Para Sílvio, não havia dúvida de que Basílio e Lúcia estavam tramando algo. Como poderia ser coincidência? Tudo se encaixava. Mas Lúcia não fazia ideia do que ele estava falando. Para ela, era só mais uma tentativa de Sílvio de manchar o nome de Basílio, o que já não a surpreendia.— Isso mesmo. Nós dois armamos tudo. — Disse Lúcia, sem se importar em corrigir o mal-entendido.Os olhos de Sílvio faiscavam, a fúria crescendo ainda mais:— Você está à beira da morte e ainda acha que o divórcio é tão importante assim? Não consegue sossegar e usar essa energia para se tratar?— Prefiro mil vezes me livrar de você do que continuar vivendo! Sílvio, só de pensar que, depois de morta, ainda vou ser enterrada como parte da família Medeiros, como sua esposa... Eu não conseguiria descansar em paz! — As lágrimas nos olhos de Lúcia brilhavam, e sua voz saiu embargada. — Eu quero morrer sem ter mais nada a ver com você!— Então, ser minha mulher é pior do que morrer, é isso?— Sim!— Lúcia, você re
— Se você aceitar o divórcio, eu começo o tratamento na hora! — Disse Lúcia.Sílvio riu, mas o som que saiu de sua garganta estava carregado de amargura. Na sua memória, Lúcia sempre foi a pessoa que mais temia a dor. E agora, ali estava ela, suando frio por causa do sofrimento, com o rosto pálido como cera, mas ainda assim resistindo, ainda lutando contra ele. A mulher que um dia prometeu estar ao seu lado, agora se recusava até a reconhecê-lo.O gosto amargo da frustração ficou preso no peito de Sílvio, sufocando-o.Com o rosto fechado, ele empurrou os analgésicos para sua boca e, em um movimento rápido, puxou Lúcia pela cintura. O corpo dela colou-se ao dele, firme, sem deixar espaço. O peito de Sílvio era sólido, e os dois corpos se encaixaram como peças de um quebra-cabeça.Lúcia tentou se afastar, mas estava fraca demais para competir com a força dele. A fome e o cansaço a deixaram sem resistência. Por mais que lutasse, não conseguia empurrá-lo.Os lábios de Lúcia estavam quentes
Aquela palavra foi como um balde de água fria, jogado de repente sobre sua cabeça, deixando-a paralisada e gelada por dentro. Sim, seus pais estavam mortos. Ela era uma órfã agora. Como poderia se permitir estar nos braços de Sílvio? Como podia se deixar levar por beijos e abraços, quando tinha perdido tudo?“Lúcia, você não tem mesmo vergonha? Ele diz algumas palavras doces e você se perde? É isso?”Toda a timidez que havia em seus olhos desapareceu em um instante, substituída por uma frieza cortante e uma expressão de zombaria.Sílvio, absorto em sua própria ilusão, não percebeu a mudança imediata nela. Ele se inclinou novamente, os olhos fechados, querendo mais daquele beijo que tanto o fazia recordar os velhos tempos.Mas Lúcia o empurrou com força, e antes que ele pudesse entender o que estava acontecendo, sentiu o impacto da mão dela estalando em seu rosto. A dor ardente o pegou de surpresa, a pele queimando de quente.Sílvio abriu os olhos, confuso. O que encontrou foi um olhar
Antes, se fosse mal compreendida por Sílvio, Lúcia teria corrido para se explicar. Tudo podia ser mal interpretado, menos o que ela sentia por ele. Aquilo, ela não permitia que ele entendesse errado. Mas agora, Lúcia já não via importância em ser mal-entendida. Não havia mais volta. Mesmo que tudo fosse esclarecido, o caminho de volta já estava perdido. E se era assim, por que se dar ao trabalho de explicar?— Pois bem, se você já entendeu, podemos nos divorciar? — Disse Lúcia.Ela havia tomado o analgésico, e a dor física havia cessado. Um sorriso enfeitou seus lábios. Quando Lúcia sorria, era linda. Mesmo pálida e frágil, sua beleza não era ofuscada. Seus traços delicados e sua postura elegante a tornavam encantadora, mesmo que estivesse magra como um fio de osso.Sílvio sempre esperou por esse sorriso. Mas agora que finalmente o via, não conseguia sentir nenhuma alegria. Pelo contrário, parecia que quanto mais ele ficava irritado, mais satisfeita ela ficava. E, aí sim, sorria com pr
— Sr. Sílvio, o senhor deveria descansar por alguns dias. Faz dias que o senhor não dorme direito. Suas olheiras estão cada vez mais escuras. — Comentou Leopoldo, preocupado com a saúde de Sílvio.Sílvio não respondeu. Apenas entrou no elevador, pensativo. De volta ao hotel, ele ainda estava inquieto. Pegou o telefone e ligou para Ilídio, o filho do Dr. Daulo.Quando Ilídio atendeu e ouviu o motivo da ligação, sua voz se encheu de desculpas:— Sr. Sílvio, não é que eu não queira ajudar. O problema é que meu pai é muito teimoso. Ele não escuta ninguém, nem mesmo a mim.— E não há outra maneira de convencê-lo?Sílvio apertou o celular com mais força, a tensão claramente visível em suas mãos.Ilídio deu uma risada curta antes de responder:— Na verdade, há uma pessoa que pode convencê-lo.— Quem?— Basílio. Meu pai tem um carinho especial por ele. Trata o rapaz como se fosse seu neto. Se Basílio pedir, meu pai com certeza vai ouvir.Basílio.Sílvio riu com desprezo. Claro que sabia que Ba
Sílvio havia passado várias noites sem dormir. Ao ouvir a notícia que Leopoldo trouxe pelo telefone, nem sequer pensou em descansar um pouco. Desligou o telefone rapidamente, pegou o paletó e jogou sobre os ombros, saindo apressado da suíte do hotel.Do hotel ao hospital, normalmente levaria cerca de dez minutos. Porém, Sílvio chegou lá em apenas três. Ao chegar na porta da sala de cirurgia, viu uma multidão de pessoas ao redor de uma cama.Sílvio avançou rapidamente. Lúcia estava com os cabelos desgrenhados, vestindo o avental do hospital, o rosto pálido, sem nenhum vestígio de vida. Seus longos cabelos negros estavam desordenadamente grudados ao rosto. Ela mal conseguia respirar, os olhos estavam vidrados e suas pálpebras travavam uma batalha constante, ora fechando, ora forçando-se a abrir.— Sra. Lúcia, o Sr. Sílvio chegou. O Sr. Sílvio chegou. — Anunciou o vice-diretor do hospital, tentando chamar sua atenção.Ao ouvir isso, Lúcia abriu os olhos com esforço. Olhou ao redor da sala
Leopoldo não conseguiu se conter e interveio em defesa do Sílvio:— Sra. Lúcia, o Sr. Sílvio te ama. Forçá-lo assim não leva a nada.— Sim. Veja bem, ou você me deixa morrer, ou me liberta. Sílvio, escolha. — Lúcia disse, enquanto suas lágrimas escorriam até os lábios, deixando um gosto amargo e salgado. Sua garganta estava tão apertada que mal conseguia falar.Sílvio estava prestes a explodir. Pensar na Lúcia que o estava pressionando agora, compará-la com a jovem alegre de antes... Não havia mais volta.Lúcia tinha certeza de que Sílvio a amava, que não suportava vê-la sofrendo, muito menos morrendo. Por isso, junto com Basílio, havia montado aquela armadilha.Mas a mulher que Sílvio amava o traiu, fugindo com Basílio, e agora usava sua doença para forçá-lo a se divorciar.Por quê? Como ela podia fazer isso com ele? Ele também era uma vítima. Seus pais foram assassinados por Abelardo. Lúcia não era a única inocente; ele também era. Ninguém o compreendia, ninguém o apoiava. Tudo o que
Sílvio olhou para trás e viu a cama de Lúcia sendo empurrada para dentro da sala de cirurgia. A porta se fechou abruptamente, e o letreiro acima indicava "Em cirurgia".Sílvio arregaçou as mangas e, ao tocar de leve a mão enfaixada, sentiu uma dor aguda e incômoda. Sem perder mais tempo, dirigiu-se ao setor de gastroenterologia, onde explicou sua situação ao médico responsável.O médico, ao saber que Sílvio estava disposto a fazer o teste de compatibilidade para doar parte de seu fígado à esposa, esboçou um sorriso de admiração:— O senhor é um marido exemplar. Ainda aceita fazer a compatibilidade. Tem muito homem que, ao ver a esposa doente, foge logo, com medo de ser compatível e ter que doar.Sílvio esboçou um sorriso amargo. Nos últimos dias, enfermeiros e médicos não paravam de lhe dizer o quanto ele era um bom marido para Lúcia.Ele também pensava assim, mas Lúcia não via as coisas da mesma forma. Para ela, todo o sofrimento que passou, a morte dos pais, tudo era culpa dele. E el