O som dos saltos de Rose reverberava contra o chão, como um eco que parecia amplificar-se apenas em seus ouvidos. Talvez fosse o nervosismo. "Respira fundo, Rose, você consegue", repetia para si mesma em silêncio. Mas uma pergunta insistente martelava em sua mente: "Eu realmente preciso fazer isso?"
Claro que precisava. Não agora, mas em algum momento deveria parar. Não esta noite, no entanto. O momento não permitia hesitações. Sua roupa estava impecável, e as botas de salto pretas adicionavam uma confiança que ela sabia ser essencial. Era como vestir outra pele, uma máscara que escondia a si mesma de tudo, inclusive de suas dúvidas.
Seu coração batia em um ritmo frenético, tão acelerado quanto na primeira vez. Uma pequena voz interior tentava acalmá-la: o alvo não era uma boa pessoa. Ele merecia o que estava por vir. Rose aproximou-se, planejando cada passo com precisão calculada. Em um movimento ensaiado, esbarrou propositalmente no homem.
— Me desculpe! Não olhei para frente, acabei me distraindo — disse com uma voz suave, enquanto seus olhos se fixavam nos dele. Por um breve instante, um resquício de insegurança ameaçou emergir, mas desapareceu assim que viu o olhar daquele homem. Ele exalava arrogância, como se carregasse a certeza de que o mundo estava à sua disposição. Nojo.
Era sempre o mesmo roteiro. O homem pagava uma bebida, dançava e achava que isso lhe garantia o direito de levar uma mulher para a cama. Rose sabia como manipular a situação; usava seu charme e logo estava na pista de dança, fingindo diversão ao som de uma música que nem conseguia entender. A noite avançava, e ela desempenhava o papel com maestria.
Quando ele lhe ofereceu um drink, Rose aceitou de bom grado. Abraçando-o levemente, moveu a mão com destreza, despejando uma pequena dose de rupinol em seu próprio copo. Um gesto rápido, imperceptível para qualquer um.
Afrouxando o abraço, ela levou o copo aos lábios e fez uma careta, como se a bebida fosse insuportavelmente forte. Aproximando-se dele, murmurou ao pé do ouvido:
— Vamos trocar? Me deixa provar o que você está bebendo.
Ele sorriu e concordou sem questionar. Rose observou enquanto ele bebia a mistura adulterada. Sua reação foi um pequeno sorriso de satisfação; ele havia caído direitinho.
Enquanto dançavam, o ambiente começava a incomodá-la. O som da música era ensurdecedor, as pessoas ao redor estavam visivelmente alteradas, algumas por álcool, outras por substâncias mais pesadas. Ela não gostava de estar ali. Detestava aquele lugar, repleto de indivíduos iguais ao homem que ela eliminaria.
O remédio logo começou a fazer efeito. Era o momento em que ele diria a frase clichê:
— Quer ir para outro lugar?
Rose sorriu e concordou com um aceno de cabeça. "Previsível", pensou. Nada poderia dar errado. Ele passou o braço em torno de sua cintura e indicou a alguém que estava saindo, prometendo voltar.
Enquanto caminhavam por um caminho mais escuro e afastado, Rose sentiu uma pontada de pânico que fez o estômago dela revirar. "Merda!", praguejou mentalmente. Seu olhar se voltou para o próprio pulso, onde um fino bracelete brilhava contra a luz fraca. Havia esquecido de tirar a pulseira.Esquecer de tirar aquele objeto era um erro. Ele tinha valor sentimental, mas também poderia ser um traço identificável. Ela precisava ser mais cuidadosa. Era um objeto importante demais para ser perdido. Tentou disfarçar, mas sabia que o descuido poderia custar caro.
Assim que chegaram a um local deserto, ela parou abruptamente. Era a hora.
— Vamos acabar com isso logo — disse, retirando uma faca estrategicamente presa à calça.
Em um movimento rápido, Rose avançou com a faca em direção ao pescoço do homem. No entanto, algo inesperado aconteceu. Ele segurou seu pulso com força, puxando-a para mais perto.
— Você acha que pode me enganar assim tão fácil? — ele rosnou, tentando controlá-la.
Mas Rose não era uma vítima indefesa.
Primeiro, ela praticava defesa pessoal desde o ensino fundamental. Usando essa habilidade, inclinou-se e deu uma cotovelada certeira em seu estômago, forçando-o a recuar. Ele começou a demonstrar sinais de sonolência; o remédio estava fazendo efeito.
Segundo, Rose era incrivelmente flexível. Aproveitando o momento, girou o corpo e desferiu um chute lateral, atingindo o rosto dele com precisão. Ele caiu no chão com um baque surdo.
Terceiro, ela sabia que o que fazia era moralmente ambíguo, mas aceitava as consequências. "Eu vou para o inferno", pensou, "mas pessoas como ele vão queimar muito mais."
O homem tentou falar algo, mas antes que pudesse terminar a frase, Rose passou a faca em seu pescoço e , cortou sua garganta em um golpe rápido e preciso. Não houve hesitação. Para ela, era um movimento necessário, quase mecânico. O sangue esguichou, mas para ela não havia arrependimento. Era um corte rápido, limpo. "Indolor", pensou. "Ao menos para mim."
Ela se afastou rapidamente, deixando o corpo ali, abandonado no silêncio da noite. Enquanto corria, esfregava as mãos, tentando remover os vestígios de sangue, mas a sensação de sujeira permanecia.
Rose sabia que não fazia isso por prazer. Não amava o ato em si, mas sentia uma estranha satisfação em saber que alguém, em algum lugar, poderia dormir em paz por causa do que ela havia feito. Justiça, mesmo em suas mãos, era um alívio.
No entanto, a pulseira em seu pulso era um lembrete incômodo de que nenhum plano era infalível. Olhando para o objeto brilhante enquanto continuava seu caminho, Rose sentiu uma ponta de ansiedade. Aquela pequena falha poderia ser a chave para sua ruína.
Mas naquela noite, nada disso importava. Ela havia cumprido seu objetivo, mesmo que a memória do olhar assustado de sua vítima permanecesse com ela, assombrando seus pensamentos.
Se pudesse descrever Peter, talvez ele fosse um clichê ambulante de alguém que acredita na justiça acima de tudo. Formado em direito, mas com alma de policial, ele jamais aceitaria se trancar em um escritório e viver à base de processos e audiências. Não, o cara precisava de ação, precisava sentir que fazia diferença, mesmo que isso significasse ganhar menos e carregar as marcas de sua escolha na pele. Para ele, o trabalho era mais que um emprego; era uma forma de garantir que ninguém passasse pelo que Clara e Luna, as pessoas que ele mais amou, sofreram. E se isso não soa nobre o suficiente, então você claramente não o conhece.Agora, veja só o destino: Peter estava voltando para sua cidade natal. Isso mesmo, aquele lugar que ele fugiu durante anos e que agora o acolheria novamente, mas com um detalhe intrigante. Ele havia pedido a transferência. Por quê? Nem ele sabia ao certo. Talvez fosse nostalgia, ou talvez uma necessidade de encarar os fantasmas do passado. Seja qual fosse o mo
Corpos em sincronia, num ritmo intenso. Sobe, desce, rebola devagar... uma mistura de esforço e leveza, dor e prazer. Não, antes que alguém se apresse a pensar besteiras, estamos falando de dança! E não qualquer dança, mas uma aula de contemporâneo liderada por Aurora, uma mulher que parecia encarnar a arte em cada movimento. Hoje era um dia especial: a turma havia finalizado pela primeira vez uma sequência inteira das músicas para o festival do bairro. Um marco, diga-se de passagem, considerando que algumas alunas estavam ali havia poucos meses e outras, menos de trinta dias.Aurora, formada em dança e balé clássico, vivia para momentos como esse. Quando dançava, parecia flutuar. Era como se, por alguns instantes, nada pudesse abalar sua paz, como se o mundo inteiro se dissolvesse e tudo que restasse fosse o ritmo e sua liberdade. Porque dançar é isso: muito mais do que mexer o corpo em um palco, é encontrar um jeito de gritar em silêncio, transmitir sentimentos com movimentos singel
O café estava como sempre: um santuário para os amantes do silêncio e dos aromas reconfortantes de grãos torrados. Peter já havia transformado aquele lugar em uma extensão de sua rotina. Mesa de canto, café preto, olhar para o movimento sem compromisso. Mas, naquele dia, algo mudou.Aurora estava lá.Claro, ela costumava estar, mas hoje parecia diferente. Não era apenas sua presença, mas o modo como seus olhos estavam concentrados em um livro que repousava sobre a mesa. Ele reconheceu a capa imediatamente uma edição antiga de A Divina Comédia. Aquele livro não era algo que se encontrava por acaso, e menos ainda algo que muitas pessoas leriam casualmente, como quem lesse uma comédia romântica da autora Jéssica Luz.“Interessante,” pensou Peter, enquanto esperava seu café. Seu olhar voltava a ela repetidamente, como se a cena exigisse atenção. Aurora parecia tão absorta que não percebeu os olhares discretos que ele lançava em sua direção. “Uma mulher tão jovem, tão bonita, lendo Dante?
Aurora estava sentada no mesmo café, à mesma mesa próxima à janela. A cena parecia uma reprise do dia anterior, mas a energia era diferente. Talvez fosse o modo como Peter a observava ou algo na postura dela, uma mulher imóvel no meio de uma cidade pequena e sempre em movimento. Mas ela estava ali novamente, absorta em seu ritual silencioso.O livro, A Divina Comédia, repousava aberto no meio da mesa. E, mais uma vez, era o Purgatório que prendia sua atenção. Um detalhe curioso, talvez até desconcertante, dependendo do ponto de vista. Normalmente, é o Inferno que fascina. Chamas, castigos, gritos de desespero – a humanidade parece irresistivelmente atraída pelo grotesco. Já o Paraíso, com sua luz infinita, evoca uma aspiração sublime, mesmo que distante. Mas o Purgatório? Este é o espaço que poucos escolhem habitar, muito menos explorar com tamanha dedicação como Aurora fazia.Por que alguém se fixaria tanto nesse lugar intermediário? Um espaço de incerteza, onde as almas penam, mas a
O café estava vazio naquela manhã, exceto por Aurora. Desta vez, ela não trazia o livro de Dante, mas um caderno pequeno, usado, com a capa marcada pelo tempo e o cheiro antigo de páginas esquecidas. Sentada na mesma mesa de sempre, escrevia com intensidade, como se estivesse exorcizando seus demônios através da tinta. E, na verdade, era isso mesmo que fazia. Na noite anterior, algo havia mudado. O som dos pesadelos cortou a tranquilidade ilusória que ela mantinha. Uma voz do passado grave, familiar, perigosa trouxe memórias que Aurora lutava para manter enterradas. Palavras ecoavam em sua mente desde então, desconexas, mas pesadas: "Você não pode fugir para sempre." E que problemas uma ruivinha, bailarina e bonitinha teria para lhe causar tantas aflições?Todos lutamos contra nossos demônios, isso é uma realidade da vida, mas o preço das escolhas que você faz é o que vai definir o real peso dos seus problemas. ---------Do outro lado da cidade, Peter começava a se aprofundar em out
Era uma daquelas noites em que o mundo parecia respirar mais devagar. As luzes da cidade, embora constantes, pareciam se apagar e acender de forma compassada, acompanhando o ritmo de corações inquietos. Peter e Aurora caminhavam em silêncio pela calçada, o som dos passos preenchendo os espaços entre as palavras que nenhum dos dois parecia ter coragem de dizer.Se fosse mais direto, poderia afirmar que Peter estava apenas sendo educado ao acompanhá-la até o estúdio. Mas isso seria uma mentira. A verdade era que ele sentia uma necessidade quase protetora, um instinto que ele não conseguia explicar, mas que crescia toda vez que ela desviava o olhar, como se carregasse algo muito pesado para compartilhar.E Aurora… ah, Aurora. Ela era uma enigma ambulante, envolta em véus de mistério
Aviso de Gatilho:A presente obra contém cenas explícitas de violência, tortura, e atos de agressão física e psicológica. As descrições detalhadas de assassinatos, crimes violentos, e o uso de termos policiais podem ser perturbadoras e são exploradas de forma crua e gráfica ao longo da narrativa. Tais cenas visam mostrar a intensidade do enredo e as complexidades psicológicas dos personagens, mas é fundamental que os leitores estejam cientes de que essas representações podem ser desconfortáveis para algumas pessoas.A trama também lida com temas sensíveis, como manipulação psicológica, traumas não resolvidos, e relações destrutivas. Esses elementos, apesar de essenciais para o desenvolvimento da história e do conflito dos personagens, podem tocar em experiências pessoais dolorosas ou reviver memórias traumáticas para aqueles que já vivenciaram situações semelhantes. É importante que o leitor seja avisado de antemão para que possa tomar uma decisão consciente sobre a continuidade da le