— Oi… — respondi confusa, tentando reconhecê-lo.
— Você não se lembra de mim? Sou eu, Lucca! Estreitei os olhos, buscando seu rosto na memória. Não, não lembro!
— Eu… — Tentei disfarçar a resposta que piscava na minha mente.
— No dia da entrevista, no prédio da seleção, nos falamos brevemente na sala de espera — ele esclareceu. E eu quase gargalhei, pois realmente foi breve esse primeiro contato. Não lembro desse cara e sou péssima em memorizar fisionomia.
Droga!
— Claro! Como sou distraída. — Sorri, mentindo descaradamente.
— Como vai?
— Ansioso! Você não?
Pude sentir sua empolgação, assim que ele colou as palmas das mãos e as esfregou freneticamente.
— Sim, estou muito ansiosa.
— Estou sentado bem ali. — Ele apontou para a primeira fileira. — Quer me fazer companhia?
Condenei o lugar, primeira fileira não estava nos meus planos, geralmente quem se senta nos primeiros assentos é obrigado a expor suas opiniões, e francamente, pretendia me manter invisível tempo suficiente para não cometer nenhuma tolice. Embora…
Pelo amor de Deus, Aurora, você se preparou para esse momento, basta de insegurança!
Ok!
— Tudo bem, primeira fileira, lá vamos nós — concordei, corajosa e passei a acompanhá-lo.
No caminho observei aqueles que seriam meus colegas de treinamento, considerando-os pessoas comuns, os assuntos entre eles eram diversos, mas relacionados ao grande dia. Lucca e eu nos acomodávamos nas poltronas confortáveis e, discretamente, fofocando, ele destacou o trio bem-vestido à frente.
— São eles que darão o treinamento pra gente — afirmou, confirmando minha desconfiança.
Admirei o trio, pessoas importantes, posturas excelentes, inspiradoras…
— Sentem-se, por favor! — Uma mulher sobressaiu do trio.
As pessoas procuraram seus assentos com agilidade, as luzes diminuíram, um foco necessário acendeu à frente, reproduzindo num telão o logo verde da WUC.
— Meu nome é Ellen Castiel, diretora executiva de Trade Marketing, sejam bem-vindos à WIS UNIVERSITY CONECT…
A voz entonada transcorreu a sala e, mesmo não querendo dar bandeira, namorei a posição da mulher importante. Fora que Ellen Castiel era um espetáculo, não contive a curiosidade de percorrer seu corpo, avaliando cada detalhe com precisão. Alta, corpo escultural, cabelos pretos cobrindo seus ombros e desenhando seu rosto fino e sexy…
— Acredito que fazer parte desta instituição é o sonho de vocês, não é? — A pergunta me tirou do torpor da admiração. — Posso imaginar o quanto lutaram para estar entre os vinte e cinco melhores estudantes do país, sabemos também que o processo foi árduo, mas enfim, vocês venceram, parabéns a todos!
Senti um cutucão no ombro e virei rápido… Era Lucca.
— Aurora, vai ser incrível, não acha? — ele perguntou, me encarando com aqueles olhos verdes acesos, que só naquele momento notei.
— Sim! — Voltei com mais atenção para a mulher poderosa à frente.
— A partir de hoje, vocês irão estagiar nas áreas escolhidas na WIS CONECT e, após o treinamento, receberão das minhas mãos a carta-bolsa para ingressarem na WIS UNIVERSITY. Preparem-se, durmam e se alimentem, porque não será permitido distrações ou erros. Agora vocês respiram o grupo WUC…
Nossa…
Uma salva de palmas explodiu e Ellen correu os olhos na sala, mas sem explicação cravou a potência azul por alguns segundos em mim. Segurei aquele olhar com um sorriso nos lábios, sem entender de fato o porquê do contato direto, até perdê-los quando ela retomou as explicações burocráticas.
Não houve tempo para que eu pensasse no instante esquisito, Lucca me consumiu com sua empolgação. Minutos depois, a executiva finalizou o discurso, nos liberando para o café. Meu mais novo amigo antecipou-se com gentileza indo de encontro à mesa e retornando com duas xícaras nas mãos.
Muito gentil este garoto.
— Não coloquei açúcar —avisou, antes de entregar a xícara.
— Não, gosto puro. Obrigada!
— Sabia, sempre acerto.
— Você vai cursar o quê? — perguntei interessada e sorvi um gole da bebida quente.
— Gestão financeira.
— Gostei, louco por números, então?
— Apaixonado. E você?
— Publicidade e Marketing.
— Publicitária? Muito bom, comunicação é o carro chefe da WIS. Se precisar de algo pode contar comigo.
Lancei uma piscadela e sorri agradecendo a gentileza.
Lucca é gente boa.
— Valeu.
— Disponha, garota.
Aos poucos, todos retornaram aos seus lugares e o supervisor, Maico Oliveira, com seu jeito rígido e centrado retomou os ritos do treinamento, passando todas as informações necessárias para quando assumíssemos nossos setores. A primeira parte foi finalizada num piscar de olhos e logo fomos dispensados para o almoço.
— Aurora, onde você vai almoçar? — Lucca indagou antes de sairmos da sala.
— Vou comer um lanche em alguma hamburgueria aqui por perto.
Conhece algum lugar?
— Conheço um lugar ótimo, posso te acompanhar?
— Claro que sim!
Paramos diante do elevador, aguardando sua chegada. A sensação do novo, da descoberta, me rondou. Avistei ainda distante a presença de um rapaz e uma garota se aproximando, os reconheci de imediato por serem os mais estilosos da sala, sorri simpática, recebendo a mesma cordialidade.
— Oi, sou a Aurora — falei espontânea, o que não acontecia sempre. No entanto, na ocasião senti uma energia bacana vindo deles. — Tudo bem?
— Tudo bem! Sou Raica. — A garota de cabelos cacheados se aproximou e me cumprimentou com um beijo no rosto.
Gostei dela.
Seria uma boa conquistar novas amizades, estava sem nenhuma no momento.
Espera, não que eu fosse uma pessoa intragável, apenas me refugiei nos estudos para atingir meu sonho, considerei como o quarto do recomeço. Houve várias motivações para isso, citei algumas anteriormente, só esqueci a seguinte: uma traição que me apunhalou covardemente pelas costas, arisca, dolorosa. A decepção arrancou meu chão, então rompi com tudo que me ligava a ela. Inclusive os amigos em comum.O ser humano tem uma mania macabra de achar que uma simples “desculpa” pode apagar todo a merda feita, pode aniquilar toda a dor sufocante capaz de modificar quem você é, pode simplesmente amenizar as feridas causadas.
Hipócrita! Egoísta!
— Vocês vão almoçar? — Raica quis saber.
— Vamos comer um lanche…
— No Retrô-Chill, vocês conhecem? — participou Lucca.
— Estamos indo pra lá, querem vir conosco? — Ela convidou docemente, olhando para o outro rapaz que se afastou para atender o celular.
— Por mim, ótimo. Lucca? — Olhei para ele, que parecia não se importar em termos companhia.
— Claro! Aliás, prazer, meu nome é Lucca. — Ele estendeu a mão para cumprimentar a garota que devolveu a cortesia.
— Renan — ela chamou o distraído, que guardou o celular no jeans e juntou-se a nós. — Este aqui é o meu irmão, Renan — disse, com o polegar apontado para ele.
— Oi, gente, desculpa a distração, estava falando com o meu namorado. Prazer, sou Renan.
Também gostei dele.
— Amados, vamos, o Chill está sempre lotado — Raica avisou no instante que o elevador abriu no nosso andar.
Assim que entramos, inalei o cheiro divino de carne e a fome movimentou o meu estômago, seguimos em fila para o fundo da hamburgueria lotada, sendo difícil não apreciar cada detalhe, uma decoração retrô dos anos oitenta compunha cada pedacinho do lugar… SENSACIONAL!Como assim, morava em São Paulo, passeei diversas vezes pelo centro e nunca havia entrado ali? Aurora, sua distraída!Deixei a turma continuar e parei para olhar as fotos de um chinês abraçado a alguns artistas, o dono do lugar parecia ser importante.— Nossa, que lugar legal! — exclamei e me juntei ao grupo, admirada com tudo.Raica escolheu um cantinho bem ao fundo, onde não havia uma concentração muito grande de pessoas famintas.— Vocês já são muito bem-vindos! — sucateou um baixinho de olhos puxados e bandeja embaixo do braço. — Chill, Chill, vai rolar aquela porção de fritas grátis? — Raica esperta, tentou descaradamente.Chill fingiu se espantar, mas saquei que estava acostumado com o pedido.— Já querem falir o Chi
Aproveitei e voltei a respirar…Nossa, o que foi aquilo?Tentei raciocinar à medida que a máquina subia, só que as sensações que fluíam no meu corpo me confundiram um pouco. Era um misto de curiosidade com fascínio — estupidamente interessante.— Acho que você arrumou um fã — Lucca cochichou no meu ouvido.— Como? — sussurrei temendo que alguém o ouvisse.— Você viu como ele estava te olhando?— Quem?— O executivo bonitão.— Não… eu…— Chegamos — falou Renan, aliviado.A turma passou por mim, apressados, intrépidos, ao passo que minha mente abusada processava aquele rosto — intenso, atraente e sinuoso. Havia alguma coisa incomum ali, não sei explicar, ou compreender, só sei que aquele cara acordou algo adormecido em mim. Não levamos nenhuma bronca, pelo contrário, o supervisor Maico foi até compreensivo com o fato de o elevador ter dado pau.No segundo período as horas passaram rápido, o treinamento fluiu com uma preciosa lição: raciocínio rápido. Eles eram exigentes com cada detalhe
Vinte dias depois…— Aurora, acorda! — esbravejou minha mãe, enquanto invadia meu quarto. — Bora, o dia está sorrindo.— Ah… — Bocejei. — Apaga essa luz, mãe, enlouqueceu?— Aurora, acorda, temos que aproveitar o sábado!— Não, senhora, o sábado foi feito pra dormir — murmurei me embalando embaixo do edredom. — Adeus!Não esquece de apagar a luz.— Anda, menina.Toc toc toc, seu sapato começou a sapatear todo o piso, endoidando meus tímpanos, adeus soninho.Argh!Soltei uma lufada de ar e cobri minha cabeça com o travesseiro, na tentativa de ignorá-la. Estava exausta e minha mãe sabia disso, então por que diabos ela estava me atormentando? Nunca estudei tanto na vida, os vinte dias de treinamento foram intensos e só ressaltaram o título de número um do mundo. Passei a admirar ainda mais a universidade que preza pelo crescimento profissional dos seus colaboradores. O sistema deles era único e exclusivo, desenvolvido na Califórnia, sede de Berkeley. E sim!!! Eu teria um MacBook à minha d
Bem-vindo ao shopping, era o que estava escrito na placa prateada no alto da entrada. O lugar onde eu podia me passar por rica sem que ninguém duvidasse — ou me chamasse de louca —, estava lotado de famílias e pessoas desocupadas como eu e minha mãe. Confesso que meu sonho era um dia entrar na Gallerist e gastar alguns reais sem me preocupar que o mundo ia cair na minha cabeça depois. Mas como todos os shoppings de luxo, também tinha lojas populares como C&A e Riachuelo que reuniam diversos estilos a preço acessível.Era exatamente nelas que faria compras.Ainda receosa em acabar com o limite do cartão de crédito da mamãe, escolhi poucas peças, digamos que fui estratégica, peguei roupas que combinassem com o que já tinha no guarda-roupa. Porém, dona Ana me surpreendeu quando encheu meus braços com as peças escolhidas por ela, não fiz cerimônia e aceitei o presente.Passeamos pelo andar sem pressa, observando vitrines, só curtindo uma à outra — como há muito tempo não fazíamos. A mulhe
Um pouco depois voltamos para casa, exaustas, me refugiei logo no meu quarto com a desculpa de guardar as roupas novas que compramos. Minha mãe, que de boba não tinha nada, percebeu minha mudança de humor brusca assim que saímos do restaurante. Achei estranho tudo aquilo e não consegui entender por que me sentia brava pelo fato de ter visto David — alguém que nunca falei —, encontrar casualmente —esperava em Deus —, minha chefe direta.Que homem lindo, fiz questão de lembrar, estava tão casual com aquela malha branca.Qual será a relação daqueles dois? Namorados? Questionava. Encaixei uma peça no cabide.E qual será a ligação dele com a WUC? Talvez um cliente ou executivo?Embora não o tenha visto no prédio administrativo, tudo me levava a crer que David era envolvido de alguma forma com a empresa, ou melhor, com a Ellen. Provavelmente namorados, ou estavam se conhecendo, já que se cumprimentaram com um simples beijo no rosto.Eram perfeitos juntos.— Aurora… — Não tem jeito,
— Acorda, dorminhoco! Hoje é domingo.Ignorei a voz melódica no ouvido e seus carinhos no pescoço e virei para o lado oposto, me desvencilhando e retomando meu sono. A noite intensa e o sexo selvagem me esgotaram, precisava descansar. A contar dos dias que desembarquei no Brasil até a véspera, não houve sequer um momento de sossego, mesmo estando acostumado à rotina de trabalho fatigante e a noitada com mulheres fogosas, caso acontecesse, não dispensaria um tempo sozinho.— Vou chupar seu pau gostoso…E pelo visto não ia acontecer tão cedo, Ellen não ponderava as artimanhas para transformar o silêncio em gemidos.— Depois vamos trepar… — suas unhas arranharam minhas costas —, meu dia tem um upgrade com essa dinâmica.A diabinha persistente já havia me colocado duro para o seu deleite.— Jamais recusaria foder a sua boca pela manhã. — Busquei o rosto ordinário. — Ajoelha pra mim, bem vagabunda como eu gosto.Ela mordeu os lábios e deslizou para fora da cama, se posicionando, obediente.
Arfei e não me dei ao trabalho de responder.Mesmo com o tempo, nada foi esclarecido e um mundo de incertezas se instalou mutuamente.Praticamente dois estranhos, escusos, quase inimigos. Infelizmente, o laço terno que tínhamos findou e não havia mais resquícios de sentimentos leais, só farpas e provocações. Não era feliz com a situação. Antes de toda aquela merda éramos um só, eu: seu herói por ser o irmão mais velho, mesmo com pouco diferença de idade, e ele: o mano querido e companheiro, sempre ao meu lado.Tomei o resto da água que sobrou na garrafa, descartando a embalagem no reciclável ao lado e teria seguido para a cobertura, livre de tantas reflexões fodidas, no entanto, outra ligação me manteve ali e, daquela vez, um sorriso alegre apareceu ao atender.— Fala, Ruben…— Tudo bem, David?— Tudo certo, estava correndo. Como vai tia Ester e seu pai?— Viajando, provavelmente estão na Itália agora.— Podemos almoçar, o que acha?Encontros como esses aliviavam a carga que muitas ve
— Ah, claro! — A curiosa me trouxe de volta. — Aurora trabalha lá, que coincidência.— Sim, muita coincidência… — Ele não conseguiu esconder a surpresa, nem eu. Mais um pouco e não esconderia nem os burburinhos do meu estômago.— Minha sobrinha linda é muito esforçada, ganhou uma bolsa de estudos, né, querida? — A megera que se casou com meu tio não perdeu a oportunidade e frisou a palavra bolsa, como se houvesse da minha parte um pingo de vergonha na conquista. — David, querido, WIS UNIVERSITY não é a universidade da sua família? Mel comentou alguma coisa sobre…Hein?Meus olhos saltaram.Tenho certeza absoluta de que todo o sangue do meu corpo subiu para o meu cérebro. Esperava qualquer coisa, até que David tivesse laços familiares em Marte, tudo, menos que aquele cara… Puta merda!!! Comonão associei? David Queen, herdeiro e CMO[2] da WIS. Tudo passou a fazer sentido. O encontro fez sentido.A elegância fez sentido. A gostosura fez sentido. O único ponto sem sentido na história era