7- Aurora Baker

Um pouco depois voltamos para casa, exaustas, me refugiei logo no meu quarto com a desculpa de guardar as roupas novas que compramos. Minha mãe, que de boba não tinha nada, percebeu minha mudança de humor brusca assim que saímos do restaurante. Achei estranho tudo aquilo e não consegui entender por que me sentia brava pelo fato de ter visto David — alguém que nunca falei —, encontrar casualmente —esperava em Deus —, minha chefe direta.

Que homem lindo, fiz questão de lembrar, estava tão casual com aquela malha branca.

Qual será a relação daqueles dois? Namorados? Questionava. Encaixei uma peça no cabide.

E qual será a ligação dele com a WUC? Talvez um cliente ou executivo?

Embora não o tenha visto no prédio administrativo, tudo me levava a crer que David era envolvido de alguma forma com a empresa, ou melhor,  com  a  Ellen.  Provavelmente  namorados,  ou  estavam  se conhecendo, já que se cumprimentaram com um simples beijo no rosto.

Eram perfeitos juntos.

— Aurora… — Não tem jeito, ela entrou sem bater. — Tudo bem?

— Ahaaa! — respondi e encaixei o cabide no suporte esperando dona Ana dizer o motivo de interromper meu raciocínio. — Qual o problema? — Quis entender o silêncio e o semblante apático. — Esse olhar pidão… Quer dinheiro? Já digo, tô zerada, a empresária aqui é a senhora — brinquei, ela sorriu brevemente, me encarando séria depois. — Fala, mãe, o que tá pegando?

Ela escorou na cômoda antes de falar, ou melhor, me irritar.

— Seus tios convidaram a gente para um jantar, amanhã — falou devagar e arqueei a sobrancelha. — Eu aceitei..., por nós duas.

— Eu não vou, sabe disso, né?

— Aurora, chega desse ódio, evolua…

— Oi? Tá gozando com a minha cara, mãe?

— Não, somos família!

— Somos o quê? Faltava ar no espaço.

— Filha, eu sei que a Melissa errou, todos erramos e…

Larguei na cama a blusinha que ia pendurar no próximo cabide.

— Querem que eu a perdoe? — A voz soou ferida. — Esse é o motivo do jantar?

— Não! Ela quer apresentar o namorado para a família.

— EU NÃO SOU A FAMÍLIA DELA! — berrei e fui para o banheiro.

— Não grite comigo, Aurora! — Ela não pediu. — Chega dessa merda!

Revirei os olhos que já ardiam e liguei o chuveiro antes de tirar a roupa e jogá-la no cesto.

Os desgraçados não se contentaram com a humilhação e queriam me esfregar um namorado na cara, como se isso apagasse o que a vadia fez comigo. Não engolia. Não aceitava. Mergulhei a cabeça na água quente para aliviar a tensão, mas não, a cena voltava nítida.

Melissa e eu fomos criadas praticamente juntas, não com as mesmas regalias, pois meu tio era um grande empresário, já minha mãe, uma ferrada. A princesa sempre teve tudo que quis: viagens, roupas de grife, uma bela casa, enquanto eu tinha o que era cabível ter e nunca reclamei. Independente da diferença social tínhamos uma amizade que considerava sincera, até encontrá-la nua na cama do Caio, meu namorado.

— Aurora, apague isso, você superou as dificuldades. — Ouvi minha mãe falar. — Agora se mostre superior.

Esse ponto me fez pensar: superior. Talvez precisasse mostrar que estava bem, que não era mais a coitada que eles podiam pisar, a ressentida por conta de um deslize da princesa.

Foda-se!

Finalizei meu banho e voltei para o quarto com a minha mãe de prontidão, se tinha algo que me levava ao inferno era a insistência de dona Ana, impossível competir com o poder de persuasão da baixinha. Vesti um pijama e me deitei com o ruído impaciente próximo à porta.

— Tudo bem, eu vou — declarei e desliguei o abajur.

(...)

Paula, esposa do tio Jorge, nos recebeu e não sei o que me irritou mais, se foi seu sorriso falso ou o cabelo cheio de laquê que tornou sua cabeleira uma nave espacial bizarra. A chata nos guiou até a sala de estar, lindamente decorada — tinha que admitir —, e começou a falar igual a um papagaio grotesco, demonstrando o quanto era fútil e ridícula. Não permaneci junto delas, me afastei sentando numa poltrona próxima à janela, ocupando-me com o celular.

— Boa noite! — Meu tio chegou falando. — Que prazer tê-la aqui na minha humilde casa, amada irmã.

Porra!

Revirei os olhos, enjoada com a falsa modéstia.

Aquela casa estava longe de ser humilde, tínhamos ali quilômetros de terreno muito bem aproveitado, com direito a um jardim extenso, piscina, área para empregados, sauna e muito mais que nem lembro por não frequentar mais o lugar. Agora humilde não era. O homem me cumprimentou com um beijo na testa, que limpei assim que se afastou para juntar-se às mulheres e ficaram conversando sobre a dama da noite, até a infeliz aparecer.

— Boa noite, gente! — A voz soou macia, quase de algodão. Melissa estava vestida com um lindo vestido preto e sandálias altas. — Demorei? — Sorriu indo encontrar a tia, que já estava de pé para abraçá-la.

— Tá linda, Mel.

Quase vomitei.

Avaliando o quadro, me arrependi amargamente de ter ido. Afinal, o que eu queria provar? Que havia esquecido tudo? Que se foda ela ter transado com o filho da puta do Caio? Que não ligava? Queria convencer quem, se eu mesma ainda sentia o azedo na boca? Esse fingimento não fazia meu gênero, a vaca permaneceu conversando com os mais velhos, enquanto eu saí sem disfarçar o abandono para o jardim.

Caminhei morosa na grama aparada, respirando ar puro e implorando a Deus uma dose extra de paciência, precisava suportar o jantar, a arrogância, e ir embora como uma bela dama.

Longe de tudo estava sendo até fácil superar, mas estando ali de volta, principalmente naquele jardim que brinquei muitas vezes quando criança, era impossível.

— Aurora…

Voltei-me para a entrada, lá estava ela.

Cínica.

Um passo, dois… neguei a aproximação, mas a garota nada inocente quis me encontrar.

— Podemos conversar?

— Conversar, Melissa? Quer falar sobre o quê? Esmalte?! Ela apertou os olhos e se esquivou.

Nada que fosse dito apagaria a revolta que movimentava meu peito.

Não havia palavras, por mais sinceras que fossem, capazes de superar a imagem, a cena, o instante que permaneci parada, imersa ao choque do cenário desleal.

— Eu errei, tá legal? Me iludi com aquele cretino, mas…

— Mas…?

Ah, o interesse no mas esticou meus lábios, talvez um motivo ilustre explicasse as razões da minha prima e amiga ter me apunhalado pelas costas.

— Eu amo você, Aurora. Sinto sua falta e nada é o mesmo sem a sua amizade.

Segurei a gargalhada e só sorri com ironia, é claro! Amor... A garota reafirmava minha burrice. Jesus! Achava mesmo que as lágrimas que escorriam poderiam apagar a foda daquela noite?

— Melissa, vai se foder!

— Como pode ser tão dura?

— Como pôde ser tão vaca!?!

O olhar duelou e a fúria muito bem representada estava a ponto de esmagá-la.

— Meninas, os convidados chegaram. — Paula nos interrompeu, ainda assim o contato visual permaneceu queimando. — Mel, o Ruben está na sala com o primo, venha recebê-lo.

Ela quebrou aquilo a tempo de a merda não respingar no jantar, busquei controle do âmago, pois chorar não era o que pretendia fazer, me sentir frágil, ferida diante deles, estava longe de demonstrar que superei a traição. Ignoraram meus sentimentos, pisotearam minha dignidade como se tivesse que sentir calada a navalha ferindo meu coração.

Tapei a boca e engoli o pranto. Não!

— Dane-se, não suporto nenhum deles, não faz sentido minha presença…

Alcancei o ambiente em tempo recorde, disposta a mandar todos à merda e retrucar qualquer protesto, só que o destino, como um leviano, desarmou seja qual fosse o armamento que estivesse em punho. Meu sangue pulsou diferente assim que reconheci um dos convidados.

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