Capitulo 1 - O detetive

Se pudesse descrever Peter, talvez ele fosse um clichê ambulante de alguém que acredita na justiça acima de tudo. Formado em direito, mas com alma de policial, ele jamais aceitaria se trancar em um escritório e viver à base de processos e audiências. Não, o cara precisava de ação, precisava sentir que fazia diferença, mesmo que isso significasse ganhar menos e carregar as marcas de sua escolha na pele. Para ele, o trabalho era mais que um emprego; era uma forma de garantir que ninguém passasse pelo que Clara e Luna, as pessoas que ele mais amou, sofreram. E se isso não soa nobre o suficiente, então você claramente não o conhece.

Agora, veja só o destino: Peter estava voltando para sua cidade natal. Isso mesmo, aquele lugar que ele fugiu durante anos e que agora o acolheria novamente, mas com um detalhe intrigante. Ele havia pedido a transferência. Por quê? Nem ele sabia ao certo. Talvez fosse nostalgia, ou talvez uma necessidade de encarar os fantasmas do passado. Seja qual fosse o motivo, ele estava prestes a descobrir.

Claro, isso não aconteceu sem as inevitáveis piadinhas de Jeff, o amigo mais irritantemente intrometido e leal que Peter poderia ter. Enquanto ajudava a encaixotar as coisas, Jeff fez a pergunta mais aleatória possível:

— E o que vai fazer com o cachorro? — Como assim, o que fazer com o cachorro? Max, o pequeno lobinho de 25 quilos, era praticamente a sombra de Peter.

— Vou levar comigo, é claro. O que mais eu faria? — Peter respondeu, chamando Max, que prontamente pulou em suas pernas como se dissesse: “Está vendo? Eu sou indispensável!”. E era mesmo.

Jeff, sempre o engraçadinho, sorriu de lado.

— Solteiro, boa pinta e com um cachorro fofo. Vai conquistar a mulherada! Isso se tiver alguma mulher com menos de 60 anos naquele fim de mundo! — disse, arrancando uma risada breve de Peter.

Mas o assunto ficou sério logo em seguida. Jeff sempre tinha algo sábio a dizer, mesmo que fosse entre piadas e provocações.

— Se permita conhecer alguém, cara. Você vive fechado no passado, mas a vida não espera. Bons momentos merecem ser compartilhados com quem a gente ama. — As palavras ecoaram mais fundo do que Peter gostaria de admitir. Afinal, Clara e Luna eram exatamente isso: os amores que ele perdeu e que ainda doíam como se fosse ontem.

Era impossível não sorrir ao lembrar das duas. E ao mesmo tempo, impossível não sentir a pontada de tristeza. Peter sabia que precisava seguir em frente, mas algumas coisas são difíceis de abandonar.

Ah, os dias passaram tão rápido que foi só piscar e Peter já estava na nova casa, recebendo visitas. Não deu nem tempo de esquentar o sofá e lá estavam os vizinhos — uns ajudando a desfazer as caixas, outros trazendo "misturas", ou seja, comida. Misturas! Alguém lembra a última vez que o pobre Peter teve uma refeição feita com tanto cuidado? Nem ele. Mas ali estava, num redemoinho de boas-vindas, que só cidade pequena sabe fazer.

— Detetive, você já conhecia a cidade? — Um rapaz de olhar curioso perguntou enquanto Peter tentava organizar uma pilha de livros.

— Essa vila não, mas vivi na cidade quando era criança. — respondeu com um sorriso contido, enquanto segurava Max, que tentava arrancar um pedaço da caixa.

— Você vai adorar o lugar! Temos reunião de moradores na próxima semana, vai ser uma oportunidade de conhecer o pessoal e saber como andam as coisas. — Uma senhora falante interrompeu, parecendo ser a embaixadora não oficial da vila.

Peter acenou educadamente, mas, no fundo, sua mente viajava para outro lugar. Clara e Luna adorariam conhecer essas pessoas, pensou ele. As duas tinham um dom especial para fazer amigos como se amizade fosse um esporte olímpico e elas fossem medalhistas. Ele lembrou da última conversa que tiveram, da empolgação delas em viajar pela primeira vez com os amigos da escola. Ah, essas lembranças… elas sempre vinham embaladas com um toque de saudade e aquele peso no peito que nunca ia embora por completo.

Lá fora, a chuva fraca tocava o telhado, criando a trilha sonora perfeita para suas reflexões. Peter, por sua vez, começou a falar com o cachorro como se estivesse desabafando em um diário. Porque, sejamos sinceros, Max nunca o julgaria. E isso era mais do que podia dizer sobre qualquer ser humano. Depois de uma cerveja e um banho quente, ele se preparou para dormir, com Max enrolado aos seus pés, como uma almofada peluda e fiel. 

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No dia seguinte, Peter estava no café, pronto para começar a ronda. Ele se sentou no balcão e começou a observar o movimento. Pessoas entrando, saindo, conversando, e então... ela. Uma ruiva de cabelos curtos, sentada perto da janela. Seus olhos cor de mel tinham um brilho tão encantador que, por um momento, o mundo ao redor de Peter ficou em segundo plano. Ela retirou um livro de dentro de uma bolsa laranja e, logo depois, o dono do café trouxe o pedido dela. Os dois riram de algo, e Peter, bem, ele só conseguia admirar a cena. Bonito demais para ser ignorado, não é?

Mas o tempo não para para quem se distrai com ruivas. Ele percebeu que estava quase atrasado e saiu apressado. A manhã passou num piscar de olhos, tranquila como raramente é para um policial. Na hora do almoço, encontrou um restaurante simples e aconchegante, onde pôde comer em paz enquanto o noticiário passava na televisão.

Próximo a ele, uma conversa chamou sua atenção. Uma garota falava animadamente para as amigas:

— Eu lembro de uma série que assisti. Era um dorama perfeito! A mulher era uma detetive, investigava um caso de assassinato em série, e todas as pistas indicavam que o criminoso era o marido dela. O problema era que o cara parecia perfeito, ninguém imaginaria. Fiquei angustiada junto com a protagonista. Já imaginou descobrir que a pessoa que você ama é um assassino? No futuro, eu vou ser uma investigadora tão boa quanto ela!

As amigas riram, e a conversa mudou de rumo. Peter balançou a cabeça, sorrindo. Jovens e suas ideias! Na vida real, é bem diferente. Esconder algo assim de alguém com quem você vive? Improvável. Especialmente se a pessoa for uma investigadora de verdade.

Mais tarde, com o sol se pondo e o clima agradavelmente fresco, Peter decidiu caminhar com Max. O cachorro, corria feito louco, como se tivesse ficado preso por dias. No parque, Max fez o que sabia fazer de melhor: socializar. Convidou as crianças para brincarem, porque, claro, ele era o cão mais sociável da vila. E enquanto Max espalhava alegria, Peter aproveitou para respirar fundo, sentindo a tranquilidade daquele momento simples. Ele ainda estava se ajustando, mas algo naquela cidade,  talvez as pessoas, talvez o ritmo fazia parecer que, finalmente, as coisas estavam no lugar certo.

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