu! — Você é minha. Fiquei muda por alguns instantes, sem acreditar no que ouvia. Abri e fechei a boca algumas vezes, fitando seu rosto para lhe dar a chance de corrigir o que dissera, mas ele manteve os olhos cinzas fixos, como se confirmasse as palavras. — Eu não sou um objeto para pertencer à alguém, se pertencesse, não seria a ti. — Consegui dizer por fim. — Você é minha. Só precisa aceitar agora. — Afirmou novamente. Que loucura era essa? Só pode ser um sonho. O que eu fiz para merecer isso? Ele queria me desestabilizar, mas eu não vou deixar! — Senhor Messina eu vou sair agora. Meu filho está me esperando. Então, some do meu caminho. — Ele levantou uma mão para me interromper. — Seu filho? — perguntou surpreso, vi seu maxilar cerrado, ele parecia até mesmo furioso, como se ter um filho fosse a coisa mais estranha do mundo. Ele me encarou como se eu tivesse sete cabeças. Uma mulher com filho as vezes é motivo suficiente para espantar alguns malandros. Revirei os olhos para sua reação. — Não devo satisfação da minha vida a você. Se não me deixar sair agora chamo a polícia. — Voltei a ameaçar. — Essa informação não veio até mim. Kesia tem um filho. Mas ela é nova e... — falava sozinho, olhando fixo para uma das paredes brancas parecendo realmente confuso. — Estou saindo, tchau. Cada minuto que se passa, mas tenho certeza que ele é bipolar. Como assim ficar com raiva porquê tenho um filho? Espero que me deixe em paz agora. — Vamos. Irei levá-la. — Disse por fim. Como é que é? — Não mesmo. Vim de moto. — Neguei. Ele se aproximou e segurou forte minha mão, o contado causou uma descarga elétrica por todo meu corpo, enviando arrepios idiotas. Tenho que sair de perto desse cara. — Precisa aprender a me obedecer sem contestar. Você é muito teimosa e rebelde. Obedecer? Que papo é esse? Esse homem é louco. Já disse isso? Tentei puxar minha mão dentre a dele que era tão quente e grande. Porém o mesmo não soltou, pelo contrário, apertou mais e me puxou com violência para fora da sala. — Me solta! Não toca em mim! Eu não sou nada sua. Nunca vou ser! — gritei esgotada. Só queria ir para casa. Ele se virou rápido e apertou meu queixo com força, mirava o fundo dos meus olhos com um brilho sombrio e vazio. O que está acontecendo? O coração acelerado como tambores no ouvido, achei que voltaria para casa sem o queixo. — Cala a porra da boca. — Rosnou entre dentes. — Estou muito decepcionado com você, deixou um qualquer tocar no que é meu.O rosto dele a poucos centímetros. Podia sentir seu hálito quente misturado com cheiro de uísque. — Me solta. — Murmurei rouca. O medo do que aconteceu comigo há cinco anos atrás voltar a acontecer, fez meu peito encolher. Não suportaria passar por aquilo uma segunda vez. Por favor não... Ele suspirou e me soltou, levei rapidamente a mão ao lugar dolorido e massageei. Caminhei morrendo de medo do seu lado até o elevador, todo o percurso foi em total silêncio, só se ouvia a respiração alta dele. Nunca mais vou voltar aqui. Prefiro entregar sushi ao lúcifer. O elevador abriu no subsolo do prédio. Especificamente no estacionamento, onde não tinha quase nenhum carro. Ele olhou para mim e tirou a chave do bolso do terno estendendo-a. Sério? Olhei para ele com um enorme ponto de interrogação na testa. — Não sei onde fica sua casa e nem conheço a cidade. — Explicou com a voz inexpressiva, na hora não lembrei da existência do GPS para argumentar, acabei caindo na dele igual uma pata cega. — Não tenho carteira. — Menti. — Então vamos voltar para cima. — Ameaçou a guardar a chave de volta. — Não! — berrei alto demais — Eu dirijo. Jogou a chave e eu aparei no ar, tinha o símbolo da Ferrari, sorri internamente. Desativei o alarme, e as luzes de um conversível preto e brilhante, piscaram para mim. Vou aproveitar só um pouco, depois nunca mais vou dar as caras aqui e isso vai ser apenas uma lembrança distante. Entrei rápido, minha intenção era ligar o carro e o deixar. Porém, acho que ele percebeu se juntando a mim rápido. O carro era tão bonito por dentro quanto por fora, revestido de couro, painel cheio de botões e luzinhas que não fazia ideia para que nenhum deles serviam. Liguei e acelerei, o ronco do motor era alto e incrível, me sentia uma criança diante do brinquedo novo. — Vejo que gostou. — comentou com um sorriso de lado. Que lindo... O carro. O carro que era muito lindo.KESIA MUNIZ O ignorei e dirigi para fora do estacionamento. Quando sai na rua, acelerei, fingindo que ele não estava ali. Mas podia sentir minha pele queimando sob seu olhar felino. — Você gosta de carros? — perguntou tentando puxar assunto, o ignorei e concentrei na avenida pouco movimentada. — Não vai... Fellipo ia começar a falar de novo, mexi num botão e uma música que eu não conhecia começou a tocar, aumentei bastante o volume, assim não ouviria sua voz. Olhei de relance e o vi me encarando, levantei uma sobrancelha e voltei a atenção para frente. A viagem foi feita toda em silêncio, a não ser pelas músicas aleatórias que tocava. Eu dirigia o mais rápido possível para sair logo de perto dele, mas a chuva não facilitava tanto. Quase dez da noite cheguei em casa. Desliguei o motor. O que faço agora? Não vou agradecer. Afinal, ele me forçou a isso. Abri a porta do carro e simplesmente sai. Não sou obrigada a ser gentil com uma pessoa que me machucou fisicamente
KESIA MUNIZ — Ele disse que está com o que você procura. — é claro que está. Meu sorriso murchou na hora. Franzi a testa e olhei para o meu irmão que observava de longe. Por que Deus? Será que joguei pedra na Cruz? Olhei para a porta da rua e depois para a do elevador, eu poderia ir embora facilmente sem ter que estar na presença daquele homem outra vez. Me forcei a olhar para o outro lado, eu definitivamente precisava do meu pertence! Não podia deixar de busca-lo, além de ter sido muito caro e está fora de questão comprar outro agora, também não posso receber uma multa por andar sem o mesmo. Gemi baixinho sendo sugada pela razão. Marchei para o elevador mais zangada, apertei o botão do último andar, quando as portas estavam se fechando Hugo apareceu e gritou: — Você não pode ir nesse. É exclusivo do chefe e dos sócios! Sorri para ele dando tchauzinho, ainda o vi balançar a cabeça pela fresta que sobrou e depois se fechou. Não queria admitir, mas o nervosismo era
KESIA MUNIZ Depois daquele dia e nos dias seguintes, ele começou a pedir comida sempre. Eu suspeitava seriamente que não me mandavam por acaso, alguém aqui no restaurante recebia para fazer essa sabotagem comigo, pois era sempre a escalada a ir deixar no escritório do poderoso chefão. O mesmo tentava puxar assunto comigo, mas eu não dava brecha, inventava alguma coisa e ia embora. A coisa boa de ir lá era que eu via a Flávia, nós estávamos nos tornando boas colegas. Descobri que ela e o marido são novos na cidade e moram perto da minha casa. Angelo e Luana, a filha dela estudavam na mesma sala por coincidência. ◆ ◆ ◆ Era noite de sexta e a Tati tentava me arrastar para uma festa. — Oh amiga vamos por favor. Não é todo dia que eu completo 25 anos. Por favor... — ela implorou com os olhos minando lágrimas. Sério que ela iria chorar? — Tati eu não posso, tenho meu filho. Kesia! Para de botar a culpa no Ângelo, sei muito bem que tem pessoas que cuidam dele. — Acusou mago
KESIA MUNIZ — Senta aqui com a gente. — O cara do cabelão ondulado, volumoso e castanho claro, chamou dando espaço para nós duas no sofá preto. Estreitei os olhos e já ia recusar quando a anã de jardim da Tati me empurrou para sentar quase fazendo-me derrubar a bebida, bufei, ela riu cínica do meu lado, do outro estava uma ruiva estranha. — E então... — Eles começaram a conversar. Fiquei calada na minha, bebericando o líquido. Será que o Angelo já dormiu? Que droga estou fazendo aqui? Devia estar em casa com ele. — Ei! — a ruiva estranha berrou do meu lado. Quase joguei meu copo na cara dela. — Vamos brincar consequência ou consequência? — sugeriu animada. Consequência ou consequência? O que botaram na bebida dela? — Vamos. — Gritaram em concordância. — Estou fora. — Dei o último gole na bebida. Todos me olharam abismados. — Ah não, fica garota. — A morena falou. — Kesia... — Tati fez bico. Revirei os olhos e suspirei irritada. Meus tímpanos estavam a pont
Quando Coringa, o sub chefe do morro onde eu moro e sou membro, começou a apanhar de uma garota metida, peguei meu celular rindo com a intenção de filmar e mostrar pros caras a humilhação do otário. Tava filmando legal, me divertindo vendo aquela mina brava descer o cacete no Coringa. Quando ela parou e ficou olhando um cara. Achei interessante filmar ele também. Parece que a coisa ia ficar mais divertida. — Senhor Messina bom te ver. — Vim ser seu herói. Mas vejo que não precisava. — O cara falou. — Podem continuar sua festa. Nos esqueça. Ele dispensou alguns curiosos e o povo se espalhou sem contestar. Já ia guardar o celular quando vi o tal Messina mandar levarem o Coringa. Um dos capachos puxou meu amigo para fora, e ele se deixou levar. Tava todo fodido de porrada e bêbado. Voltei a filmar. O homem pegou na mão da garota e também a levou para fora. Segui eles filmando ainda, mas de longe. O tal homem tinha cara de problema. Meu coração estava quase pulando
KESIA MUNIZ — Kesia espera... — Fellipo chama quando saio do carro sem me despedir. Fazia naquele momento, uma força sobre-humana para não deixar escapar uma lágrima dos olhos, não podia de jeito nenhum desabar na frente dele, embora ele talvez tenha percebido minha expressão abalada. Abri o portão da minha casa e entrei correndo sem olhar para trás. Suspirei e deixei meu corpo cair nos degraus da escada. Levantei os joelhos e enfiei o rosto no meio do deles. Meu corpo tremia por inteiro, ainda podia sentir as mãos nojentas deles me tocando. Machucando. Os três dias que passei naquele lugar foram os piores da minha vida. E esse cara de hoje só me fez lembrar... No carro, Fellipo parecia preocupado comigo, perguntava se me sentia bem, se conhecia o homem. Eu não respondi nada, todo o caminho fiquei em silêncio. E com um tempo, ele parou de insistir e fez o mesmo. Balancei a cabeça, enxuguei as lágrimas subindo o restante dos degraus. Quando entrei na sala vi o Hugo. S
KESIA MUNIZ — Ah magoou. — Ela disse fazendo uma cara falsa de choro. — E sobre isso, ela se muda para cá amanhã. Não aguento mais ter que ouvir minha sogra reclamar toda vez que vou lá. Estando aqui nãopreciso passar por isso. — Meu pai disse animado. Quando a Carla, nossa mãe nos abandonou para fugir com outro homem. Meu pai ficou arrasado, com quatro filhos para cuidar sozinho, eu e o Valentim ainda sendo bebês. Mas ele conseguiu, está todo mundo vivo e bem. — Tava na hora. — Hugo concordou. — Concordo com meu pai. Sua mãe é um pé no saco ninguém merece. — Eu disse rindo. — O que é pé no saco? — o Angelo perguntou curioso, cutuquei ele por debaixo da mesa e fiz cara feia. — Samuel?! Minha mãe é um pé no saco pra vocês? — A Fran berrou brava, fiz uma careta. Ele me olhou incrédulo, esbocei um "desculpa" sem som. — Eu não disse isso coração, só que é melhor você morar aqui. A Kesia está meio bêbada ainda, não leve em consideração o que ela diz. — Tentou remediar dando beiji
KESIA MUNIZ — Boa tarde linda. — Disse para a recepcionista com um sorriso debochado, ela mostrou o dedo do meio enquanto falava sem parar ao telefone. Hugo estava no salão, por sorte, de costas e não me viu passar, não queria falar com ele no momento. Subi pelo elevador e logo cheguei na cobertura. Cumprimentei a Flávia e entrei na sala sem ser anunciada, estava acostumada a isso, não tinha paciência para bater e esperar ele mandar entrar. Fellipo se encontrava como sempre, sentado atrás da sua mesa de vidro chique, usando terno preto sem um amassado, o cabelo ondulado penteado para trás, me pergunto como ele consegue ser assim tão perfeito o tempo inteiro. Logo que ouviu a porta ser aberta sem educação alguma, levantou os olhos do monitor e me encarou tranquilo, como se soubesse que se tratava de mim, aproximei e coloquei a sacola na mesa. — Seu almoço. — Boa tarde. — Boa tarde e tchau. — Rodei nos calcanhares para sair. — Fica mais um pouco, pelo menos dessa