6- Aurora Baker

Bem-vindo ao shopping, era o que estava escrito na placa prateada no alto da entrada. O lugar onde eu podia me passar por rica sem que ninguém duvidasse — ou me chamasse de louca —, estava lotado de famílias e pessoas desocupadas como eu e minha mãe. Confesso que meu sonho era um dia entrar na Gallerist e gastar alguns reais sem me preocupar que o mundo ia cair na minha cabeça depois. Mas como todos os shoppings de luxo, também tinha lojas populares como C&A e Riachuelo que reuniam diversos estilos a preço acessível.

Era exatamente nelas que faria compras.

Ainda receosa em acabar com o limite do cartão de crédito da mamãe, escolhi poucas peças, digamos que fui estratégica, peguei roupas que combinassem com o que já tinha no guarda-roupa. Porém, dona Ana me surpreendeu quando encheu meus braços com as peças escolhidas por ela, não fiz cerimônia e aceitei o presente.

Passeamos pelo andar sem pressa, observando vitrines, só curtindo uma à outra — como há muito tempo não fazíamos. A mulher ao meu lado era uma batalhadora das mais fortes, construiu seu nome como cabeleireira quando eu ainda era criança. Naquela época, morávamos num sobradinho de quatro cômodos na zona norte, tempos em que fugir de um canto para o outro, era nossa rotina. Mesmo sem condições, ela improvisou seu salão num dos cômodos e começou a atender suas primeiras clientes — com a cara e a coragem. Aos poucos conquistou uma boa bagagem e, com isso, uma carteira farta de mulheres vaidosas.

Foi então que Marcos apareceu, trazendo àquele pequeno espaço, esperança. Os dois juntos locaram um lugar na zona sul, uma vez que fugir voltou a ser nossa sina e o sobradinho não mais um lar. Naquele momento, um empréstimo arriscado, mas preciso, levou a Cherry Fashion ao seu novo endereço, o Shopping Iguatemi.

Lá estávamos.

— Agora, cabelo e unhas? — ela sugeriu enquanto pisamos juntas no degrau da escada rolante, em direção ao andar de baixo. — O que acha?

Excelente proposta.

— Simmmmm! Aproveito e mato a saudade do Marcos.

Ela assentiu e caminhamos em direção ao salão na outra extremidade do andar.

— Ai, meu Deus, lindaaaaaaaa! — gritou o cabeleireiro, frenético, assim que me viu chegar. — Meu amor, saudades…

— Oi, Marquito, belezinha?

— Super, garota. — Apertou-me contra seu corpo, beijou minha testa e virou para minha mãe. — Olá, chefa!

Ela piscou para ele, antes de explorar o salão moderno e elegante.

— Marcos, vem cá.

— Sim, chefa.

— Você pode, por gentileza, dar uma ajeitada naquela bagunça ali? — ironizou apontando para euzinha, mesmo tendo no seu campo de visão uma cliente que carecia de trato.

— A bagunça sou eu? — Apontei para o centro do peito, avaliando meus cachos num espelho de corpo inteiro que ocupava a parede de entrada. — Tô feia, Marcos? — choraminguei para ele.

— Até parece. — Ele já estava ao meu lado. — Talvez esses fios precisem de um corte, um botox para amenizar o volume… O que acha?

Sinceramente, cortar o cabelo não estava nos meus planos. Adoro meus longos cabelos castanhos um pouco acima da cintura, apesar de não me obedecerem muito, sempre com fios ariscos tirando horas do meu tempo na frente do espelho.

De fato, uma mudança radical podia ser legal.

— Marcos, eu topo, pode cortar.

— Que honra, vou dar um trato na universitária.

O cabeleireiro não pensou duas vezes, primeiro sua ajudante lavou meus cabelos para a aplicação de uma química fraca que trabalhou nos fios por um tempo e depois foi enxaguada. Liberada pela moça, Marcos me levou pelo braço ao seu canto de trabalho, jogou a capa lilás sobre o meu corpo como proteção dos fios que seriam desperdiçados e me fitou com cara de quem ia aprontar, pegou a tesoura e se transformou em Edward.

Não escondi meu desespero ao testemunhar os primeiros fios caírem no chão, senti meu coração acelerar, até pensei em desistir, rezei arrependida, sofri em antecipação. Marcos só ria, se divertindo com o meu sofrimento. Não tão confiante assim, fechei os olhos e entreguei nas mãos de Deus.

Minutos eternos depois…

— Abre os olhos, Aurora — o sem coração pediu, mas não tive coragem. — Abre, garota, e olhe minha obra-prima.

Minhas pálpebras se desprenderam devagarzinho.

Uau…

— Jesus… Marcos! Ficou perfeito, adorei! Obrigada!

Saltei da cadeira depois que ele cuidadosamente me varreu inteira, tirando uma quantidade considerável de fios que, mesmo com a capa, se espalharam pelo meu pescoço. Fui em busca do superespelho da entrada, choquei admirando a transformação.

— Gostou do comprimento? — Quis saber, vaidoso. — Olha como valorizou seu colo.

— Sim, muito.

Marcos repicou todo o cabelo deixando-o rente aos ombros, a química soltou os cachos e, para qualquer lado que eu jogasse os fios, eles tinham um caimento perfeito.

— Amei, Marcos! — Apertei sua bochecha com um beijo. — Obrigada!

— Olha a economia de shampoo, aí. — Mamãe piscou para Marcos. — Olga, finaliza a Graça, por favor. — Deu a ordem para uma funcionária e fugiu para o escritório.

— Agora pé e mão, e depois limpeza de pele.

Acabamos ficando um bom tempo no salão, e já estava desfalecendo de fome. Minha mãe propôs o que fui relutante em aceitar, almoçarmos no restaurante do meu tio Jorge, pai da Melissa, a prima traidora. O homem rico e esnobe possuía uma rede de restaurantes de luxo.

— Mãe, quantos restaurantes têm nesse lugar? — arqueei irritada com a questão. — Temos realmente que comer lá? A comida nem vai fazer digestão.

— Pelo amor de Deus, pare com isso e vire essa página, já passaram dois anos, Aurora.

— Não importa, quero distância desse povo. Ela me olhou com cuidado e chegou mais perto.

— Seu tio nem está lá, por favor.

Nunca entendi essa babação da minha mãe no meu tio, o homem era arrogante e nunca moveu uma palha para nos ajudar quando realmente precisamos, pelo contrário, sempre que teve oportunidade lembrou o quanto a vida dela era péssima. As histórias sobre o meu pai surgiram de indiretas vindas dele, eu era apenas uma garotinha de cinco anos que, até então, não tinha um pai presente. E para mim estava tudo bem, minha mãe sempre supriu todas as necessidades. Mas o ardiloso, não estando satisfeito com isso, sem aviso me contou, tudo de uma única vez:

“Aurora, seu pai é um bandido cruel. Ele espancava sua mãe quando você ainda estava na barriga e voltou a fazer o mesmo depois que você nasceu. Inclusive quase a matou, o que teria feito se eu não tivesse chegado a tempo, porque matar para ele é fácil, ele é um assassino."

Chocada, com medo, com ódio, chorei durante uma semana, tentando compreender a crueldade do homem a quem só recordava o timbre da voz áspera e amarga. Odeio essas recordações.

— Vai, Aurora, aceita… — Insistência é seu nome. — Vai, filha?

— Aff, que chatice!

Por fim, acabei concordando só porque meu cabelo estava incrível e o dia havia sido perfeito até então.

Como todos conheciam minha mãe no Delicius, nos colocaram em uma ótima mesa, serviram um bom vinho, além do filé mignon com molho madeira que o chef fez questão de servir pessoalmente. A princípio achei que o homem estava flertando com ela e, possivelmente, seria o motivo da sua insistência em almoçarmos ali, mas caí do cavalo, concluindo que o chef estava mesmo paparicando a irmã do dono.

Almoçamos em silêncio, puta merda, a comida estava divina, doeu admitir.

Enquanto minha mãe falava com tia Paula ao telefone, me distraí balançando minha taça com um último resquício de vinho. Nunca fui sensitiva, mal consigo ficar um segundo meditando de tanto que sou conectada com o mundo, contudo, algo me incomodou, um arrepio vagaroso percorreu minha coluna, me deixando alheia.

Inquieta, olhei para os lados, nem sei para onde, só olhei. E vi o sorriso aparecer quando cruzei com seu olhar.

Caralho! Recostei-me e também sorri, procurando entender o que tinha feito de bom para ganhar aquele presente do universo, de todas as coisas que imaginei acontecer, aquele momento não passou sequer pela minha cabeça. Já tinha até desistido de encontrá-lo. Agora esquecer o quanto tudo aquilo mexeu comigo, isso não esqueci.

Pensei em levantar e ir falar com ele. Por que não?

Desviei para minha mãe que nem percebeu a troca de olhares, pois minha tia Paula consumia toda sua energia pelo telefone. Então voltei para ele e flagrei seus lábios moverem para o lado e depois abrirem um pouco esboçando uma palavra. Decidida, me levantei, ele também.

— David, demorei? — Uma mulher chegou falando e beijou seu rosto. Mas não se apossou do assento vago, o executivo a conduziu para fora do restaurante, evitando um novo contato comigo.

Permaneci atônita assistindo a partida dos dois. Ainda sem acreditar no acontecimento surreal, finalizei o vinho e voltei a olhar como se ele pudesse retornar sem a mulher, sem Ellen Castiel, minha chefe.

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